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8.25.2023

Por que o inverno está tão quente ?

Em uma reflexão simples sobre a Terra, 2 fatores podem explicar a temperatura mais elevada

por Ana Mércia Brandão* na Revista Forum e Uol – Sociedade e Terra Geme sua Destruíção

 

 Inverno quente, foto no Pixabay

Uma onda de calor está se disseminando pelo país na última semana. As temperaturas são atípicas para esta época do ano, de inverno. Esse fenômeno dá sinais de que algo de ruim está acontecendo no planeta.         

Na cidade de São Paulo, a previsão é de que este seja o agosto mais quente em 60 anos e que, nesta quarta-feira (23/ago) seja registrada a temperatura mais alta de 2023: 34 ºC.

O calor não se restringe à capital paulista, se espalhando por outras regiões do país. De acordo com o meteorologista Mamed Melo, do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), Piauí, Maranhão, Tocantins, Bahia, Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, São Paulo e Rio de Janeiro são estados com risco de ultrapassarem 40 ºC de temperatura ao longo da semana

Para o centro-norte do país, as temperaturas acentuadas são comuns para a época do ano, apesar de, geralmente, serem mais vistas nos meses de setembro e outubro, quando já é primavera. No entanto, para as regiões sudeste e sul, as temperaturas elevadas são atípicas e, por isso, os especialistas buscam possíveis explicações para o fenômeno.

Por que um inverno tão quente?

Especialistas acreditam que a explicação para o aumento repentino de temperatura está principalmente na soma de dois efeitos: aquecimento global e fenômeno do El Niño

El Niño é caracterizado por um aquecimento acima do normal das águas do Oceano Pacífico equatorial, entre o Peru e a Indonésia. O aumento na temperatura das águas oceânicas interfere na circulação dos ventos sobre a atmosfera da América do Sul, causando alteração no caminho natural das frentes frias, que seriam responsáveis pelas quedas de temperatura durante o inverno.

Além do aquecimento promovido pelo El Niño, as temperaturas dos oceanos já estão mais quentes que é normal no planeta (fora do natural), por conta do aquecimento global. É o que o cientista Carlos Del Castillo, da Nasa, chamou de “febre dos oceanos”. A temperatura média diária global da superfície do mar chegou a 20,96ºC, a maior desde 2016, segundo levantamento da agência de mudanças climáticas Copernicus.

Os oceanos são fundamentais para regular o clima do planeta, interferindo nas massas de ar e nos padrões climáticos terrestres. Se a água dos oceanos está aquecendo, seus efeitos serão sentidos também em terra firme.

São alguns sinais do antropocentro, ou interferência destrutiva do ser humano do planeta, que direciona a natureza para um ponto sem retorno, como costumam explicar cientistas que estudam o clima e a sustentabilidade da Terra. Caso o homem não conscientize-se dos limites que a Terra pode suportar, fatalmente a natureza tem prazo de validade.

Sem a natureza o ser humano não consegue sobreviver.

*Ana Mércia Brandão, piauiense morando em São Paulo. Estagiária na Revista Fórum e estudante de Jornalismo na USP, faço parte da atual gestão da empresa

Publicado na Revista Forum: 23/8/2023

Fonte: https://revistaforum.com.br/brasil/2023/8/23/por-que-as-temperaturas-esto-atingindo-40-c-em-pleno-inverno-142818.html

 

8.16.2023

Petrobrás: explorar petróleo na foz do Amazonas é um grande risco ao bioma e comunidades locais

Em 2011, num alerta sobre os riscos da exploração na foz do Amazonas, uma sonda da Petrobras foi levada pela correnteza quando tentava achar petróleo a 110 quilômetros do litoral do Oiapoque. A estatal acabou abandonando o poço

Os cenários da modelagem, porém, ainda são considerados o maior obstáculo ao licenciamento da operação, bem como a repercussão nos países vizinhos. Basicamente, não há confiança nem sobre o caminho que uma mancha de óleo faria, nem se a Petrobras conseguiria controlá-la na área do bloco 59

Reportagem esmiúça o plano da Petrobrás para explorar a região equatorial do litoral brasileiro. Uma licença do Ibama basta para abrir esta “nova fronteira” petrolífera. Vazamento poderia causar uma catástrofe em toda a região, além do prejuízo e problemas quanto a sobrevivência dos indígenas na região, além de graves danos a natureza. Lula e Marina Silva podem barrar iniciativa perigosíssima...

por Claudia Antunes, no Sumaúma e Outras Palavras – Sociedade e Vida na Terra em Risco de Sobreviver


 Mapa da posição do bloco 59 da Petrobras. Infográfico: Rodolfo Almeida/SUMAÚMA

A margem equatorial do litoral brasileiro, que tem esse nome por sua localização na linha do Equador, é riquíssima em peixes, abriga 80% dos mangues do país e suas correntes e leitos, especialmente na bacia da foz do rio Amazonas, ainda são pouco estudados pela ciência. É nesse ambiente de extrema sensibilidade e incertezas sobre as consequências de um acidente ao serem perfurados poços de petróleo, que a Petrobras pretende perfurar um poço em busca do óleo cru, no chamado bloco 59, a 159 quilômetros da região do Oiapoque, no extremo norte da costa equatorial do Brasil. Por contrapor interesses dentro do próprio governo, o empreendimento da estatal testa de maneira única a força do compromisso ambiental do presidente Lula de Marina Silva, ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima e Ibama.

Os autos do processo no Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), examinados pelo site sumaúma, mostram que o licenciamento da operação está perto do ponto de não retorno. A Petrobras intensificou a pressão no governo Bolsonaro, ignorando um antecedente seu na foz do Amazonas, onde teve um navio-sonda arrastado ao tentar uma perfuração, há 11 anos. Uma licença do Ibama basta para que um empreendimento seja iniciado, mas ao mesmo tempo o instituto do meio ambiente tem poder limitado, já que examina estritamente o impacto direto de um projeto em sua área imediata, como se estivesse isolado do meio sócio-ambiental mais amplo. Com frequência, é necessária uma decisão de política ambiental do governo. É por isso que o projeto da Petrobras representa um desafio direto para o governo Lula e ministra do meio ambiente Marina, no momento em que prometem correr para salvar a floresta amazônica da própria degradação sem volta . Depois de o presidente se comprometer, desde antes da posse, a cumprir os compromissos que preveem a substituição dos combustíveis fósseis, para impedir que o aquecimento do planeta chegue a um nível catastrófico, muito antes do previsto por cientistas e fóruns sobre o meio ambiente.

Viabilidade de poços na foz do Amazonas depende de Avaliação Ambiental

Questionados pelo site sumaúma sobre o projeto de exploração de petróleo na foz do Amazonas, a Petrobras e o Ministério do Meio Ambiente enviaram, por meio de suas assessorias de imprensa, respostas que indicam a configuração de um embate entre os dois lados, em uma narrativa que envolve comunidades indígenas e tradicionais, empresas estrangeiras, Estado do Amapá e Governo Federal atual, com a divulgação polêmica na imprensa conservadora, progressista e popular.

A estatal diz que, sob a nova gestão do engenheiro Jean Paul Prates, atual presidente da Petrobrás, indicado por Lula e o PT, não pretende abrir mão de perfurar aquela área: “A exploração de novas reservas é essencial para a manutenção dos negócios em petróleo e gás, mesmo num panorama de transição energética, que naturalmente conduzirá à priorização de fontes de energia limpa. Essas atividades de exploração e produção são realizadas sob protocolos rigorosos de responsabilidade social e ambiental, em linha com o Planejamento Estratégico da companhia e submetido ao controle externo dos órgãos fiscalizadores”, afirma a estatal petroleira.

Já o ministério de Marina Silva, em resposta conjunta com o Ibama, destacou um trecho do último parecer técnico do instituto sobre o projeto, publicado em 31 de janeiro de 2023, no qual se afirma que “a ausência de avaliação ambiental estratégica, como a AAAS (sigla de Avaliação Ambiental de Área Sedimentar)  e de outros instrumentos de gestão ambiental, dificulta expressivamente a tomada de decisão a respeito da viabilidade ambiental da atividade, inserida em uma área de notória sensibilidade sócio-ambiental e de possível fronteira para a indústria do petróleo”. AAAS, é um instrumento criado em 2012 que permitiria justamente uma avaliação mais ampla dos biomas e comunidades de toda a região afetada pelo empreendimento petrolífero.

Petrobrás tem opção de investir em áreas seguras e não em áreas de elevado risco ambiental

Caso a Petrobras perfure o bloco 59, chegando a até estimados 2,8 quilômetros de profundidade, isso poderá representar a abertura de uma “nova fronteira” petrolífera pela estatal. A decisão de conceder ou não a licença, que potencialmente abriria uma enxurrada de autorizações em efeito cascata por empresas estrangeiras, está no centro do futuro da região, do destino da floresta e também o rumo da própria Petrobras: se continuará sendo uma companhia concentrada na exploração de petróleo para ganhos de curto prazo dos acionistas e do Tesouro Federal – o que um especialista que fez parte da equipe de transição do governo Lula chamou de “estratégia kamikaze” – ou se usará sua capacidade técnica para virar uma empresa de energia voltada para os combustíveis verdes, que vão predominar depois de 2030, como biomassa, hidrogênio verde e parques eólicos implantados no oceano Atlântico.

Suely Araújo, que presidiu o Ibama entre junho de 2016 e dezembro de 2018 e hoje é especialista em políticas públicas do Observatório do Clima, diz que qualquer vazamento de petróleo na foz do Amazonas causaria uma tragédia. “A Petrobras deveria usar as áreas que já estão abertas, e não ficar investindo em novas explorações em áreas ecologicamente frágeis”, afirma. “No governo Bolsonaro, tentaram licitar perto de Abrolhos, do lado de Fernando de Noronha e no Atol das Rocas, porém o Ibama não liberou tais prospecções. A foz do Amazonas é uma região não estudada, ninguém sabe na verdade o que tem ali de bio-diversidade, é única no mundo com essas características, com a quantidade de sedimentos que vêm do rio. O que tem lá de verdade? Tem somente indícios, mas não sabemos o que realmente existe lá.”


  Um derrame de óleo na região do bloco 59 colocaria em elevado risco sistemas naturais como os recifes amazônicos e os manguezais da Guiana Francesa e do Brasil. Foto: Elsa Palito/Greenpeace

Estudos da Petrobrás efetuados na foz do Amazonas são incompletos

Edmilson dos Santos Oliveira, do povo Karipuna, é coordenador do Conselho de Caciques dos Povos Indígenas do Oiapoque, que tem 67 integrantes. Ele, assim como outros parentes, pescadores, ambientalistas e procuradores que atuam no meio ambiente, sente angústia e insegurança pelo que pode acontecer com o Oiapoque, uma região de mangues e campos alagados que abriga três terras indígenas e dois parques nacionais de proteção ambiental.

“A projeção que foi feita pela Petrobras não mostra a mancha de óleo vindo para a terra indígena, só mostra indo para o lado francês. E isso é inacreditável, porque a gente sabe que, a partir do momento que a maré dobrar, a maré encher, essa corrente vai vir em direção aos rios e vai entrar. Para nós, a preocupação é muito grande, porque nossos rios são cheios de várzeas, muitos açaizais de onde a gente tira o sustento, muitos lagos. Caso aconteça um acidente, a gente vai perder muita coisa”, diz ele. “Tudo isso é nossa vida. Sem o rio, a gente não existe.”

Edmilson se refere a um dos itens mais controvertidos do processo de licenciamento ambiental em curso no Ibama: os cenários de um eventual derrame de petróleo apresentados pela Petrobras não preveem sua chegada à costa do Oiapoque. Eles se baseiam na força da corrente Norte do Brasil, que tende a levar o óleo derramado para o mar da Guiana Francesa, do Suriname e da Guiana, chegando até a ilhas do Caribe como Martinica, Trinidad e Tobago e Granada – uma possibilidade muito grave por si só.


 Cenários de dispersão de óleo, segundo a Petrobras. Infográfico: Rodolfo Almeida/SUMAÚMA

Embora reconheçam as premissas dessa hipótese, pessoas da região como Edmilson e o oceanógrafo Ricardo Motta Pires, chefe do Parque Nacional do Cabo Orange, que protege o ecossistema da foz do rio Oiapoque, têm muitas dúvidas, que se baseiam em sua experiência no terreno. “No Cabo Orange, a amplitude da maré é, em média, de 4 metros e meio. Tem uma ilha ao sul, Maracá-Jipioca, que também é uma área de proteção integral, em que a maré chega a 11 metros. No Sudeste, para comparação, é de cerca de 1 metro. É um terreno de lama mole, que vai acima do joelho. A vegetação é de siriúba, que respira por milhões de tubinhos que ficam na superfície. Se uma mancha chegar ao litoral na maré alta, ela vai entrar mais de 1 quilômetro dentro da costa. Quando assentar, será o fim do mangue. Não tem como limpar esses tubinhos, como recuperar nada”, diz Ricardo, que comanda o parque há 20 anos.

Ibama negou em 2020 nesse mesmo local (bloco 59), licenciamento ambiental a empresa britânica BP

Por causa dessa e de outras dúvidas, o licenciamento, iniciado pela companhia britânica BP, que até 2020 capitaneava a operação do bloco 59, se arrasta há nove anos. A Petrobras, que assumiu a operação em seguida, embora a BP continue como sócia, buscou apressar o processo no segundo semestre do ano passado (2022). Num assunto em que é inevitável trafegar por muitas siglas, neste exato momento o Ibama – responsável pelo licenciamento de todos os projetos petrolíferos na costa brasileira – está muito perto de marcar a data da chamada Avaliação Pré-Operacional (APO) do Plano de Emergência Individual (PEI) apresentado pela empresa, momento em que ela deve demonstrar sua capacidade de gerenciar acidentes. Se a simulação passar no teste, a aprovação do PEI será quase automática, abrindo caminho para a emissão da Licença de Operação. Recentemente, numa reunião entre os dois lados em 31 de janeiro, a Petrobras propôs marcar a APO para antes do Carnaval, mas o Ibama disse considerar o prazo “inviável”, uma vez que a proposta do PEI feita pela companhia ainda não foi aprovada.

A margem equatorial é dividida em cinco bacias, começando no Rio Grande do Norte e chegando à foz do Amazonas. Das cinco, só há exploração de petróleo no litoral do Rio Grande do Norte. Na foz do Amazonas, perfurações anteriores em águas mais rasas não encontraram petróleo. Em 2011, num alerta sobre os riscos da exploração na foz do Amazonas, uma sonda da Petrobras foi levada pela correnteza quando tentava achar petróleo a 110 quilômetros do litoral do Oiapoque. A estatal acabou abandonando o poço.

 Bacias da margem equatorial do Brasil. Infográfico: Rodolfo Almeida/SUMAÚMA

Em 2013, apenas dois anos depois do acidente, nove blocos na bacia da foz do Amazonas foram concedidos pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Bio-combustíveis (ANP). Até agora, nenhum obteve a Licença de Operação do Ibama. Em 2018, a empresa francesa Total se retirou da bacia, onde pleiteava fazer perfurações em blocos próximos ao bloco 59, depois de fracassar na obtenção da licença do Ibama, por ter sido incapaz de demonstrar que poderia conter um vazamento de petróleo numa área em que os ventos são sempre fortes e a corrente Norte é muito veloz. Na época, a Total estava sob grande pressão de grupos ambientalistas, além de enfrentar novas diretrizes da União Europeia para a redução do uso de combustíveis fósseis.

Foi também em 2018 que uma expedição do Greenpeace fez imagens inéditas do que cientistas chamam de “grande sistema de recifes amazônicos”. A cerca de 200 quilômetros da costa, a formação foi descrita pela primeira vez em detalhes em 2016. Tem bancos de esponjas e presença de corais de águas profundas, onde a “pluma do Amazonas”, como é chamada a área em formato de pena dos sedimentos lançados pelo rio, permite a chegada de luz. Com tamanho e estrutura que ainda são objeto de divergências na comunidade científica, esse sistema de recifes é outra grande preocupação de ambientalistas, que apontam a necessidade de mais estudos sobre a região.


 O grande sistema de recifes amazônicos. Infográfico: Rodolfo Almeida/SUMAÚMA

 

 

  Ouriços brancos e rodolitos (algas calcárias) encontrados no sistema de recifes amazônicos na costa do Amapá. Foto: Greenpeace

“A piscosidade da área se deve à combinação do estuário amazônico com o grande sistema de recifes amazônicos. A captura de carbono por esse eco-sistema ainda está no âmbito da fronteira acadêmica”, diz o biólogo Vinicius Nora, analista de conservação sênior do WWF-Brasil. “Com esse cenário de inúmeras lacunas do conhecimento, de inúmeros fatores de importância sócio-ambiental, podemos questionar se é o lugar para o avanço da fronteira de exploração do petróleo no final de sua era, como busca a Petrobrás.”

Planos futuros da Petrobrás na foz do Amazonas

No segundo semestre de 2022, quando apresentou seu plano estratégico para o período de 2023 a 2027, a Petrobras previu gastar na margem equatorial metade dos 6 bilhões de dólares (cerca de 30 bilhões de reais) destinados à descoberta de jazidas petrolíferas. A ideia exposta no plano era perfurar 16 poços na área, um número alto se comparado aos 24 previstos para a região já produtora do pré-sal.

O que motivou a cobiça pelo litoral norte do Brasil foi o caso da Guiana, país de 800 mil habitantes vizinho à Venezuela, onde grandes jazidas foram descobertas no mar pela americana ExxonMobil a partir de 2015. No Suriname, também foram encontradas reservas, mas não na escala guianense, e o início da exploração de petróleo no mar foi adiado para 2027. Já na Guiana Francesa houve uma sequência de perfurações fracassadas, e a Total suspendeu sua operação em 2019. O plano de des-carbonização da França baniu a exploração de combustíveis fósseis a partir de 2040 – o país já usa amplamente a energia nuclear, que tem suas próprias controvérsias.

Acidentes da Petrobrás na exploração de poços petrolíferos

À parte os cálculos financeiros e logísticos, a Petrobras costuma alegar que tem expertise na prevenção de desastres. Só que, quando se trata de petróleo, um único acidente traz consequências duradouras e causa a intoxicação de peixes, aves e plantas. Para citar apenas um exemplo, no ano 2000 o vazamento de 1,3 milhão de litros de um duto da Refinaria Duque de Caxias se espalhou por 40 quilômetros quadrados e contaminou todo o mangue do fundo da Baía de Guanabara. Apesar do mutirão para recuperar a área, quase 20 anos depois ainda havia depósitos de óleo na lama.

   Restos de foguete encontrados no Parque Nacional do Cabo Orange, na região do Oiapoque: indício de que corrente poderia trazer mancha de óleo para o Brasil. Foto: divulgação/ICMBio

Licença ambiental do Ibama a Petrobrás tem muita pressão de petrolíferas estrangeiras

No início de novembro de 2022, a Petrobras se mexeu para remover o que tem sido o principal obstáculo à obtenção da Licença de Operação do bloco 59: a previsão de cenários de dispersão do petróleo em caso de acidente. A “modelagem”, como esse estudo feito em computador que embasa o Plano de Emergência Individual é chamado no jargão técnico, foi entregue em 2015 ao Ibama ainda pela empresa britânica BP.

A modelagem da BP foi questionada pelo Ibama. Em vários documentos, o instituto afirma que, para traçar cenários mais precisos, seria necessário construir uma “base hidrodinâmica” que representasse melhor a dinâmica costeira da região, incluindo a possibilidade de que outras correntes que não a Norte carregassem resíduos de óleo para a costa do Amapá. Essa base até hoje não foi concluída.

Em março do ano passado, 28 organizações ambientais e indígenas entregaram uma representação às Procuradorias da República no Pará e no Amapá em que pediam a ação do Ministério Público em vários pontos do processo de licenciamento. No documento, elas mencionaram um trabalho de pesquisadores do Instituto de Estudos Costeiros da Universidade Federal do Pará (UFPA) que aponta cinco fragilidades na modelagem de 2015.

Entre outros pontos, o estudo afirma que a projeção usou cartas náuticas “defasadas” e que não detalhou as áreas não relevantes para a navegação. Diz ainda que não levou em consideração a complexidade da costa local, “que possui reentrâncias, estuários e manguezais com larguras que variam de 100 metros até poucos quilômetros”. E também que, nesse tipo de sistema, as correntes da maré que vão em direção à costa são mais eficientes para “empurrar” materiais do mar para o continente do que as correntes que vão da terra para o mar para levar materiais no sentido oposto.

O estudo da UFPA encontra eco na experiência de Ricardo Motta Pires, chefe do Parque Nacional do Cabo Orange. Ele conta que, em abril de 2014, sua equipe foi avisada de que haviam sido encontrados “restos de um avião” no mangue. Depois de uma busca de cinco horas apoiada por bombeiros, foram achados vários pedaços de um foguete que, mais tarde se confirmou, tinha sido lançado no mês anterior do Centro Espacial de Kourou, na Guiana Francesa, de onde é enviada ao espaço grande parte dos satélites europeus. Nesse tipo de lançamento, partes do veículo que leva o satélite para a órbita da Terra vão se soltando pelo caminho.

Segundo o próprio Ibama, o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), que administra o parque, consultou parceiros na Guiana Francesa que estimaram que os destroços do foguete haviam caído em uma área situada 350 quilômetros a leste do bloco 59, numa distância muito maior da costa do Oiapoque. “Se a gente supõe que essa parte caiu ali e chegou ao parque, é porque existe alguma corrente que traz para a costa. Normalmente era pra ir para Guiana e Suriname, boiando, só que deve existir alguma corrente que se forma e desforma, aparece só de vez em quando. Essa é a grande interrogação diante do que eles [da Petrobras] apresentam”, diz Ricardo.

Ele afirma que, em seu período à frente do parque, também já encontrou um barco da competição de remo entre Dacar, capital do Senegal, e Caiena, capital da Guiana Francesa, cujo ocupante passou mal e foi resgatado de helicóptero. Achou ainda boias de deriva lançadas no Maranhão para estudos científicos.

Apesar das dúvidas, os documentos do processo de licenciamento mostram que o Ibama concordou em não esperar pela construção da “base hidrodinâmica” para continuar com o processo de licenciamento. Numa reunião virtual em 15 de setembro de 2022, o representante da Petrobras já dava por acertado que não seria exigida a elaboração de uma modelagem totalmente nova para a eventual dispersão de óleo vazado do bloco 59. Prometeu, em vez disso, entregar um estudo complementar com informações mais atualizadas sobre aquela área marítima, antecipando que não haveria “grandes alterações” em relação ao documento apresentado pela britânica BP em 2015.

De fato, o estudo que a Petrobras chamou de “complementação da modelagem”, apresentado finalmente em 7 de novembro, afirma que “não houve alterações significativas” na análise dos riscos ambientais. O documento reitera que não haveria a chegada de óleo derramado à costa brasileira, embora admita que ele poderia alcançar o litoral de países vizinhos depois de 10 dias caso não houvesse uma ação rápida de contenção. “A Petrobras informa que os novos resultados da modelagem ratificaram o comportamento indicado no estudo anterior, ou seja, confirmaram a tendência de que a dispersão de um eventual derrame de óleo seguiria um fluxo para Noroeste (NO), influenciado pela corrente Norte do Brasil, consequentemente se afastando da costa brasileira, e fluiria em direção a águas internacionais, com tempos de toque em costa de países vizinhos ao Brasil superiores a 10 dias”, diz o documento, concluindo que as hipóteses do PEI, o Plano de Emergência Individual, “permanecem adequadas e não necessitam de ajustes técnicos”.

A “complementação da modelagem” recebeu, no dia 31 de janeiro de 2023, um parecer técnico do Ibama que cita inclusive o caso do foguete no Parque do Cabo Orange e levanta dúvidas a serem esclarecidas pela Petrobras. Diz, porém, que elas não são “neste momento impeditivo para a aprovação do novo estudo”. O parecer já se refere até ao processo de licenciamento de outros blocos, como o 57, vizinho ao 59, afirmando que eles deverão aguardar as atualizações de modelagem sugeridas pelo instituto, “principalmente por se tratar de uma área extremamente sensível, pouco conhecida e com grandes desafios de logística, tanto para situações de emergência como para as atividades rotineiras”. No futuro próximo, diz a análise do Ibama, a “base hidrodinâmica” para a margem equatorial estará pronta, “permitindo abrir caminho para mais melhorias”.

Suely Araújo lembra que, em 2018, o projeto da empresa francesa Total não recebeu licença porque, entre outros motivos, a empresa não conseguiu provar que impediria a chegada de óleo ao mar da Guiana Francesa. “Em menos de 6 horas, pelo que dizia o processo, o petróleo já estava fora das águas brasileiras. Você estaria liberando uma área que vai ter interface com outro país. Imagina na hora que vazar, como seria?”, questiona. No caso do bloco 59, a Petrobras calcula em 10 horas a chegada de óleo ao mar do território francês e diz que foram feitas reuniões no ano passado com representantes das duas Guianas e do Suriname. Ainda que a estatal não tenha relatado os acordos feitos nesses encontros, o Ibama considerou que a exigência de “comunicação com outros países” foi atendida.

 Licença ambiental gera muitas expectativas nas comunidades do Amapá

A elaboração do plano estratégico da Petrobras para este ano e os próximos coincidiu com a intensificação da presença da estatal na cidade de Oiapoque. Na reunião de 15 de setembro de 2022, a empresa apresentou um cronograma no qual esperava obter a Licença de Operação até novembro/2022. Em dezembro, enviou um navio-sonda à região, o ODN II, e chegou a anunciar à imprensa que a simulação de uma situação de emergência, a APO, seria realizada ainda naquele mês. Na época, Rafael Chaves, diretor de relações institucionais da Petrobras, declarou ao Diário do Amapá: “O diálogo com o Ibama é excelente. O próprio Ministério do Meio Ambiente também, todo mundo entende a importância disso para a região em termos de geração de emprego, geração de renda, mais investimentos”.

O protocolo do Ibama para o licenciamento, no que se refere à comunicação das companhias pleiteantes, diz que elas devem evitar gerar expectativas na população do lugar dos possíveis empreendimentos. Mas declarações como a de Chaves – que provavelmente deixará a diretoria com a nova gestão da estatal – explicam por que expectativas irrealistas brotam na região. Entre outubro e novembro de 2022, a empresa realizou “reuniões informativas” em 18 municípios do Amapá e do Pará. Duas delas foram mais amplas, uma no Oiapoque, onde planeja instalar a base aérea do projeto, e a outra em Belém, onde ficaria a base naval. Nas audiências, houve perguntas recorrentes sobre empregos, formação de pessoal local e pagamento de royalties.

Nessas reuniões, das quais participaram funcionários do Ibama, os porta-vozes da Petrobras foram mais contidos. Disseram que apenas na fase de produção, se for encontrado petróleo, será possível falar em royalties e capacitação de pessoal. Mas, acrescentaram, a reforma do aeródromo local, que começou a ser feita pela estatal, “ficará de legado” para o Oiapoque já nessa fase. O pequeno aeroporto, aliás, já provocou um impasse: o aterro sanitário da cidade está na rota das aeronaves que levariam a tripulação para o bloco 59, e a ideia original era removê-lo. Só que o local escolhido ficaria em frente a uma aldeia e próximo a igarapés, os “berçários de peixes”. A questão ainda não foi decidida.

“Para quem está na cidade, a chegada da Petrobrás cria uma expectativa muito grande, falam que vai trazer riqueza, melhoria, emprego. Tem muita gente se mobilizando, empresários se mobilizando”, conta o cacique Edmilson. “A gente fica malvisto e mal falado também, ‘porque o povo indígena é contra o progresso’. Mas a gente tenta de alguma forma esclarecer que o povo indígena não é contra o progresso. O que a gente quer é achar uma maneira de não correr risco em caso de acidente.”

Em relação às expectativas no Oiapoque, o mais recente relatório técnico do Ibama sobre o processo, de 31 de janeiro de 2023, faz considerações atípicas, interpretadas como um pedido de socorro à direção do Ministério do Meio Ambiente. O texto lamenta que as normas do processo de licenciamento ambiental não incluam avaliações obrigatórias da adequação de uma cadeia de produção do petróleo à região do empreendimento. O licenciamento “não é capaz de avaliar as transformações sócio-ambientais provocadas pelo desenvolvimento do conjunto de empreendimentos. Não é capaz de prever se o petróleo é uma adequada vocação econômica para a região, compatível com as demais vocações. Não é capaz, portanto, de responder a uma pergunta fundamental: determinada região tem aptidão para o desenvolvimento da exploração e produção de petróleo, considerando toda a cadeia envolvida? Em quais condições?”, diz o parecer.

Comunidades indígenas tem problemas com construção da estrada BR-156

Dos 28 mil habitantes de Oiapoque, cerca de 8 mil pertencem aos povos Karipuna, Palikur, Galibi Kali´nã e Galibi-Marworno. As três terras indígenas – Uaçá, Juminã e Galibi – correspondem a 23% do território do município. Muitas das 53 aldeias tiveram que mudar de lugar por causa da construção da BR-156, que liga Macapá a Oiapoque, uma distância de quase 600 quilômetros. Quatro grandes rios ditam a vida na região: além do Oiapoque, o Uaçá, o Urucauá e o Curipi. Em 2017, foi inaugurada uma ponte sobre o Oiapoque que liga o município à Guiana Francesa.

   Territórios potencialmente impactados pelo projeto de exploração. Infográfico: Rodolfo Almeida/SUMAÚMA

O cacique Edmilson mora no quilômetro 50 da BR-156 – sua aldeia foi uma das realocadas na construção da estrada. São 75 pessoas que vivem em casas de alvenaria, mas só têm eletricidade à noite, quando podem se comunicar pelo WhatsApp. O lugar é banhado por um braço do rio Curipi: há muito peixe, mas não se pesca nem se caça para comércio. “A gente janta aquele peixe do almoço ou pega mais”, conta Aniceia Forte, mulher de Edmilson. Se alguém mata uma paca, uma cotia ou uma anta, divide a carne com outras famílias. Só a roça pode ter o excedente vendido, e a atividade comercial mais comum é a produção de farinha. “A gente dorme à noite bem tranquilo mesmo, deixa a casa aberta de dia”, diz ela.

Por isso há preocupação com a chegada de gente de fora, não só funcionários da Petrobras, mas “outros que vêm se aventurando, para tentar uma vida melhor”, como diz Edmilson. Ao serem frustradas, as expectativas podem levar ao crime, como costuma acontecer em grandes empreendimentos. Eleita há dois anos, a primeira e única indígena dos 11 vereadores de Oiapoque, Lília Ramos Oliveira, a Lília Karipuna, conta que os indígenas se organizam em “mutirões de limpeza” das reservas para vigiar a pesca ilegal e a retirada de madeira. Lília, do partido Republicanos, diz que no ano passado, quando houve indícios de uma invasão de garimpeiros que tentavam aliciar pessoas das aldeias, as comunidades ativaram com sucesso a Polícia Federal e a Funai.

Indústria petrolífera representa uma ameaça ao meio ambiente e ao modo de vida de populações tradicionais do Oiapoque, no Amapá. Foto: Victor Moriyama/Greenpeace

Na licença ambiental, falta consultar comunidades locais previstas na Convenção 169 da OIT

A representação feita em março de 2022 pelas entidades ambientais e indígenas resultou numa “recomendação conjunta” enviada em setembro ao Ibama e à Petrobras por procuradores federais no Pará e no Amapá. No documento, três procuradores pediram a suspensão da Avaliação Pré-Operacional e também da Licença de Operação no bloco 59 enquanto não fosse apresentada uma nova modelagem de dispersão do óleo.

Os procuradores mencionaram também a necessidade de que seja feita “consulta prévia, livre, informada e com boa-fé aos povos indígenas e comunidades tradicionais interessadas”, na qual devem ser observados “os protocolos de consulta e consentimento elaborados pelas próprias comunidades impactadas”. Em 2019, os quatro povos do Oiapoque lançaram um protocolo para essas consultas, previstas na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), assinada pelo Brasil e incorporada à legislação nacional desde 2003.

Em sua resposta à recomendação, a Petrobras minimizou os impactos da primeira fase do empreendimento, dizendo que tudo que pretende é furar um poço para ver se encontra petróleo e avaliar se vale a pena explorá-lo, um processo que pode durar mais de uma década. Caso essa decisão seja tomada, disse a estatal, será necessário obter novas licenças de produção. É sabido, porém, que, uma vez concedida a licença para a prospecção, será muito difícil barrar a exploração.

Na resposta, a Petrobras afirmou também que não se previu a possibilidade de chegada de petróleo à costa brasileira porque as modelagens não fazem “simulações reversas”, isto é, não traçam cenários de ação com base em hipóteses não previstas pelas próprias modelagens. A respeito da consulta prévia, a Petrobras argumentou que ela era “uma etapa já superada”, uma vez que em 2016, quando a BP estava à frente do projeto, foram realizadas reuniões com as comunidades indígenas e quilombolas do Amapá e do Pará. “Algumas audiências públicas com a comunidade local não caracterizam consulta prévia, que é feita com cada comunidade específica”, alerta a procuradora Gabriela Tavares Câmara, uma das signatárias da recomendação do Ministério Público.

Embora prevista na legislação brasileira, a consulta prévia não é considerada um requisito para o licenciamento ambiental feito pelo Ibama. Para o Conselho de Caciques dos Povos Indígenas do Oiapoque, porém, é uma questão de direito e de honra. “Em qualquer empreendimento que passe ou seja desenvolvido próximo à terra indígena, a gente exige a consulta”, afirma o cacique Edmilson, que tratou do assunto numa reunião em 25 de janeiro de 2023, na sede da Funai em Macapá, com a ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara. “Eles alegam que agora é só um teste para ver se encontram, mas a gente se preocupa porque depois do teste não faz a consulta, toca pra frente e esquece”, acrescenta ele. O impasse será discutido em uma reunião marcada para 14 de fevereiro de 2023 entre os representantes indígenas e a Petrobras, depois que um encontro previsto para 6 de dezembro de 2022, teve que ser adiado por causa de um surto de covid-19 na Terra Indígena Uaçá.

  Imagem do navio-sonda ODN II, enviado pela Petrobras à região do Oiapoque para perfurar um poço em busca de petróleo. Foto: reprodução/Facebook (Ocyan)

Faltam várias etapas para que a licença ambiental do Ibama à Petrobrás seja aprovada

Depois da apresentação da “complementação da modelagem”, o passo seguinte da Petrobras, em 8 de dezembro de 2022, foi informar a incorporação de quatro navios fretados – C-Warrior, C-Viking, MS Virgie e Corcovado – na estrutura de resposta a acidentes. Uma quinta embarcação, a Mr. Sidney, já havia sido vistoriada pelo Ibama no Rio de Janeiro e considerada apta em 6 de dezembro 2022: 11 dias antes, ela havia sido reprovada numa primeira simulação de exercícios de contenção de óleo.

Os quatro novos navios foram vistoriados em meados de dezembro/2022 nos arredores de Belém. No dia 24 de janeiro de 2022, o Ibama entregou os relatórios das vistorias nos navios e na “base avançada de emergência” em Belém: todos foram considerados aptos para o Plano de Emergência Individual, mas a agência recomendou maior treinamento das tripulações, assim como a incorporação de equipamentos sobressalentes, pedindo que as pendências fossem sanadas “antes da eventual realização da Avaliação Pré-Operacional”. Ainda em janeiro, agências de noticiário econômico informaram que a estatal estaria gastando uma fortuna por dia, estimada em 5 milhões de reais, com o equipamento mobilizado na região: o navio-sonda, três helicópteros e os cinco navios do plano de emergência.

Nos últimos dias, a Petrobras tem informado à imprensa que a principal pendência para a emissão da Licença de Operação pelo Ibama é o licenciamento do Centro de Reabilitação de Despetrolização da Fauna, sediado em Belém, que deve ser feito pela Secretaria de Meio Ambiente do Pará – estado governado por Helder Barbalho (MDB), que preside o Consórcio Amazônia Legal e procura se projetar como ambientalmente responsável, buscando obter financiamento para combater o desmatamento e produzir energias verdes no estado. O centro seria inicialmente construído em parceria com a Universidade Federal Rural da Amazônia, mas a parceria não vingou e foi contratada uma empresa privada, a Mineral. A secretaria paraense informou que o pedido de licenciamento foi protocolado em 20 de outubro de 2022 e que a partir daí tem até seis meses para analisá-lo. Em 19 de janeiro de 2023, pediu à Petrobras informações complementares. O Ibama marcou uma vistoria ao centro em 14 de fevereiro de 2023.

Os cenários da modelagem, porém, ainda são considerados o maior obstáculo ao licenciamento da operação, bem como a repercussão nos países vizinhos. Basicamente, não há confiança nem sobre o caminho que uma mancha de óleo faria nem se a Petrobras conseguiria controlá-la na área do bloco 59. Em meio a qualquer decisão, existe a transição de governo: nos próximos dias, tomam posse o novo presidente do Ibama, o biólogo e deputado federal Rodrigo Agostinho (PSB), e em seguida o diretor de licenciamento que ele e a ministra Marina Silva nomearem. Dificilmente, acredita-se, um diretor interino tomará uma decisão tão delicada.

“Eu não sei se sobreviveria mais de um mês no Ibama dando não a tudo quanto é licença na foz do Amazonas, mas eu acho que seria minha tendência”, diz Suely Araújo, ex-presidente do órgão. “É uma região difícil, complicada, sensível ecologicamente, o que gera de renda para o local não justifica o impacto causado. É quase uma maldição porque depois acaba a exploração e volta tudo a ser como era. Você cria uma dependência que uma hora vai acabar, e a perspectiva é acabar logo. O Brasil quer ser o último grande vendedor de petróleo do mundo, quer ficar com a bucha na mão, quer ficar com o mico na mão?”

Publicado no Outras Palavras : 07/02/2023

Fonte: https://outraspalavras.net/?s=ibama+petrobr%C3%A1s+&cpts%5B%5D=post&cpts%5B%5D=outrasmidias&cpts%5B%5D=blog&cpts%5B%5D=outrasaude

8.10.2023

Cúpula dos Povos Indígenas fica isolada do Fórum Amazônia Real no Pará

Sem a presença das indígenas que atuam no Governo Federal e falta de apoio do governo, cerca de 800 indígenas se reuniram em Belém no sábado (5/ago/2023) para discutir o modelo de desenvolvimento que querem para a Amazônia e um futuro com terras demarcadas, longe do garimpo, da monocultura, das ferrovias, das hidrelétricas e dos grandes projetos

Documento da Cúpula dos Povos Indígenas, evento paralelo, foi entregue ao Forum Amazônia Real, promovido pelo Governo Federal, Estadual e Municipal, em Belém, no Pará

 O líder indígena, cacique Raoni Metuktire (centro), foi quem abriu a Cúpula dos Povos Indígenas . Foto: Cícero Pedrosa Neto/Amazônia Real

por Cícero Pedrosa Neto do Amazônia Real, no  – Sociedade e Luta dos Indígenas pela Sobrevivência da Terra

Belém (PA) O local onde a Cúpula dos Povos Indígenas ocorreu ficava em uma via pública, ladeada por arquibancadas de metal e alvenaria, no bairro da Pedreira. É lá que desfilam as tradicionais escolas de samba de Belém. As principais organizações indígenas até tentaram um espaço melhor, mas não receberam resposta dos organizadores do evento Diálogos Amazônicos, a cargo do governo federal, estadual e municipal. E foi assim que, no sábado (5/ago/2023), cerca de 800 indígenas da bacia amazônica se reuniram, longe dos holofotes e da megaestrutura montada para a Cúpula da Amazônia, que começou na quarta-feira.

É simbólico quando os principais detentores do conhecimento das florestas ficam de fora dos debates em torno da preservação da Amazônia. “Não fomos convidados, mas viemos para Belém, porque a nossa luta é feita de resistência”, protestou Toya Manchineri, coordenador geral da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), uma das organizações indígenas que idealizaram e realizaram a Cúpula dos Povos Indígenas. 

O encontro paralelo dos povos indígenas, que ocorreu no âmbito da Assembleia dos Povos Pela Terra, reuniu lideranças de todos os estados da Amazônia Legal e de alguns países da Pan-Amazônia. Eles exigem protagonismo nas decisões sobre o futuro dos seus territórios, da Humanidade frente às mudanças climáticas e do modelo de desenvolvimento possível para a região. 

Mas muitas delegações indígenas só puderam chegar à capital paraense graças à mobilização de organizações como a Coiab, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e a Federação dos Povos Indígenas do Pará (Fepipa). Os mais de 800 indígenas que acompanharam os eventos ao longo dos últimos dias estão, em sua maioria, acampados no Parque dos Igarapés, distante cerca de 14 quilômetros do Hangar, onde lideranças mundiais buscarão encontrar uma posição em comum nos debates climáticos da COP28, que ocorrerá em novembro e dezembro/2023, em Dubai, nos Emirados Árabes.

“Nós queremos ser escutados pelo governo e participar diretamente das decisões que incidem sobre nossos territórios. E a gente também quer incidir nas decisões do governo. Nós também temos voz e já passamos do período tenebroso do Bolsonaro”, acrescentou Toya Manchineri.

“Eu me preocupo muito com o formato em que está se dando essa construção com os povos indígenas separados do evento central, fazendo seu debate apenas entre nós mesmos. Nós já sabemos o que nos afeta e o que precisa se fazer para reverter isso, é o governo que não sabe”, comentou a ativista indígena Nice Tupinambá, presente na plateia da Cúpula dos Povos Indígenas.

Crédito de carbono e bio-economia para quem ?

O encontro histórico ocorrido na capital paraense foi aberto pelo líder indígena cacique Raoni Metuktire, do povo Kayapó, que lembrou da sua longa trajetória de luta pelos direitos dos povos indígenas. “Eu já estou cansado, mas me fortaleço vendo vocês aqui”, disse Raoni. Durante quase 10 horas, sob forte calor, em cadeiras plásticas, na Aldeia Cabana, lideranças indígenas abordaram justamente os temas que mais preocupam seus povos e que estão na pauta do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), entre eles a ferrovia Ferrogrão, a exploração de petróleo na Foz do rio Amazonas, o crédito de carbono e a bio-economia – defendidos como frentes viáveis ao desenvolvimento da região, apesar dos impactos e das controvérsias entre o governo, indígenas e órgãos ambientalistas.

Os temas prometem ser pontos-chaves das discussões na Cúpula da Amazônia, evento que sediou a  4ª Reunião de Presidentes dos Países da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica. “Estamos aqui para consolidar um documento que diga que tipo de desenvolvimento nós queremos para a Amazônia, de que forma ele tem que ser feito e respeitando os povos indígenas”, comentou Toya sobre o documento, fruto dos apontamentos feitos pelas lideranças indígenas, que será entregue ao presidente Lula e demais chefes de Estado que foram a Belém. 

Não se sabe ainda em que termos será este encontro e como o documento das Cúpula dos Povos Indígenas chegará nas mãos dos presidentes da Pan-Amazônia. Até agora, uma marcha está programada para sair em direção ao Hangar Centro de Convenções, no dia 8/ago/2023, que foi o primeiro dia da Cúpula da Amazônia.

O documento formalizado pelas organizações indígenas clama pela urgência da demarcação das terras indígenas pelo governo brasileiro e pela não aprovação do marco temporal, como forma de assegurar o bem-viver dos povos originários e a proteção dos biomas. 

Além disso, o documento contém o posicionamento dos povos indígenas da bacia amazônica sobre as políticas governamentais focadas na transição energética e na redução das emissões de carbono, estabelecendo de que maneira os indígenas pensam a bio-economia e de que forma o crédito de carbono ainda é um enclave do ponto de vista da justiça climática. 

Outro destaque dado pelos indígenas na assembleia foi a importância da consulta prévia livre e informada na mediação de qualquer empreendimento ou projeto que esteja relacionado aos territórios indígenas, conforme estabelece a Convenção 169 da Organização Mundial do Trabalho (OIT).

“Eles pensam que nós somos pobres, que vivemos na miséria e que estamos querendo os milhões de dólares do crédito de carbono. Nossa riqueza são os rios e as florestas, o resto é coisa de pariwat [homem branco em na língua Munduruku]”, afirma Alessandra Munduruku, que também é uma das principais vozes da atualidade quando o assunto é justiça climática e transição energética justa

“Não há futuro sem nós”, afirmou Txai Surí, jovem liderança Paiter Suruí

Txai Suruí, jovem liderança do povo Paiter Suruí, que ficou conhecida mundialmente após discursar em defesa da Amazônia e dos povos indígenas na COP26, em Glasgow, na Escócia, acompanhou a plenária indígena e não escondeu seu desapontamento. “O que eu estou vendo nesses eventos do governo é justamente o contrário daquilo que estamos construindo em termos de diálogo, porque os povos indígenas de fato não estão dentro das discussões. A prova disso é o isolamento (Cúpula dos Povos Indígenas) deste encontro que está acontecendo”, disse Txai em entrevista à Amazônia Real, se referindo à Cúpula dos Povos Indígenas. Recentemente, ela, a mãe, Neidinha Suruí, e o artista Mundano e mais cinco indígenas do povo Uru-Eu-Wau-Wau, foram vítimas de uma emboscada em uma estrada que dá acesso ao posto de vigilância da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), em Rondônia.

Mirando na COP30, maior evento mundial pelo clima que será realizada em Belém,  e avaliando o governo do Pará como um dos maiores da região amazônica, Txai destaca o mau exemplo dado pelo governador Helder Barbalho (MDB).  A jovem liderança disse não entender como o mesmo governador “quer abrir as portas do estado para uma série de empreendimentos destrutivos, como a Ferrogrão e outros, e ao mesmo tempo falar em proteger as florestas”. 

“Não há futuro sem nós povos indígenas, mas nós já sabemos disso. E sabemos que se os governantes continuarem tomando decisões sem nos escutar de verdade, não vai ter mudança de verdade”, afirma Txai, que coordena a Associação de Defesa Etnoambiental Kanindé, com sede em Porto Velho, Rondônia.

“O que é essa bio-economia, parentes?”, perguntou Mariazinha Baré, liderança indígena

Bio-economia tem sido apontado pelo governo Lula como uma solução para a região amazônica para a geração de renda e substituição de práticas destrutivas que impactam os biomas. No entanto, questionamento de indígenas, quilombolas, povos tradicionais e pesquisadores repousa no fato de que os danos são provenientes do agronegócio, do garimpo, da monocultura e da extração ilegal de madeira, atividades diretamente associada às queimadas, ao desmatamento, à contaminação dos rios e, consequentemente, às mudanças climáticas.

Longe de negarem a importância da bio-economia como ferramenta de transformação e uma guinada a um futuro mais integrado e em conexão com a natureza, o que as populações das florestas querem saber é de que forma o governo tem pensado a bio-economia e como eles participarão, efetivamente das discussões e tomadas de decisão. 

“O que é essa tal bio-economia, parentes ((outras(os) indígenas))”, questionou aos presentes Maria Cordeiro Baré, mais conhecida como Mariazinha Baré, liderança indígena do Amazonas na Aldeia Cabana. “O governo do Amazonas está construindo um plano de bio-economia sem a participação dos povos indígenas, sem a participação dos quilombolas, ribeirinhos e agricultores familiares”, denuncia Mariazinha sobre a falta de escuta dos povos no Plano de Bio-economia do Amazonas, liderado pelo governador Wilson Lima (União Brasil). 

“Esse é o grande problema dos governos e é o mesmo que estamos vendo aqui na construção da Cúpula da Amazônia, para a qual nós não fomos chamados. Mas nós estamos aqui porque sabemos da nossa importância para a Amazônia e para o mundo”, afirma a líder. Para Mariazinha Baré, um dos pontos mais importantes do documento da Cúpula dos Povos Indígenas que foi entregue ao presidente no dia 8/ago/2023 é o que fala da relação bio-economia e povos indígenas. 

“Qual a bio-economia que a gente quer e o que é bio-economia na nossa visão, nós povos indígenas? E será que os governos estão mesmo dispostos a pensar em uma economia de baixo impacto? Será que eles estão dispostos mesmo a passar por esse processo de transição econômica? Até que ponto eles estão mesmo dispostos a mudar esse cenário de uma economia que vai arrasando e matando os povos e as formas de vida na Amazônia”, resume.

A líder, fazendo coro com os demais membros da mesa que discutia o futuro dos povos indígenas na Amazônia e sob palavras de ordem que pediam o fim da tese do marco temporal, ressaltou a importância dos povos continuarem lutando pela demarcação dos territórios. “Está provado que nossos territórios são locais onde existe vida e onde a gente consegue manter a vida sem desmatamento e queimadas.”

Pessimismo de Alexandra, liderança indígena com o Governo Federal

 Alessandra Korap, líder indígena do povo Munduruku, e uma das principais vozes da Amazônia contra o garimpo e as hidrelétricas no Tapajós (Foto: Cícero Pedrosa Neto/Amazônia Real).

Alessandra Munduruku, cuja voz se opõe ao garimpo na região do Tapajós, se diz pessimista com relação às ações e aos discursos do governo sobre o combate às mudanças climáticas e a proteção da Amazônia. “A gente sabe que o mundo está de olho na Amazônia, todo o caos que está acontecendo com as mudanças climáticas tem envolvido a Amazônia. Mas se o governo negociar com mineradoras, hidrelétricas nos nossos rios, compensação de carbono nos nossos territórios e exploração de petróleo, para nós não vale nada o que eles estão dizendo.”

A liderança Munduruku questiona ainda a falta de posicionamento do governo federal em relação o marco temporal. Essa tese, que está sob análise tanto no Senado Federal quanto no Supremo Tribunal Federal (STF), condiciona o direito territorial dos povos indígenas apenas sobre os territórios ocupados antes de 1988, data da promulgação da Constituição Federal. Se aprovada, ela colocará em risco e vulnerabilidade centenas de famílias indígenas em todo o País.

Os indígenas cobram uma posição do governo federal a respeito dos grandes vetores que promovem as destruições nas Terras Indígenas, apontando para as indústrias de mineração e de produção de agrotóxicos, além dos impactos mortais causados pela contaminação por mercúrio causada pelo garimpo. “A gente quer saber o que o governo vai fazer com os projetos de lei que estão afetando nossa terra”, cobra Alessandra. Ela também questiona os “países desenvolvidos porque eles financiam a destruição da nossa terra e ao mesmo tempo falam em mudança climática, em preservar a Amazônia para as futuras gerações”.

O ceticismo de Alessandra foi um sentimento compartilhado nos mais de 50 depoimentos ouvidos na Cúpula dos Povos Indígenas, além das denúncias e cobranças. Uma delas era a ausência notável das lideranças indígenas agora com assento no governo federal, como Joênia Wapichana, presidente da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), e a Ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara. Joênia já estava em Belém durante o encontro das lideranças, mas participava de plenárias indígenas no evento oficial do governo, nos Diálogos Amazônicos. A ministra Sônia, por sua vez, só chegou em Belém no domingo (6/ago/2023).

  O líder indígena, cacique Raoni Metuktire durante a abertura dos Diálogos Amazônicos, evento que antecedeu a Cúpula da Amazônia, em Belém (Foto: Bruno Peres/ASCOM SG-PR/04/08/2023)

 Abertura dos Diálogos Amazônicos, evento realizado pelo Governo Federal e que antecedeu a Cúpula da Amazônia, em Belém com apresentação de danças e cantos indígenas (Foto: Bruno Peres/ASCOM SG-PR).


*Cícero Pedrosa Neto é repórter multimídia e colaborador da agência Amazônia Real desde 2018, atuando em temas relacionados ao meio-ambiente, impactos sócio-ambientais da mineração, populações quilombolas, populações indígenas e conflitos agrários. Em 2019 foi um dos jornalistas premiados com o 41º Prêmio Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos na categoria multimídia com a série “Sem Direitos: o rosto da exclusão social no Brasil”, um trabalho colaborativo entre mídias digitais independentes: #Colabora, Ponte Jornalismo e Amazônia Real. Foi bolsista do Rainforest Journalism Fund | Pulitzer Center em 2020. É fotógrafo, documentarista, roteirista, podcaster e mestre em sociologia e antropologia pela Universidade Federal do Pará. (pedrosaneto@amazoniareal.com.br)

Redação do GGN:  jornalggn@gmail.com

Publicado no site GGN: 7 de agosto de 2023

Fonte: https://jornalggn.com.br/questao-indigena/cupula-dos-povos-indigenas-fica-isolada-da-cupula-da-amazonia/