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9.10.2017

Brasileiros Esperançados e Desencantados



O crescente descrédito na política em geral e na boa política em particular: ‘todos os políticos são ladrões’, é a expressão que se ouve diariamente, ou ‘não vale mais a pena lutar ou perder tempo com a comunidade e o coletivo. Burro é quem ainda se preocupa com isso’, é a toada individualista

por Selvino Heck* para Sul 21 – Sociedade e Chamada aos Movimentos Sociais Brasileiros
Há uma crise profunda, que, como toda crise, traz riscos e oferece oportunidades.
Os riscos da conjuntura e do cotidiano são muitos e variados.
O mundo pode estar à beira da terceira guerra mundial, de consequências imprevisíveis: o sistema capitalista é dominado pela financeirização do capital e as lideranças mundiais, à exceção do Papa Francisco, estão dominadas pela irresponsabilidade e pela insensatez do poder e do dinheiro.
Um governo golpista cada mais envolvido em falcatruas e entreguista está levando o Brasil ao abismo: não há à vista nenhuma saída confortável no curto prazo.
A perda da esperança: o desencanto atinge parcelas consideráveis da população e mesmo da militância.
O desperdício de energias em questões secundárias: a crise leva a considerar o menos importante como principal e a perder-se no que não leva a lugar nenhum.
O crescente descrédito na política em geral e na boa política em particular: ‘todos os políticos são ladrões’, é a expressão que se ouve diariamente, ou ‘não vale mais a pena lutar ou perder tempo com a comunidade e o coletivo. Burro é quem ainda se preocupa com isso’, é a toada individualista.
O desemprego em alta: ‘Ninguém tem trabalho em 15,2 milhões de lares; a população sem trabalho superaria os 60 milhões’, é a manchete do jornal Valor Econômico de 29 de agosto;
A violência está presente em todos os lugares e a qualquer hora: ninguém sente-se seguro nas ruas ou nem mesmo dentro da sua casa.
A miséria mostra-se como ferida aberta nas ruas e nas praças, em rápido crescimento, em todas as cidades, pequenas, médias e grandes, sem exceção.
A perspectiva do caos econômico, político e social nos próximos anos está no horizonte: segundo muitos analistas, a continuar o quadro atual, especialmente no campo político, econômico e social, o estado de pré-caos tende a agravar-se rapidamente no Brasil, atingindo os mais pobres em primeiro lugar.
Os tempos, portanto, não estão pra peixe, como se diz no jargão popular. Mas como em toda crise, mais ou menos profunda, há também as oportunidades.
Aparece a possibilidade de propor horizontes, esperança: as pessoas, as comunidades, os movimentos e organizações sociais, as igrejas começam a se movimentar e debater alternativas e futuro.
Há novas práticas libertárias e libertadoras em diferentes espaços: na base popular e em diferentes setores sociais, surgem e estimulam-se novas formas de sociabilidade, novos jeitos de enfrentar os problemas do cotidiano, outros conceitos e formas de convivência e solidariedade.
Novos e diferentes atores apresentam-se na cena: a juventude ocupa escolas, as populações ameaçadas em seus direitos se organizam, os de baixo costuram outros sonhos e utopias, mesmo e apesar da dura realidade onde vivem.
E a cada dia apresentam-se urgências.
O pão, a palavra, o projeto: em primeiro lugar, é fundamental garantir o pão – educação, saúde, assistência social e tudo mais – na mesa de todas e todos. O pão precisa estar acompanhado da mensagem – a palavra que anima e provoca a ação. Pão e palavra exigem um projeto – uma nova sociedade, um novo homem e uma nova mulher, novas relações com todos os seres vivos, uma utopia concreta e viável.
O resgate da dignidade humana e a coesão social: quando os direitos estão ameaçados, especialmente dos mais pobres, é preciso gritar e agir em sua defesa, tal como o faz o Papa Francisco.
Ação política com ética e mística: todo agir político deve ter a ética como compromisso e estar amparado por uma mística de mudança.
A utopia: um outro mundo é possível, urgente e necessário, a ser construído nas ações do cotidiano, mas também na largueza do médio e longo prazo.
Uma nova síntese: todas as forças populares e libertárias estão chamadas a construir um programa e projeto comuns, tal como foi, nos anos 1980, o programa democrático-popular com horizonte socialista, e que unificou os atores sociais e políticos.
Os riscos de uma crise sempre podem ser enfrentados e superados, como aconteceu tantas vezes na história brasileira. Nada está perdido definitivamente. Sempre é possível aproveitar as oportunidades, com fé e coragem.
Selvino Heck*, deputado estadual constituinte do Rio Grande do Sul (1987-1990).