Páginas

8.16.2014

A morte e seus significados simbólicos terrenos



Por Luís Pellegrini, editor da revista Oásis - espiritualidade
Na Grécia Antiga, cuja cultura deu origem a muito do que somos ou pretendemos ser em termos de seres pensantes, a morte sempre foi entendida e acatada como sinal de mutação, de mudança de ciclo pessoal, social ou histórico. Percebida – da mesma forma que o nascimento - como fenômeno natural inerente à própria dinâmica da existência, ela nunca foi vista como "fim", mas sim como ponte necessária para se alcançar um recomeço. Portanto, como um "meio". E para os gregos, inventores da filosofia ocidental, os meios sempre foram muito mais importantes do que os fins.
Como bem sabem os homens e mulheres sábios, sejam gregos antigos ou de qualquer outro tempo, inclusive nos dias de hoje, não há renascimento sem morte que o anteceda, seja ela real ou simbólica. Uma morte é sempre sinal de que um ciclo novo tem de acontecer, e toca a todos que a testemunham agir para que o ciclo novo aconteça.
Esta reflexão é importante e necessária, no momento em que todos nós, brasileiros, em determinados momentos da vida, nos defrontamos com a morte brusca ou natural.
Alguns comentários adjetivam o falecimento como "morte estúpida". Mas basta subir uma oitava na escala do pensamento para se perceber que nenhuma morte é estúpida. Toda morte encerra uma lição, uma mensagem, um significado que deve ser decifrado, se não quisermos – como tantas vezes já fizemos e continuamos a fazer - perder o cavalo sem rabo do ensinamento que a existência quer nos dar.
No caso do Brasil, para se chegar a tal leitura, convém começar pelo recurso à raiz, à própria origem e base da alma nacional: o sincretismo corporal, psíquico, mental e anímico que nos caracteriza. Este sincretismo, queiramos ou não, gostemos ou não, é europeu-africano-indígena. Nele pontifica o orixá Olodumarê, o senhor supremo do destino. Ao lado dele, atuando como seu fiel servidor, está o orixá Exu, seu mensageiro, o encarregado da execução na Terra, e entre os homens, dos desígnios de Olodumarê.
Exu, que a santa ignorância dos missionários cristãos identificou com o diabo (sic), nada mais é do que o braço regulador do destino. O princípio de poder que é ativado toda vez que a ordem natural das coisas é subvertida e quebrada, e que age – isento de qualquer consideração compassiva - para que essa ordem seja restabelecida.
O que provoca a ruptura da ordem natural das coisas? Em primeiro lugar a arrogância, a vaidade, o descomedimento, a perda da consciência de limites. Todos eles fatores perversos que o pensamento grego abrigava sob um mesmo denominativo: a hybris.
O mundo como um todo, vive hoje sob a égide da hybris. Não é por acaso falta de consciência de limites o que estamos fazendo ao dilapidar e poluir nossa própria casa, o planeta Terra? Não é descomedido o modelo de civilização que criamos, inteiramente assentado na escravidão da produtividade e do consumismo insustentáveis? Não será, por acaso, forrado de arrogância o mercado persa em que se tornou nosso mundo político, verdadeiro ringue de MMA vale tudo para o embate de todos os tipos de fisiologismos, de acordos e de alianças espúrias e pouco recomendáveis, praticados por legiões de pessoas transformadas em "peagadês" da Lei de Gérson?
Faz parte da ordem natural das coisas, no entanto, o fato de que carreira profissional é quase sinônimo de sacerdócio. Como um exemplo, se analisa a política. Na sua etimologia original, política significa: "Arte ou ciência da organização, direção e administração de nações ou Estados". Será possível conceber-se a prática dessa arte ou ciência de modo dissociado do conceito de Sacrum Officium, ofício sagrado, significando a submissão dos desejos do ego pessoal às necessidades do bem comum?
Quando, no mundo, outro exemplo de função sagrada - seja ela a do professor, a do médico, a do sacerdote, a do homem privado ou público – é vilipendiada e descaracterizada, isso configura ruptura da ordem natural das coisas. Isso ativa o poder de Exu. O princípio regenerador se manifesta, quase sempre de forma violenta e cega, desfazendo na sua fúria cega coisas, valores e pessoas que num instante estavam íntegras e no instante seguinte viraram pó. É este o momento em que, com frequência, os inocentes pagam pelos pecadores...
É o momento em que o inexorável Olodumarê, ao tirar de nós algum familiar, amigo, conhecido ou pessoa famosa e principalmente aquilo que ele representava, talvez esteja querendo nos dizer: "Ambições mundanas, impulsos competitivos, a ânsia de status, poder ou bens materiais, tudo tende a dissipar-se quando visto contra o pano de fundo da morte potencialmente iminente. É como escreveu Carlos Castaneda, ao descrever os ensinamentos do feiticeiro yaki Don Juan: "Uma quantidade imensa de mesquinhez é abandonada quando a tua morte te acena ou a entrevês num breve relance. (...) A morte é a única conselheira sábia que possuímos".
http://www.brasil247.com/pt/247/poder/150323/A-morte-de-Eduardo-Campos-%C3%A9-um-ponto-de-muta%C3%A7%C3%A3o.htm?acid=1422632&ls-acm0=10