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12.06.2014

Possibilidades e riscos da nova fase em que a conjuntura brasileira entrou: operação lava-jato x Petrobrás

Operação Lava Jato: para defender a Petrobras ou sacrificá-la?

Prisão de executivos das grandes empreiteiras expõe corruptores e revela urgência da Reforma Política. Mas seu sentido estará em disputa — e o destino da Petrobras mora no centro do furacão, assim como os dividendos do pré-sal para a população brasileira na educação.
 
por Antonio Martins - sociedade e economia
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Executivos de grandes empresas chegam à Polícia Federal em Curitiba, para depor. Brasil finalmente punirá os corruptores?

Por que Arábia Saudita, aliada dos EUA, age para derrubar preços do combustível. Como isto afeta Petrobras, em meio à Operação Lava Jato, artigo baseado nos estudos de André Ghirardi.
As prisões de presidentes e executivos de grandes empreiteiras que prestam serviço à Petrobras, efetuadas em 14/11/2014 no âmbito da Operação Lava Jato, podem ter desdobramentos capazes de marcar, por meses ou anos, a vida brasileira. Pela primeira vez, foi exposta ao grande público a ação dos corruptores – sempre poupados pelo Judiciário e pela mídia, por razões tão fortes quanto sua potência financeira. Em breve, surgirão os elos entre grandes empresas e dezenas de políticos. O controle que o poder econômico exerce sobre o Parlamento ficará ainda mais escancarado.
Diante disso, emergirá por certo uma grande disputa de narrativas. Estará escancarada, para quem quiser enxergar, a necessidade imediata de uma Reforma Política – que, antes de tudo, proíba e puna severamente o financiamento, por corporações, dos partidos e campanhas eleitorais. Mas haverá, como no caso do “Mensalão”, a tentativa de sacrificar bodes expiatórios para, no fundo, preservar a promiscuidade entre o dinheiro e uma democracia cada vez mais esvaziada. A manobra consistirá em focar indivíduos (os deputados financiados pelas empreiteiras, que logo aparecerão) e fazer vistas grossas ao sistema político (que, no Brasil, praticamente obriga quem tiver pretensões de eleger-se a se associar a grandes grupos econômicos).
Na disputa de narrativas, um capítulo crucial envolverá a Petrobras. Maior empresa brasileira, responsável sozinha por cerca de 10% da arrecadação de impostos no Brasil, ela não poderia passar incólume, num sistema político em que a corrupção institucionalizada é a regra. Mas será grande a pressão para convertê-la em mais um bode expiatório. Estará em jogo a imensa riqueza petroleira do pré-sal. Ela tornou-se, nos últimos meses, especialmente cobiçada.
breve ensaio de André Ghirardi, que Outras Palavras orgulha-se de publicar aqui, revela por quê. Decisões políticas, adotadas principalmente pela Arábia Saudita, estão sacudindo a produção e os preços internacionais do petróleo. Maiores exportadores mundiais e aliados históricos dos Estados Unidos no Oriente Médio, os sauditas estão forçando uma baixa dos preços do produto, que tem vastas consequências econômicas e políticas. A produção de muitas áreas petrolíferas pode tornar-se inviável, porque os custos de extração do combustível serão menores que os preços internacionais. Mais importante: países cujos Estados dependem da renda petroleira para equilibrar seus orçamentos correm o risco de desestabilização. É o caso típico do Irã e Venezuela.
O pré-sal brasileiro destaca-se, neste cenário, por dois aspectos. Suas reservas já conhecidas situam-se na casa das dezenas de bilhões de barris, podendo estar entre as maiores do mundo. Seu custo de produção é relativamente baixo. É uma faca de dois gumes. Tornaria a extração viável mesmo num contexto de preços internacionais reduzidos – mas poderia levar o Brasil a esgotar um recurso precioso no período em que ele está mais desvalorizado. Além disso, quem faria a exploração – se houver pressões para queimar a Petrobras no altar da Operação Lava Jato?
O texto de Ghirardi expõe, em detalhes, o novo cenário. Examiná-lo é essencial para compreender os contextos, possibilidades e riscos da nova fase em que a conjuntura brasileira entrou, desde ontem.

Blog Outras Palavras 
 ou
http://www.cartacapital.com.br/blogs/outras-palavras/operacao-lava-jato-para-defender-a-petrobras-ou-sacrifica-la-4692.html 

A carga tributária brasileira não é a “mais alta do mundo”, mas a 32ª entre 178 países

Um mito e algumas verdades sobre os tributos no Brasil

Debate questiona crença segundo a qual carga tributária brasileira é “altíssima”. Problema real é outro: ricos e poderosos pagam pouquíssimo; somos o país dos impostos injustos 
por Antonio Martins - Sociedade e distribuição de renda
 
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“O contador e sua mulher”, de Marinus van Reymerswaele, 1539

Ao longo do processo eleitoral deste ano, um mito voltará a bloquear o debate sobre a construção de uma sociedade mais justa. Todas as vezes em que se lançar à mesa uma proposta de políticas públicas avançadas, demandando redistribuição de riquezas, algum “especialista” objetará: “não há recursos para isso no Orçamento; seria preciso elevar ainda mais a carga tributária”. A ideia será, então, esquecida, porque a sociedade brasileira está subjugada por um tabu: afirma-se que somos “o país com impostos mais altos do mundo”. Sustenta-se que criar novos tributos é oprimir a sociedade. Impede-se, deste modo, que avancemos para uma Reforma Tributária.
A partir das 10h desta sexta-feira (29/8), três conhecedores profundos do sistema de impostos no Brasil enfrentaram este mito, num debate transmitido por webTV. O auditor da Receita Federal Paulo Gil Introini, ex-presidente do sindicato nacional da categoria e os economista Jorge Mattoso Evilásio Salvadorargumentaram, com base em muitos dados, que o problema da carga tributária brasileira não está em ser “a mais alta do mundo” (uma grossa mentira), mas em estar, seguramente, entre as mais injustas do planeta. Os grandes grupos econômicos e os mais ricos usam seu poder político para criar leis que os isentam de impostos — despejados sobre as costas dos assalariados e da classe média. A mídia comercial esconde esta realidade, para que nada mude. No debate, organizado em conjunto pela Campanha TTF Brasil e Fundação Perseu Abramo, emergiram alguns fatos muito relevantes, porém pouquíssimo conhecidos.

> A carga tributária brasileira não é a “mais alta do mundo”, mas a 32ª (entre 178 países). O cálculo é de um estudo comparativo da Fundação Heritage, um thinktank norte-americano conservador — mas com algum compromisso com a realidade.
> A carga tributária subiu consideravelmente, de fato, entre 1991 e 2011. Passou de 27% do PIB para 35,1%. Porém, a parte deste aumento de arrecadação foi consumido no pagamento de juros pelo Estado — quase sempre, para grandes grupos econômicos. A taxa Selic subiu para até 40% ao ano nas duas crises cambiais que o país viveu sob o governo FHC. O aumento do gasto social (de 11,24% do PIB para 15,24%, no período), que ocorreu de fato, a partir de 2002, consumiu apenas parte do aumento da receita.
> O poder econômico usa uma série de expedientes para livrar-se de impostos. O principal é a estrutura tributária brasileira. Ela foi cuidadosamente construída para basear-se em impostos indiretos (os que incidem sobre preços de produtos e serviços) e reduzir ao máximo os impostos diretos. Há duas vantagens, para as elites, nesta escolha. a)Impostos indiretos são, por natureza, regressivos. A alíquota de ICMS que um bilionário paga sobre um tubo de pasta de dentes, uma geladeira ou a conta de luz é idêntica à de um favelado; b) Além disso, assalariados e classe média consomem quase tudo o que ganham — por isso, pagam impostos indiretos sobre toda sua renda. Já os endinheirados entesouram a maior parte de seus rendimentos, fugindo dos tributos pagos pelo conjunto da sociedade.
> Esta primeira distorção cria um cenário quase surreal de injustiça tributária. Um estudo do IPEA  revela que quanto mais alto está o contribuinte, na pirâmide de concentração de renda, menos ele compromete, de sua renda, com impostos. Por exemplo: os 10% mais pobres contribuem para o Tesouro com 32% de seus rendimentos; enquanto isso, os 10% mais ricos, contribuem com apenas 21%…
> Basear a estrutura tributária em tributos indiretos é uma particularidade brasileira, que atende aos interesses dos mais ricos. Aqui os Impostos sobre a Renda respondem por apenas 13,26% da carga tributária. Nos países capitalistas mais desenvolvidos, membros da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), os impostos diretos correspondem a 2/3 do total dos tributos.
> Além disso, e sempre em favor dos mais poderosos, o Brasil praticamente renuncia a arrecadar impostos sobre o patrimônio. Aqui, os tributos que incidem diretamente sobre a propriedade equivalem apenas a 1,31% do PIB. Este percentual chega a 10% no Canadá, 10,3% no Japão, 11,8% na Coreia do Sul e 12,5% nos Estados Unidos…
> Ainda mais privilegiados são setores específicos das elites. O Imposto Territorial Rural (ITR), que incide sobre a propriedade de terra, arrecada o equivalente a apenas 0,01% do PIB. A renúncia do Estado a receber tributos sobre os latifundiários provoca, todos os anos, perda de bilhões de reais — que poderiam assegurar, por exemplo, Saúde e Educação públicas de qualidade.
Nos últimos treze anos o Brasil viveu um processo real — embora ainda muito tímido — de redistribuição de renda. Entre 1991 e 2002, o Coeficiente de Gini caiu de 0,593 para 0,526, depois de décadas de elevação (segundo este cálculo, quanto mais alto o índice, que vai de 0 a 1, maior a desigualdade). Ainda é muito pouco: segundo cálculos do Banco Mundial, em 2013 o país era o 13º mais desigual do mundo. Para continuar reduzindo a desigualdade, uma Reforma Tributária é instrumento essencial. Não é por outro motivo que as elites insistem em manter este conservar este tema como tabu.

Blog Outras Palavras , ou

http://www.cartacapital.com.br/blogs/outras-palavras/um-mito-e-algumas-verdades-sobre-os-tributos-no-brasil-5576.html