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7.31.2015

HSBC: evasão fiscal do SwissLeaks pode ser recuperada no Brasil

Segundo Hervé Falciani, a repatriação das somas devidas ao fisco só depende de vontade política. Ele está pronto a colaborar com o governo brasileiro.


Leneide Duarte-Plon, de Paris - Sociedade e Evasão Fiscal wikipedia
O primeiro-ministro grego, Alexis Tsipras, declarou como prioridade de seu governo o combate à fraude fiscal. Para lutar contra essa hemorragia de recursos públicos, a Justiça grega trabalha arduamente no sentido de repatriar em condições vantajosas várias dezenas de bilhões de euros que se encontram na Suíça e em outros paraísos fiscais.

O governo brasileiro tem todo interesse em fazer o mesmo e determinar através da Justiça o repatriamento do que foi sonegado ao fisco e se encontra no HSBC de Genebra. Revelada por um ex-empregado do banco, o franco-italiano Hervé Falciani, 42 anos, o SwissLeaks , « a fraude fiscal do século”, trouxe à tona uma realidade escondida mas conhecida de todos: a Suíça é o maior paraíso fiscal do planeta.

Em entrevista exclusiva que deu por skype e que assino na revista Carta Capital desta semana, ele se disse pronto a colaborar com as autoridades brasileiras. Para haver o retorno do imposto fraudado aos cofres públicos é preciso que cada país faça sua própria investigação. E para isso, há que haver vontade política.

Falciani forneceu em 2009 às autoridades francesas uma lista de 106 mil contas secretas no HSBC de Genebra pertencentes a cidadãos de diversos países. Conhecendo a fundo o funcionamento do sistema, ele trabalhou com a justiça francesa por vários anos em segredo até que o jornal Le Monde foi autorizado a ter acesso à lista e divulgou o SwissLeaks em fevereiro deste ano.

O jornal decidiu compartilhar o monumental volume de informação com o ICIJ (Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos) que reúne jornalistas de diversos países. O jornalista brasileiro que teve acesso à lista de mais de 8 mil brasileiros divulgou alguns deles, mas em vez de se interessar pelo problema de fundo, a imprensa brasileira se perdeu em pequenos detalhes.

Segundo Falciani, para evitar os casos particulares e as manipulações, é preciso ter coragem política e dizer : « Vamos enfrentar a raiz do problema », sem a preocupação de uma pessoa ou um grupo, sem se preocupar com o consórcio.

E a raiz do problema é o sistema financeiro.

“Se houver mais transparência, o Brasil terá mais investimento, mais benefícios para os brasileiros. Não é um problema de pessoas, elas são substituíveis. É um problema de mecanismos », diz o engenheiro informático, que se tornou próximo do Podemos, na Espanha, e do Syriza, na Grécia.

O segredo bancário favorece todo tipo de fraude, pensa Falciani. Ele se colocou à disposição do governo brasileiro para ajudar a decifrar as 8.667 contas de brasileiros protegidas pelo segredo bancário do maior sistema informático privado do mundo, que ajudou a montar. Algumas contas são em nome de pessoas físicas, outras escondem seus donos por trás de sociedades offshore.

Falciani frisa que a fraude fiscal só pode ser desvendada e parte dos impostos repatriada ao Brasil se houver vontade política da presidente Dilma Rousseff ou por decisão de justiça.

A Suíça, como os outros paraísos fiscais, guarda nas contas secretas o dinheiro ganho legalmente por empresários e até mesmo por banqueiros que não querem pagar parte de suas fortunas em impostos, caso de Emílio Botin, dono do Santander, que detinha uma conta secreta no HSBC. Mas além do dinheiro legal que foge ao fisco, as contas secretas abrigam comissões de vendas de armas, comissões recebidas por tráfico de influência política, além do dinheiro de mafiosos e traficantes de todo tipo.

Pedra de Roseta

Falciani é o que os franceses chamam de lanceur d’alerte (whistle blowers, em inglês). Sua causa é o direito dos cidadãos à informação sobre o que se passa no mundo opaco da finança. O New York Times comparou-o a Edward Snowden, o jovem funcionário da NSA (National Security Agence) que revelou ao mundo, em 2013, o escândalo da espionagem e das escutas ilegais de chefes de Estado, inclusive de Dilma Rousseff e de Angela Merkel, feitas pelos americanos.

Mas a apropriação de dados secretos do HSBC por Hervé Falciani não foi um ato isolado de um herói solitário. Em seu livro Séisme sur la planète finance-Au coeur du scandale HSBC, lançado recentemente em Paris, ele conta que a divulgação da lista com 106 mil contas foi um trabalho preparado por uma rede de pessoas que sempre o ajudaram. Essa rede decidiu revelar ao mundo a total impunidade que o segredo bancário favorece privando todos os países de impostos fundamentais no desenvolvimento e no funcionamento dos serviços públicos.

Especialista em informática, Falciani decifrou para as autoridades francesas o que chama de « Pedra de Roseta », o intricado sistema de códigos espalhado por filiais em diversos países do mundo que permitem a total opacidade do banco.

« Nas informações disponíveis, pode-se encontrar todo o contexto de uma conta. Pode-se descobrir quem são os laranjas, quem são os intermediários, os gerentes das contas », informa.

Cumplicidade na fraude

O banco HSBC já foi processado em diversos países como a França, a Argentina, a Itália e os Estados Unidos, que o responsabilizaram pela organização da monumental evasão fiscal de seus cidadãos. A justiça belga processou o banco por fraude fiscal organizada, lavagem de dinheiro, associação de malfeitores e intermediação financeira ilegal. A todos esses países, o banco pagou multas milionárias como os 50 milhões de euros que teve de pagar à França por « lavagem financeira de somas provenientes de fraude fiscal ».

Além disso, a justiça e a administração francesas, que começaram a trabalhar com a lista Falciani desde 2009, já conseguiram repatriar 400 milhões de euros das contas de cidadãos franceses. Em novembro de 2014, o governo argentino denunciou na Justiça o HSBC por ter ajudado mais de 4 mil cidadãos argentinos a fraudar o imposto.

Segundo Falciani, argentinos e brasileiros podem trabalhar em conjunto para recuperar o dinheiro devido ao fisco. Ele já colabora com os espanhois e também com os argentinos, além dos gregos.

« O responsável brasileiro da receita pode pedir a colaboração de seu colega argentino, Ricardo Echegaray, que investiga o caso. Eles podem começar um trabalho conjunto. Esse trabalho pode durar vários anos e levará a mudanças benéficas. Só precisa haver vontade política. »

As contas de brasileiros no HSBC devem ocultar mais de R$ 7 bilhões, segundo estimativa preliminar.

Em seu livro, Falciani assinala que o governo francês nunca aceitou comunicar todas as informações de que dispõe. Negou os dados à Itália, aos Estados Unidos e aos outros países que lhe solicitaram. A única exceção foi feita à Suíça, que beneficiou da total cooperação.
Créditos da foto: wikipedia
http://cartamaior.com.br/?/Editoria/Economia/HSBC-evasao-fiscal-do-SwissLeaks-pode-ser-recuperada/7/34103 

Europa: Testes fatais - Boaventura S. Santos

Sociedade e Contrôle Social 

A Europa transformou-se num laboratório do futuro. O que nele se experimenta deve causar preocupação a qualquer democrata e a qualquer pessoa de esquerda.

A Europa transformou-se num laboratório do futuro. O que nele se experimenta deve causar preocupação a qualquer democrata e, muito mais, a qualquer pessoa de esquerda. Duas experiências estão em curso em ambiente laboratorial, isto é, supostamente controlado. A primeira experiência é um teste de stress à democracia. A hipótese que orienta o teste é a seguinte: a deliberação democrática de um país forte pode sobrepor-se antidemocraticamente à deliberação democrática de um país fraco sem que tal altere a normalidade da vida política europeia. As condições para o êxito desta experiência são três: controlar a opinião pública de modo a que os interesses nacionais do país mais forte sejam convertidos no interesse comum da zona euro; dispor de um conjunto de instituições não eleitas (Eurogrupo, BCE, FMI, Comissão Europeia) capazes de neutralizar e punir qualquer deliberação democrática que desobedeça ao diktat do país dominante; demonizar o país mais fraco de modo a que não suscite nenhuma simpatia junto dos eleitores dos restantes países europeus, especialmente junto dos eleitores dos países candidatos a desobedecer. A Grécia é a cobaia desta tenebrosa experiência. Trata-se do segundo exercício de ocupação colonial do século XXI (o primeiro foi a Missão de Estabilização da ONU no Haiti a partir de 2004), um colonialismo de tipo novo, executado com o consentimento do país ocupado, ainda que sob inaudita chantagem. E, tal como o velho colonialismo, justificado como servindo o melhor interesse do país ocupado. A experiência está em curso e os resultados do teste de stress são incertos. Ao contrário dos laboratórios, as sociedades não são ambientes controlados, por maior que seja a pressão para os controlar. Uma coisa é certa, depois desta experiência, qualquer que seja o seu resultado, a Europa não será mais a Europa da paz, da coesão social e da democracia. Será o epicentro de um novo despotismo ocidental, rivalizando em crueldade com o despotismo oriental estudado por Karl Marx e Max Weber.
A segunda experiência em curso é um exercício sobre a solução final para a esquerda europeia. A hipótese que orienta esta experiência é a seguinte: não há lugar na Europa para a esquerda na medida em que esta reivindicar a existência de uma alternativa às políticas de austeridade impostas pelo país dominante. As condições para o êxito desta experiência são três. A primeira consiste em provocar a derrota preventiva dos partidos de esquerda punindo de maneira brutal o primeiro que tentar desobedecer. A segunda consiste em criar nos eleitores a ideia de que os partidos de esquerda não os representam. Até agora, a ideia de que "os representantes não nos representam" era uma bandeira do movimento dos indignados e do Occupy contra os partidos de direita e seus aliados. Depois de o Syriza ser forçado a beber o cálice da cicuta austeritária apesar do "não" do referendo grego que ele próprio apoiara, os eleitores serão levados a concluir que, afinal, também os partidos de esquerda não os representam. A terceira condição consiste em armadilhar a esquerda em falsas opções entre falsos Planos A e Planos B. Nos últimos anos, a esquerda dividiu-se entre os que pensam que é melhor permanecer no euro e os que pensam que é melhor sair do euro. Ilusão: nenhum país pode optar por sair ordenadamente do euro, mas, se desobedecer, será expulso e o caos desabará implacavelmente sobre ele. Passa-se o mesmo com a restruturação da dívida que até agora tanto dividiu a esquerda. Ilusão: a restruturação ocorrerá quando tal servir os interesses dos credores e é por isso que mais esta bandeira de alguma esquerda se transforma agora numa política do FMI.

Também os resultados desta experiência são incertos e pelas mesmas razões acima referidas. Uma coisa é certa: para sobreviver a esta experiência, a esquerda terá de se refundar para além do que é hoje imaginável. Tal envolverá muita coragem, muita audácia e muita criatividade.    
http://cartamaior.com.br/?/Coluna/Testes-fatais/34054

Exemplo internacional de inclusão social, Bolsa Família é apresentado na Suíça

Secretário de Renda de Cidadania do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome vai detalhar avanços do programa em reunião da OIT em Genebra.


Portal Brasil Divulgação/Governo do Paraná
Exemplo internacional de sucesso das políticas de combate à pobreza do Brasil, o programa Bolsa Família terá seus resultados apresentados nesta quinta-feira (30) em Genebra, na Suíça, durante encontro promovido pela Organização Internacional do Trabalho (OIT). Os avanços do programa serão detalhados pelo secretário nacional de Renda de Cidadania do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), Helmut Schwarzer.

“O Bolsa Família vai além da redução da pobreza monetária no curto prazo. O programa apresenta reconhecido impacto por meio das condicionalidades na área de saúde e educação”, afirma o secretário. Segundo Schwarzer, o programa de transferência de renda é citado em relatórios da agência da ONU como uma boa prática de inclusão social e redução das desigualdades.

“O piso de proteção social é um conceito que a OIT desenvolveu e o Bolsa Família foi um dos casos que serviu de inspiração para mostrar que é possível expandir sistemas de proteção social para a população mais pobre”, aponta o secretário.

 Os direitos das populações indígenas e tradicionais – o convênio 169 da OIT, ratificado pelo Brasil – também serão discutidos. “Para nós é interessante avaliar com técnicos da OIT de que forma esse convênio pode ser útil para aperfeiçoar o programa Bolsa Família na sua relação com esses povos”, afirma Schwarzer.
Créditos da foto: Divulgação/Governo do Paraná
http://cartamaior.com.br/?/Editoria/Politica/Exemplo-internacional-de-inclusao-social-Bolsa-Familia-e-apresentado-na-Suica/4/34122 

7.27.2015

A nossa salvação é o outro ou nós mesmos?

Descrença política e insegurança: vivemos uma crise de autogestão?

por Matheus Pichonelli - Sociedade, Tecnologia e Espiritualidade

Em plena era da livre informação, domesticamos desejos e terceirizamos escolhas. E se a consequência for o autoritarismo?
José Cruz / Agência Brasil
Marcha para Jesus Marcha para Jesus em Taguatinga

A velocidade do avanço tecnológico e o impacto da expansão da internet para a circulação de informações, desde o fim do século passado, prometiam sepultar as relações de poder constituídas num formato piramidal. Até então, quem detinha o monopólio do conhecimento tinha lugar reservado na ponta da pirâmide, de onde mantinha e lutava pela manutenção do prestígio e da influência - os pais, os chefes, os professores, os governantes, os líderes religiosos, etc.
Com as novas ferramentas de interação e buscas de informações, os referenciais familiares, religiosos e políticos pareciam fadados a um novo papel. Não deixariam de existir ou influenciar, mas precisariam suar mais. Ninguém, presumia-se, aceitaria como respostas “porque sim”, “porque Deus quis”, “porque o regulamento determina” quando tinha como contraponto um acervo de informações e debates que jogavam luz às formas mais naturalizadas de relacionamento.
O rompimento de fronteiras e expansão das formas de conhecimento, não mais trancafiadas no ambiente acadêmico, colocariam em xeque as próprias posições da pirâmide. Por exemplo: como um homem, portador das chaves do perdão e da reconciliação e que jamais casou pode dizer, em público ou na confissão, o que era melhor para o nosso casamento? Mais: por que só homens ocupavam estes púlpitos?
A expansão desses contrapontos de livre acesso exigiria, assim, a sofisticação de respostas, que já não caberiam nas caixinhas de “certo e errado” ou “porque eu quero” ou “obedece quem tem juízo”. O simples questionamento desta ordem, discutida em grupos reunidos pela facilidade das redes, era um bomba-relógio no mundo das cartilhas. “Se você fizer assim, vai acontecer assado”; “se não fizer, vai apodrecer no inferno ou na terra”. A nova pergunta agora é: "quem disse?"
A decadência dessas cartilhas tinha um preço. Com elas, poderíamos até não ser felizes, mas sabíamos por quê – porque desobedecemos, porque pecamos, porque trabalhamos de menos, porque acreditamos pouco, porque demos cabo às nossas paixões mais condenáveis. Nas cartilhas das religiões, a possibilidade de reconciliação com uma ideia de paz e plenitude nos garantia sempre uma ideia de acolhimento se nos arrependêssemos de nossos desejos incompatíveis com os manuais - o que tem seu lado ótimo quando o manual prega, por exemplo, o respeito ao próximo.
A má notícia para quem passou a entender este manual como um instrumento de perpetuação do próprio sofrimento, até então associado ao desajuste em um mundo que nos pedia ordem e correção o tempo todo, e passou a contestar ideias relacionadas às contenções e convenções meramente sociais ("o sexo é o corte", relembrem), é que, a partir de então, nós, indivíduos com gosto, vontade e capacidade de decisão, passamos a ser responsáveis por nós mesmos.
Mas algo parece travar (ou atrasar) esta conversão aparentemente natural. À medida que se expande, a rede que leva a luz às nossas questões mais escondidas e inconfessáveis se coloca também a serviço da escuridão. Sofismas, boatos, ilações e cinismos passaram a pipocar em nossas caixas de mensagens, depois nas timelines, depois nos grupos de WhatsApp.
O caminho da informação era o mesmo da desinformação, e o acesso ao conhecimento passou a ser um exercício constante de filtro, contextualização e organização do pensamento. Isso não acontece de uma hora para outra. Nesse intervalo, as forças atingidas pela expansão do conhecimento passaram a reagir como sempre reagiram: na base do medo, das ameaças, da chantagem.
Não é por outro motivo, por exemplo, que prepostos do obscurantismo, como Silas Malafaia, sejam também fenômenos da internet.
Eles surfam numa crise de valores que detonou as noções de certo e errado, puro e impuro, sagrado e profano e estabeleceu a diversidade e suas possibilidades como marcas da contemporaneidade.
Mas essa crise inevitável alimenta outros tipos de sofrimentos, entre os quais o nosso dever de encontrar, por nós mesmos, os caminhos para a própria salvação por meio do autoconhecimento e dos destroços de nossas culpas e remorsos.
Ou seja: não somos responsáveis apenas pela nossa felicidade, mas pela nossa infelicidade também. Isso exige de nós o que a filósofa Viviane Mosé classifica como “capacidade de autogestão” para lidar com a dor e com uma condição inevitável da vida: morreremos. Pior: morreremos sem a menor garantia de que a felicidade seja outra coisa se não um intervalo entre uma dor e outra.
Se abdicamos desse papel, e tentamos adiar o confronto e a finitude com amortecedores para encarar a angústia e a dor (medicamentos, drogas legalizadas ou não, overdose de atividades alienantes e pouco reflexivas), é porque o processo de autodescoberta é, em si, doloroso. Ele nos leva a perceber que nem tudo faz sentido, nem tudo é recompensador, nem tudo tem começo, meio e fim. Como lidar com isso? Restabelecendo uma ordem anterior e voltando pra dentro da caixa, de onde teremos respostas pra tudo e poderemos terceirizar as nossas próprias escolhas.
Não estranha, portanto, que a igreja, com 53,5% das menções, seja hoje a instituição mais confiável dos brasileiros, segundo a pesquisa da Confederação Nacional de Transporte (CNT), em parceria com o instituto MDA divulgada na terça-feira 21. É ela, em suas mais variadas formas, que oferece um caminho às nossas inseguranças relacionadas ao mundo como caos.
Ela nos devolve o manual de conduta sem o qual nos confrontamos com nós mesmos. Restabelece os laços que acreditávamos perdidos, entre os quais as virtudes familiares, hoje, segundo um discurso comum, em perigo diante de tantas possibilidades de amar e ser amado. E, finalmente, terceiriza nossas escolhas e determina um caminho para a felicidade: se ela não foi atingida, não é porque ela inexiste, mas porque não acreditamos nem nos vigiamos o suficiente.
A religião no Brasil sempre teve papel fundamental na educação e na consolidação das nossas relações sociais e comunitárias. Mas a resiliência em renovar seus manuais num mundo plural e diversificado, e a aceitação dessa resistência na repetição quase violenta de um discurso contra a nossa vocação natural de buscar respostas e formas de vida mais libertárias fora da velha caixa, mostram o quanto estamos hoje dispostos a abrir mão de uma nova ideia de liberdade por uma velha ideia de ordem.
Pois, se não sabemos lidar com a desordem, melhor deixar a sua administração à vontade divina – inclusive a hora de nossa morte sem necessariamente entender o que nos leva a ela.
Isso talvez explique o desprezo de determinados líderes religiosos em relação qualquer princípio de direitos humanos: quando se tem em mãos os princípios divinos, pode-se tudo, inclusive abandonar os que não se encaixam em nossos discursos de salvação. O que, claro, vai de encontro a uma ideia fundamental de amor, acolhimento, compreensão e caridade espalhada pelos evangelhos, e confunde uma ideia de religiosidade e espiritualidade com manual para sobreviver na selva e minimizar nossas angústias, nossos maiores termômetro sobre o que está ou não bem em nossa vida.
Em pesquisa também recente, jovens entre 16 e 24 anos ouvidos pelo Datafolha diziam considerar mais importante as instituições familiares (99%) e religiosas (78%) do que sexo (67%) ou casamento (66%).
O recado parece claro. Num mundo caótico e apontado como perigoso, não estranha que as Forças Armadas, também relacionadas a uma ideia de ordem ou restabelecimento da ordem, seja a segunda instituição mais confiável do Brasil, com 15,5% das citações na pesquisa da CNT/MDA – o triplo da confiança da polícia, a parte visível, e mais passível ao escrutínio da opinião pública, da política de segurança. Nas duas instituições mais confiáveis do País, as relações de desejo e escolhas de seus integrantes são sempre condicionadas a uma voz de comando hierarquizada.
Na outra ponta, as instituições menos confiáveis são justamente as que têm por natureza o contraponto e o embate de ideias como princípio básico de operação: partidos políticos (0,1%), Congresso Nacional (0,8%), governo (1,1%) e imprensa (4,8%). Ou seja: quanto mais plural, fragmentada e exposta a contradições é a instituição, menos confiança ela inspira.
Não deverá causar espanto, portanto, se amanhã a nossa indisposição em lidar com nosso mal-estar autorizar a terceirização da gestão de nossos conflitos à brutalidade de quem prometa substituir nossas negociações, contrapontos e dúvidas por certezas absolutas que reordenem, pelo medo, partidos políticos, Congresso Nacional, governo e imprensa. Essas certezas absolutas, quando avançam em áreas onde o contraponto é fundamental (a política, o relacionamento e a escola, por exemplo), são sempre motivos de tensão. Elas reduzem a condição humana, seus desejos e contradições, a uma multidão de falas decoradas, amedrontadas e obedientes.
http://www.cartacapital.com.br/politica/descrenca-politica-apego-as-cartilhas-o-que-explica-nossa-crise-da-autogestao-7680.html

7.26.2015

Denunciante de Monaco do HSBC quer colaborar com o Brasil

Entrevista - Hervé Falciani - Sociedade e Bancos

por Leneide Duarte-Plon, de Paris

O responsável pela descoberta da "fraude fiscal do século” diz que ainda há segredos há ser revelados e fala em "financiamento de partidos"
Serio Perez/Latinstock

“Era minha responsabilidade”, responde. “Tinha a possibilidade de fazer e não via outros que a tivessem. Aliás, trabalho com quantos vão se unindo a essa aventura. Na união, o fardo é compartilhado, mais leve. Amanhã, se tiver a possibilidade de trabalhar com um organismo brasileiro, se pensar que esse trabalho pode ser determinante, eu me arriscarei a ser extraditado.”
“Trata-se de investigar o sistema financeiro dos paraísos fiscais – acrescenta –, o que pode ser útil ao Brasil. Esse trabalho há de ser desenvolvido tanto no plano administrativo quanto no judiciário. Mas deve haver vontade política, como na Argentina. Na Espanha, quando comecei a trabalhar com as autoridades judiciárias, foi contra a vontade do governo, mesmo assim o trabalho pôde ser feito.”
De origem italiana, Hervé Falciani nasceu em Mônaco. O principado foi o primeiro paraíso fiscal que conheceu de perto, pois seu pai era bancário. Em  seu livro Séisme sur la Planète Finance – Au cœur du scandale HSBC, recém-lançado em Paris e escrito com a colaboração do jornalista italiano Angelo Mincuzzi, Falciani conta como seu pai trabalhava noite e dia para contar o dinheiro dos ricos franceses que exportaram somas monumentais para Mônaco, em 1981. Temiam o governo do socialista François Mitterrand, recém-eleito presidente. Na época, o dinheiro ainda tinha uma existência material e era transportado em valises.
“O HSBC tem o maior sistema informático privado do mundo”, informa Falciani, um lanceur d’alerte (whistle blower, em inglês), não um delator. Basta ver a definição no dicionário. Sua causa é o direito dos cidadãos à informação sobre o que se passa no mundo opaco da finança. Com esse affaire já chamado de “fraude fiscal do século”, ele arriscou a vida pensando em mudar o sistema. Um herói do mundo moderno, o lanceur d’alerte é um cidadão engajado. Por isso, Falciani foi comparado pelo New York Times a Edward Snowden.
Depois de começar sua carreira profissional em Mônaco, Falciani tornou-se engenheiro informático do banco HSBC em Genebra. No dia a dia, participou do sofisticado sistema que se dedica a burlar todas as leis que os Estados aprovam para combater a fraude e a evasão de impostos. E, como responsável pelo sistema informático, acompanhou de perto os malabarismos do banco para dissimular em diversas sucursais do mundo as fortunas de clientes bilionários.
Até o dia em que resolveu decifrar a “Pedra de Roseta”, como ele chama o elaboradíssimo sistema dos “bancos privados”, que não funcionam como um banco comercial e lesam as economias de praticamente todos os países do mundo.
Segundo Falciani, o SwissLeaks ainda não revelou todos os segredos do HSBC. “O problema é que quem tem interesses nos paraísos fiscais não vai lutar contra a opacidade financeira. E o financiamento dos partidos políticos tem uma relação com os Estados onde o dinheiro está escondido. Por isso, poucos políticos tomam posição contra os paraísos fiscais”, explica, falando por Skype da Espanha, onde vive atualmente.
CartaCapital: Seu livro fala de uma “rede” que decidiu revelar a opacidade do sistema bancário suíço. Com que objetivo?
Hervé Falciani: Tudo começou ao verificar que os gerentes de conta, chamados a controlar os clientes pelos quais são responsáveis, não o fazem. Ciente disso, quando tive a possibilidade de provar e de compartilhar o que sei, pedi ajuda a quem podia colaborar. Começamos a estudar a chance de mostrar os problemas do HSBC de Genebra. Os próprios diretores do banco reconheceram algumas irregularidades.
CC : O que o senhor fez é ilegal para o Direito suíço, que protege o segredo bancário e sua opacidade…
HF: A rede é integrada por peritos em superar os diferentes obstáculos técnicos, recorri a eles quando estava no banco, pois não tinha acesso aos dados sensíveis. E também os obstáculos jurídicos, porque não há leis que permitam colaborar com outra Justiça além da suíça. A Promotoria de Genebra reconheceu não poder investigar casos de lavagem de dinheiro, seria muito dispendioso.
CC: Quem integra a rede?
HF: Os envolvidos vêm de vários países. A colaboração com as autoridades argentinas deu-se através de uma rede informal de cidadãos determinados e corajosos, prontos a convocar seus superiores para a tarefa de ir ao fundo da questão. No Brasil, espero haver quem queira colaborar com as autoridades brasileiras para ajudá-las a entender o mecanismo do banco.
CC: O trabalho da Receita francesa em relação às contas do HSBC está terminando?
HF: Não, tudo é muito complexo, há o contexto geopolítico. Não nos esqueçamos de que quem dirige as instituições europeias, atualmente, são Luxemburgo e Holanda. Em termos políticos, o que predomina é a união bancária que se sobrepõe a qualquer outra na Europa. Veja o que se passa com a Grécia. A América do Sul tem um papel autônomo, muito importante. Se Brasil e Argentina trabalhassem juntos nesse sentido, tudo seria mais fácil. O responsável brasileiro da Receita pode pedir a colaboração de seu colega argentino, Ricardo Echegaray, que já investiga o caso.
CC: As autoridades brasileiras já fizeram contato com o senhor pedindo sua colaboração no exame da lista?
HF: A mim, nunca. E também não tenho muitas oportunidades de falar a jornalistas brasileiros. A única certeza que tenho quanto ao Brasil é de que houve uma colaboração administrativa, o que quer dizer uma cooperação mínima.
CC: No Brasil, há quem entenda que o profissional brasileiro do Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação (Icij), encarregado de trabalhar com as listas no mundo todo, serve ao interesse dos patrões da mídia e, portanto, dos graúdos nativos listados.
HF: Toda polêmica pode ser útil para que o maior número de pessoas seja informado. Acho que tanto no Brasil quanto em outros países é difícil sensibilizar o cidadão.
CC: Segundo seu livro, parte das contas está em nome de sociedades offshore. Com sua expertise, o governo brasileiro poderia identificar a pessoa que se esconde nesse tipo de conta?
HF: Nas informações disponíveis, pode-se encontrar todo o contexto de uma conta. Pode-se descobrir quem são os laranjas, os intermediários, os gerentes das contas.
CC: Alguém que não conheça os programas e os códigos tem condições de chegar lá?
HF: Os que podem fazer isso não são os jornalistas, e sim os investigadores, da Justiça ou da administração estatal.
CC: É preciso decodificar as informações?
HF: Sim, e há diversas formas de fazê-lo. A França pode dar seu suporte, mas não parece querer. Já houve alguma recusa de cooperação da parte da França. A cooperação com a Argentina permitiria disponibilizar mais informações para a Justiça e para a administração brasileira.
CC: O senhor está colaborando com a Argentina?
HF: Claro, eles me solicitaram. Fui ouvido por uma delegação bicameral argentina no Senado francês no dia 18 de junho.
CC: O Parlamento brasileiro pode ajudar a investigação com a CPI do Senado instaurada para o caso HSBC?
HF: Claro, esse é um dos caminhos.
CC: O jornalista brasileiro Amaury Ribeiro Jr., que pertencia ao Consórcio Internacional, não teve acesso à sua lista. Solicitou-a a Marina Walker Guevara, vice-diretora do Consórcio. Ela lhe negou o acesso e ele deixou o consórcio.
HF: Repito, até mesmo as polêmicas podem chamar a atenção para o caso HSBC. As pessoas devem questionar. Mas é preciso uma ação administrativa. A mídia é que deveria sensibilizar a opinião pública, mas para o assunto. Prioritária é a ação governamental. Para tanto, é preciso ter coragem política para enfrentar a raiz do problema, sem a preocupação com a ressonância dos listados.
CC: O senhor estaria disposto a trabalhar com o governo e a Justiça brasileiros?
HF: Claro. A pior coisa é o silêncio que favorece o segredo, a corrupção e a opacidade. Estou disposto a assumir todos os riscos. Já corri o risco de ser extraditado da Espanha para poder trabalhar com o Ministério Público anticorrupção espanhol.
CC : E por que o senhor aceita correr todos esses riscos?
HF: Primeiramente, porque eu ocupava uma posição única para poder fazê-lo. Quando houver outras pessoas capazes de assumir, passo a responsabilidade. Aliás, já trabalho com outras pessoas que pouco a pouco se juntaram à aventura.
CC: Mas a anistia decretada na Espanha para os que fraudaram não invalidou o trabalho de vocês ?
HF: Ao contrário. Permitiu que todas as manobras políticas fossem conhecidas, que o assunto fosse valorizado para se fazer a mudança política necessária. Na Espanha, esse processo durou dois a três anos e pode ter um efeito positivo sobre as eleições do fim do ano. Também nesse país, tudo começou por causa de um promotor corajoso, disse “corro o risco juntamente com você”, e começou a investigar.
CC: Christine Lagarde era ministra da Economia quando o senhor começou a colaborar com as autoridades francesas. A “lista Lagarde”, da qual o senhor fala no seu livro, é a sua?
HF: Sim, com menos elementos.
CC: O senhor acredita que em países largamente expostos à corrupção, como o Brasil, esta possa ser investigada em profundidade?
HF: Isso está além da corrupção. Trata-se do controle da soberania de um Estado, da sua capacidade de cobrar impostos. Eu diria que em um país em que a corrupção existe, é o meio de facilitar certas transações impossíveis em outras circunstâncias. Vi isso em outros países, além da Argentina. Mas a evolução natural é no sentido da simplificação, no sentido da compreensão do que se deve evitar. Para simplificar o imposto, é preciso compreender os mecanismos que o tornam injusto.
CC: Qual seria o melhor resultado do affaire HSBC?
HF: O interesse maior é de que os cidadãos entendam o que se passa. Se os cidadãos compreendem que isso diz respeito a
suas vidas, que é um problema de sociedade, avançaremos no sentido de mais equidade, no sentido de melhorar a economia e não deixá-la nas mãos de predadores. Isso tem um interesse transcendente para a cidadania, pois representa milhares de bilhões de euros.
CC: O senhor tem os números da evasão?
HF: Somente na Europa, 1 trilhão de euros, conforme a estimativa da Comissão Europeia.
CC: Seu livro revela que o dono do banco Santander, Emilio Botín, falecido depois, estava na lista HSBC. Ele fez um acordo para pagar somente 10% dos impostos devidos, em uma fraude estimada em 2,8 bilhões, e não foi processado penalmente. Os grandes fraudadores do Fisco saem sempre ganhando?
HF: Hoje em dia, sim. Por isso lhe digo que a resposta tem de ser política.
CC: A Espanha rejeitou o pedido da Suíça de extraditar o senhor. Mas o mandado internacional de prisão feito pelos suíços continua em vigor. Em que condições o senhor aceitaria ir ao Brasil colaborar com as autoridades brasileiras?
HF: Bastaria ter uma autorização especial da Justiça. É preciso que se compreenda que um país pode decidir por razões de interesse nacional não extraditar alguém sem que isso passe pela Justiça. É o direito soberano de cada nação decidir se responde ou não à Interpol, que não está acima da soberania nacional.
CC: O senhor escreve no livro: “Um dia, altos funcionários franceses me disseram que, se a Índia obteve uma lista das contas do HSBC, foi porque ela era menos corrompida que a Rússia ou a China. Na realidade, foi porque o governo francês queria vender aviões de guerra aos indianos é que resolveu transmitir as informações. A mesma coisa para o Brasil, com quem o governo francês negociava alguns contratos de armamentos”. Um pouco depois: “O Brasil, contudo, não pediu oficialmente as informações. Ele as obteve de maneira discreta e ninguém soube como as coisas terminaram. Tudo se desenrolou no contexto de um acordo e os dados foram objeto de negociações”. E hoje, como estão essas relações?
HF: Penso que em termos de trocas o governo Sarkozy não foi tão eficaz como o atual governo. Depois que a Índia comprou aviões franceses, a colaboração em termos de luta contra a corrupção melhorou. Algumas semanas depois da compra, novas informações sobre o HSBC foram comunicadas pela França de maneira oficial. A informação é um elemento de negociações.
CC: Ninguém pode ver sua lista, nem mesmo com o compromisso de não publicá-la?
HF: Diversas ações são necessárias. O que o consórcio tem é uma pequena parte da lista, pequena parte das informações disponibilizadas para a Justiça. A primeira ação é da Justiça. E isso demanda tempo. O consórcio obteve a lista porque os autores do “ furo ”, os jornalistas do Le Monde, permitiram.
CC: O senhor escreve em seu livro que a lista desapareceu na Grécia, como em outros países onde uma investigação nunca foi feita. Mas no Le Monde de 9 de julho uma matéria dizia que o governo de Alexis Tsipras trabalha desde março em um projeto que visa repatriar em condições vantajosas dezenas de bilhões de euros de contas na Suíça, em Londres e em outras praças offshore. A Grécia trabalha com sua lista agora?
HF: Claro. Temos a prova de que foi necessária uma mudança de governo para que as coisas evoluíssem. No caso da opacidade financeira são os governos que devem agir. 
http://www.cartacapital.com.br/revista/860/falciani-de-prontidao-3792.html

O contrôle financeiro é da elite e o povo oh...oh...oh...

Jornalista Saul Leblon: Governo cortou direitos enquanto torrava R$ 85 bi em juros, brincando de ajuste fiscal

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O mercado fala mais alto. Literalmente e verdadeiramente. O Social é só um detalhe.

Repactuação do desenvolvimento ou crise permanente?
A genialidade neoliberal é vender como ciência uma geringonça ideológica em que o acelerador do ajuste aciona o freio da economia e faz a sociedade capotar.
por Saul Leblon, na Carta Maior

Sociedade Brasileira e Poder Financeiro

O derradeiro laço com a esperança hoje no Brasil passa pela constituição de uma frente nacional progressista e democrática, capaz de repactuar as bases do seu desenvolvimento.
A alternativa a isso, o arrocho neoliberal, aplicado nos últimos seis meses, resultou em esférico fracasso.
Não é uma crítica. São fatos.
Erroneamente abraçada pelo governo Dilma, que delegou a atual transição de ciclo econômico a um centurião dos mercados, a estratégia adotada acumulou um passivo digno da palavra desastre.
O ministro Joaquim Levy não apenas deixou de entregar o que prometeu, como aprofundou desequilíbrios existentes e criou outros novos.
A inflação não caiu, ao contrário.
De uma taxa de 6,4% em 2014, saltou para 8,9% em 12 meses até junho.
Uma taxa de juro sideral acionada para controla-la, fez explodir o serviço da dívida pública.
Em uma sociedade marcada pela postergação de programas urgentes, como a construção de creches e de casas populares, caso da terceira etapa do Minha Casa, Minha Vida, criou-se uma bolsa rentista equivalente a 7,5% do PIB em 12 meses, para pagar juros.
É transferência de renda direto na veia do mercado financeiro.
Só no primeiro trimestre, lembra o economista Amir Khair, enquanto o governo economizava R$ 18 bi em direitos trabalhistas e na previdência social para reforçar o superávit, ‘as despesas com juros atingiriam R$ 85 bilhões’.
São dezenas de Lava Jatos canalizadas gentilmente aos endinheirados brasileiros, fazendo a dívida bruta aumentar em R$ 227,8 bilhões, apenas no primeiro trimestre.
Pode piorar.
A taxa de juro real (acima da inflação) projetada para os próximos 12 meses é de explosivos 9%.
Nada se iguala a isso na face da terra.
Insista-se: não são os gastos com o funcionalismo, os programas sociais ou a execrável roubalheira da Lava Jato, mas o custo do dinheiro fixado pelo BC que está bombando o déficit público que se pretendia reduzir.
Hoje ele é de 6,4% do PIB.
Superior ao de 2014 (6,2%), utilizado então como argumento pela mídia & mercados para induzir a Presidenta reeleita a fazer o que, assustada, acabou concedendo: terceirizar o manejo da economia aos doutores em equilíbrio macroeconômico.
‘Para corrigir a desastrada gestão do ‘lulopopulismo’, bradavam os assertivos rapazes e moças da crônica financeira.
Passados seis meses de dura terapia, a credibilidade do lacto purga, e a de seu laboratorista, faz água por todos os lados.
É impossível ajustar contas públicas promovendo recessão, como manda o figurino neoliberal, pelo bom motivo de que a arrecadação pública se esvai com ela e o arrocho para compensar as perdas agrava a sua causa.
A genialidade neoliberal é vender como ciência uma geringonça ideológica em que o acelerador do ajuste aciona o freio de mão da economia e faz a sociedade capotar.
Para reordenar uma transição de ciclo de desenvolvimento, como é o caso, é necessário recorrer à negociação democrática capaz de organizar os mercados, sobretudo os mercados financeiros, e não entregar o destino a eles.
A redução da meta fiscal nesta quarta-feira dá a medida do rigor científico: o novo superávit previsto caiu de R$ 66 bi para pouco mais de R$ 8,5 bi. Com boas chances de chegar ao final do ano com um déficit de R$ 17 bi…
Fosse Mantega o jóquei desse cavalo de pau embriagado, as manchetes e o colunismo isento estariam convocando a ocupação do país pelas agências de risco.
Como o arquiteto da obra é um quadro de confiança das fileiras, as manchetes dissimulam a octanagem do tropeço.
‘Profundidade da crise surpreende’; preparava o campo o Estadão, na manchete de domingo.
‘Queda da receita impede superávit’, admitia o Valor da 4ª feira, abstendo-se da relação causal entre uma coisa e outra.
Os Marinhos, em campanha contra as ditas pedaladas fiscais, no O Globo desta 5ª feira, pasmem, até elogiaram a redução do superávit –‘dá credibilidade’.
Assim por diante.
A vertiginosa realidade é que o aperto no crédito e no investimento –com corte de gastos e elevação simultânea das taxas de juros, jogou a economia num buraco ainda mais fundo do que já se encontrava.
A recessão, segundo o consenso do mercado, vai derrubar em 2% o PIB este ano.
Se nada for feito, continuará a chutá-lo no chão em 2016.
Será inédito: desde os anos 30, o país não sofre dois anos seguidos de queda real do produto.
O que avança de fato –e nisso Levy foi bem sucedido em relação aos objetivos implícitos– é a contração do mercado de trabalho, que expeliu 111 mil empregos em junho.
Não só.
O salário já cresce abaixo da inflação em 12 meses (7,5% contra 8,7% do INPC até maio).
Significa que os ganhos obtidos na última década começam a ser tomados de volta pelo capital, com impactos sabidos na demanda e no comércio.
O pano de fundo de um comércio internacional em que as commodities se mantêm em plano inclinado, faz o resto.
Apesar desvalorização de 30% do Real em 12 meses (necessária, diga-se, para recuperar a competitividade da indústria aqui e no exterior) o reequilíbrio das contas externas está sendo puxado mais pela queda das importações –leia-se, pela recessão– do que pelo vigor dos embarques.
É a purga sem cura.
Ela replica em ponto pequeno o saco sem fundo de arrocho e crise de que tem sido vítima a sociedade grega há sete anos, por exemplo, sob os auspícios dos levys de lá (FMI, BCE e Bruxelas).
Mutatis mutandis, a sociedade se torna refém do mesmo desastre autopropelido que se instala como força de ocupação.
As premissas do ‘saneamento’ fiscal e financeiro são idênticas em todas as latitudes. Por isso as populações atingidas sofrem o efeito do mesmo fracasso. E, da mesma forma, veem-se diante do imperativo equivalente: assumir o comando do seu destino, ou sucumbir ao moedor de carne sem fim.
O arrocho na Grécia já devorou 25% do PIB; agravou a mortalidade infantil, dobrou as taxas de suicídios; jogou 25% dos assalariados no desemprego e 38% da população na pobreza; obrigou o país a privatizar boa parte do patrimônio –como Serra quer fazer agora com o pré-sal. Mesmo assim, a dívida pública saltou de 120% para 170% do PIB nos últimos anos.
Não por conta de gastos adicionais.
Foi a retração dramática do numerador, a bancarrota produtiva, que desorganizou de vez a sociedade, reduzida a um pasto de engorda de bancos e especuladores.
Lembra algo?
Projeções indicam que o destino reservado ao povo grego –a persistir o enjaulameto financeiro– é o de viver como refém dos credores até o final do século.
A vigilância prevista nas cláusulas do empréstimo recente, de 86 bi de euros, estende-se por 32 anos, dilatáveis por mais 20, com uma década de carência.
O Estado grego só poderá emitir dívida de forma soberana, depois de pagar 75% do débito. Corre o risco de ingressar no século XXII como protetorado de bancos e especuladores, que participaram ativamente na gênesis do desastre, durante a farra neoliberal no século XX.
O colapso da receita ortodoxa no Brasil permite rever pontos cardeais do governo Dilma, antes que um longo prazo semelhante se esboce por essas bandas.
Para tanto é preciso politizar os dados de uma equação que a lógica dos mercados se mostrou insuficiente para resolver.
Uma primeira pergunta de fundo se impõe:
‘Como pudemos regredir tanto em tão pouco tempo?’
Um bom começo é confronta-la com uma segunda indagação pertinente: ‘Como é que pudemos supor avançar, ou mesmo reter conquistas, sem providenciar a contrapartida de resistência democrática à ofensiva que viria –como de fato veio?’
A trinca aberta pela inexistência desse suporte, a negligência deliberada em construí-lo nas mais diversas instâncias – das organizações de base à quebra do monopólio das comunicações– redundou no divórcio explicitado agora no agravamento da crise.
O fosso é proporcional à virulência do que se busca descarregar nos ombros da sociedade para saciar os apetites dos interesses rentistas.
O déficit de democracia emerge assim como a mais importante variável de uma transição de ciclo histórico, que a malandragem neoliberal quer resumir a uma exclusiva conta de chegar fiscal.
Em que medida o fracasso rotundo favorece a retificação de curso?
Depende.
O país só reverterá a espiral conservadora se as fileiras progressistas forem capazes de superar sectarismos e hesitações para promover uma repactuação democrática do passo seguinte do desenvolvimento.
Em vez dos circuitos puros, uma negociação de linhas de passagem feita de metas, concessões, salvaguardas, ajustes e escalonamentos de ganhos e perdas entre diferentes setores.
Sem ilusões, porém.
É preciso juntar mais do que os iguais para compor a alavanca capaz de ultrapassar o arrocho embutido na atual correlação de forças.
Conquistar a credibilidade e o consentimento de amplas faixas da população –inclusive de setores da classe média e do empresariado produtivo—requer um programa de reerguimento econômico distinto da rudimentar receita que desabou.
Não há muito tempo a perder, porém.
As opções disponíveis são duas: repactuação democrática do desenvolvimento ou um novo estirão de impasse e ‘ajuste’.
Uma crise permanente à moda grega. Ou o desassombro de politizar as escolhas do desenvolvimento.
A ver.
http://www.viomundo.com.br/denuncias/saul-leblon-governo-cortou-direitos-enquanto-torrava-r-85-bi-em-juros.html

Artigo do Jornal Correio do Brasil mostra o bonus e o onus de trabalhadoras (es) domésticos (as)

Cartilha esclarece direitos e deveres de trabalhadores (as) domésticos (as)

domésticas
A Cartilha PEC das Domésticas irá esclarecer sobre os novos direitos e deveres dos empregados e empregadores domésticos
O Instituto Doméstica Legal lançou a Cartilha PEC das Domésticas para esclarecer sobre os novos direitos e deveres dos empregados e empregadores domésticos, após a publicação da Lei Complementar 150, de 1º de junho de 2015. A lei regulamentou a Emenda Constitucional 72, de 2 de abril de 2013 – resultado da aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) das Domésticas, que estabeleceu a igualdade de direitos entre os trabalhadores domésticos e os demais trabalhadores urbanos e rurais.
A cartilha apresenta os conceitos de empregado doméstico e diarista e traz informações sobre assinatura da Carteira de Trabalho, descontos e benefícios do trabalhador, custos e deveres do empregador, entre outros assuntos. O guia reúne também as leis que regulamentam o emprego doméstico.
A emenda constitucional foi promulgada em abril de 2013, mas muitos direitos reivindicados pelos empregados só foram regulamentados este ano, como o seguro-desemprego, o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), o adicional noturno e a indenização em caso de demissão sem justa causa. Alguns dos itens regulamentados tem até 120 dias para começarem a valer a partir da publicação da lei.
Segundo o presidente do Instituto Doméstica Legal, Mario Avelino, como é uma regulamentação nova, as pessoas ainda têm muitas dúvidas sobre as normas e os prazos de início da vigência. Ele disse que “a ficha vai cair a partir de outubro”, quando os empregadores, que hoje recolhem 12% para a Previdência Social sobre o salário do empregado, passarão a recolher 20% em tributos.
Entretanto, Avelino esclarece que muitas obrigações não financeiras já estão valendo, como o controle de ponto e os adicionais noturno e de viagem.
– A lei está justa, equilibrada e exequível. Ela é boa, vai ser benéfica e minimizar a situação de informalidade. E a cartilha foi criada para tirar as dúvidas e conscientizar os dois lados – disse.
A cartilha pode ser acessada aqui. Também é possível receber o material gratuitamente por e-mail, informando o endereço no site Doméstica Legal.
Mario Avelino diz ainda que muitos empregadores esperam pela criação do Programa de Recuperação Previdenciária dos Empregadores Domésticos (Redom), que também deverá ser lançado pelo governo federal até outubro. Antes da emenda, a legislação já obrigava empregadores a recolher a contribuição previdenciária dos empregados domésticos. O Redom permitirá a renegociação das dívidas relativas a essa contribuição com vencimentos até 30 de abril de 2013.
http://correiodobrasil.com.br/cartilha-esclarece-direitos-e-deveres-de-trabalhadores-domesticos/

Pobre país ... dos mestres das malandragens políticas ...

Eric Nepomuceno - Sociedade e Poder
Fonte: http://cartamaior.com.br/?/Editoria/Politica/Duvidas-dramaticas-mexerica-tangerina-ponca-Pobre-pais-/4/34073
(Veja artigo completo no site acima)
Marcos Oliveira/Agência Senado

Olhando o quadro que vivemos hoje no Congresso que tem como principal característica ser o de menor nível (ético, político, moral) desde a retomada da democracia, fica um tanto mais fácil traçar a analogia entre a tangerina e o cenário brasileiro.

Sim, sim, é desalentador. Mas como para mudar a realidade é preciso, acima de tudo e em primeiro lugar, enxergar de forma clara essa realidade, a única saída é ir em frente.

Há poucos dias, um artigo do respeitável veterano mestre Jânio de Freitas (respeitável muito mais por mestre que por veterano; afinal, sobram por aí veteranos que nem pela amplidão de sua trajetória merecem respeito algum) recordava algumas figuras que agora mesmo estão no centro das discussões: Eduardo Cunha, Renan Calheiros e Fernando Collor de Melo.

Cunha e Calheiros têm poder de fogo suficiente para continuar hostilizando o governo e chantagear, com a ameaça de paralisar o Congresso, qualquer passo destinado a sair do atual impasse em que nos encontramos.

São eles as figuras-chave de um Congresso onde, entre outras tantas aberrações, agora mesmo aparece um desmiolado propondo que se desenvolva alguma técnica que seja capaz de detectar, no feto abrigado no útero materno, tendências criminosas. E, quando isso ocorrer, que se determine que a mãe seja impedida de trazer semelhante criatura à luz. Ou seja, seria o aborto seletivo, a eugenia sonhada por Hitler aplicada de maneira irreversível.

Cunha e Calheiros são as figuras-chave que decidem se deve-se ou não dar continuidade de voo a bizarrices como as propostas pelo esbugalhado mental deputado Jair Bolsonaro, para não mencionar o vasto e inacreditável batalhão de pastores e bispos eletrônicos, inventores de seitas baseadas na ignorância e na miséria alheias e cujo objetivo único e essencial está em suas próprias algibeiras e alforjes.

Pois é: mexerica, mixirica, poncã, ponkan, não passam de variedades da mesma tangerina. Buscando-se a origem de Renans e Cunhas, chega-se à tangerina, chamada Fernando Collor de Melo. Um era o menino-prodígio preferido pelo apetite voraz de Paulo César Farias, o PCFarias eliminado por um tiro oportuno quando estava na cama ao lado de uma moça talvez não tão oportuna, mas que teve o mesmo final trágico e jamais esclarecido.

O outro era o braço direito (e a mão direita, e talvez até mesmo o bolso direito) de Collor de Melo. Soube romper no momento exato, algo típico dos vilões: quando a imagem do patrono começou a ruir.

Vale repetir: não passam, bem com seus congêneres menos visíveis, de variantes da mesma tangerina.

Uma coisa, porém, é especialmente intrigante: como essa variedade consegue sobreviver tanto tempo? Cunha, o de menor expressão, se fez forte usando os mesmos métodos de seus patronos. Calheiros, o de expressão maior, se fez fortíssimo da mesma forma, só que mais visível. Chegou a ser ministro da Justiça – da Justiça! – de Fernando Henrique Cardoso.

Quanto a Collor de Melo, é um fenômeno fenomenal. Em 2008, foi eleito para a Academia Alagoana de Letras, o que mostra a que ponto chegou o analfabetismo na terra do mestre soberano Graciliano Ramos.

No Senado, continua agindo como se ainda fosse aquele que alguma vez julgou ser, uma espécie de faraó de si mesmo.

No Rio de Janeiro, como na política nacional, o que chama a atenção é como se alastrou a oferta de mexericas. Ou mixiricas. Ou poncãs. Ou ponkans. No fundo, o que se alastra é o poder da tangerina.

Triste e ácido retrocesso. Azedas alianças.


Créditos da foto: Marcos Oliveira/Agência Senado

Jesus de Nazaré: pacifista moderado ou revolucionário fervoroso? Resenha sobre o livro: Zelota_a vida e a época de Jesus de Nazaré

Sociedade e Cristianismo

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Jesus expulsando os vendilhões (cambistas), episódio conhecido também como limpeza do Templo
Introdução da premiada obra Zelota: A Vida e a Época de Jesus de Nazaré, escrito pelo iraniano-americano Reza Aslan, procura recuperar os feitos políticos e religiosos do Jesus histórico na Palestina de 2.000 anos atrás. Aslan questiona a imagem de Jesus como um mestre espiritual pacífico, promovida pela Igreja, revelando seu lado militante radical.
É um milagre que saibamos alguma coisa sobre o homem chamado Jesus de Nazaré. O pregador itinerante, vagando de cidade em cidade clamando sobre o fim do mundo e sendo seguido por um bando de maltrapilhos, era uma visão comum no tempo de Jesus – tão comum, de fato, que havia se tornado uma espécie de caricatura entre a elite romana. Em uma passagem burlesca sobre uma dessas figuras, o filósofo grego Celso imagina um homem santo judeu perambulando pelos campos da Galileia, gritando para ninguém em particular: “Eu sou Deus, ou o servo de Deus, ou um espírito divino. Mas eu estou chegando, pois o mundo já está em vias de destruição. E em breve tu me verás chegando com o poder dos céus.”
O século I foi uma era de expectativa apocalíptica entre os judeus da Palestina, a designação romana para a vasta extensão de terra que abrange os atuais Estados de Israel/Palestina, bem como grande parte da Jordânia, Síria e Líbano. Inúmeros profetas, pregadores e messias caminhavam pela Terra Santa proclamando mensagens do iminente julgamento de Deus. Conhecemos pelo nome muitos desses chamados “falsos messias”. Alguns são até mesmo mencionados no Novo Testamento. O profeta Teudas, segundo o Livro de Atos, tinha quatrocentos discípulos antes de Roma o capturar e lhe cortar a cabeça. Uma figura carismática e misteriosa conhecida apenas como “o Egípcio” levantou um exército de seguidores no deserto, e quase todos foram massacrados pelas tropas romanas. Em IV a.C., ano em que a maioria dos estudiosos acredita que Jesus de Nazaré nasceu, um pobre pastor chamado Atronges colocou um diadema na cabeça e coroou-se “rei dos judeus”; ele e seus seguidores foram brutalmente mortos por uma legião de soldados. Outro aspirante messiânico, chamado simplesmente de “o Samaritano”, foi crucificado por Pôncio Pilatos, embora não tivesse levantado nenhum exército e de maneira alguma tivesse desafiado Roma – uma indicação de que as autoridades, sentindo a febre apocalíptica no ar, tinham se tornado extremamente sensíveis a qualquer sinal de sedição. Houve Ezequias, chefe dos bandidos, Simão da Pereia, Judas, o Galileu, seu neto Menahem, Simão, filho de Giora, e Simão, filho de Kochba – todos postulantes de ambições messiânicas e todos executados por Roma por isso. Acrescente-se a essa lista a seita dos essênios, da qual alguns membros viveram em reclusão no alto do planalto seco de Qumran, na costa noroeste do mar Morto; o partido revolucionário judeu do século I, conhecido como partido zelota, ou zelote,* que ajudou a lançar uma guerra sangrenta contra Roma; e os temíveis bandidos-assassinos a quem os romanos apelidaram de sicários (“homens dos punhais”), e a imagem que emerge da Palestina no século I é a de uma era imersa em energia messiânica.
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Livro que inspirou este artigo
É difícil enquadrar Jesus de Nazaré em qualquer um dos movimentos político-religiosos conhecidos de seu tempo. Ele era um homem de contradições profundas, um dia pregando uma mensagem de exclusão racial (“Eu fui enviado apenas às ovelhas perdidas de Israel”, Mateus 15:24), no outro, de benevolente universalismo (“Ide e fazei discípulos de todas as nações”, Mateus 28:19); às vezes clamando por paz incondicional (“Bem- aventurados os pacificadores, porque eles serão chamados filhos de Deus”, Mateus 5:9), às vezes promovendo violência e conflitos (“Se tu não tens uma espada, vai vender teu manto e compra uma”, Lucas 22:36).
O problema de situar o Jesus histórico é que, fora do Novo Testamento, não há quase nenhum vestígio do homem que iria alterar de modo permanente o curso da história humana. A referência não bíblica mais antiga e mais confiável de Jesus é do historiador judeu Flávio Josefo, do século I (morto em 100 d.C.). Em uma breve passagem na sua obra Antiguidades, Josefo escreve sobre um diabólico sumo sacerdote judeu chamado Ananus que, após a morte do governador romano Festo, condenou ilegalmente um certo “Tiago, irmão de Jesus, o que eles chamam de messias” a apedrejamento por transgressão da lei. A passagem continua relatando o que aconteceu com Ananus após o novo governador, Albino, finalmente chegar a Jerusalém.
Fugaz e indiferente como esta alusão pode ser (a frase “o que eles chamam de messias” é claramente destinada a expressar escárnio), ela, no entanto, contém um enorme significado para todos aqueles que procuram qualquer sinal do Jesus histórico. Em uma sociedade sem sobrenomes, um nome comum como Tiago exigia um apelativo específico – lugar de nascimento ou o nome do pai – para distingui-lo de todos os outros homens chamados Tiago perambulando pela Palestina (daí Jesus de Nazaré). Nesse caso, o apelativo de Tiago foi fornecido pela sua ligação fraternal com alguém que Josefo assume ser familiar à sua audiência. A passagem prova não apenas que “Jesus, o que eles chamam de messias” provavelmente existiu, mas que pelo ano de 94 d.C., quando a obra Antiguidadesfoi escrita, era amplamente reconhecido como o fundador de um movimento novo e duradouro.
É esse movimento, não o seu fundador, que recebe a atenção de historiadores do século II, como Tácito (morto em 118) e Plínio, o Jovem (morto em 113), que mencionam Jesus de Nazaré mas revelam pouco sobre ele além de sua prisão e execução – uma importante nota histórica, como veremos, mas que lança pouca luz sobre os detalhes da vida de Jesus. Somos, portanto, restritos às informações que possam ser obtidas a partir do Novo Testamento.
O primeiro testemunho escrito que temos sobre Jesus de Nazaré vem das epístolas de Paulo, um dos primeiros seguidores de Jesus, que morreu por volta de 66 d.C. (a primeira epístola de Paulo, 1 Tessalônicos, pode ser datada entre 48 e 50 d.C., cerca de duas décadas depois da morte de Jesus). O problema com Paulo, no entanto, é que ele exibe uma extraordinária falta de interesse pelo Jesus histórico. Apenas três cenas da vida de Jesus são mencionadas em suas epístolas: a Última Ceia (1 Coríntios 11:23-26), a crucificação (1 Coríntios 2:2), e, mais importante para Paulo, a ressurreição, sem a qual, segundo ele, “a nossa pregação é vazia e sua fé é em vão” (1 Coríntios 15:14). Paulo pode ser uma excelente fonte para os interessados na formação inicial do cristianismo, mas é um guia pobre para se descobrir o Jesus histórico.
Isso nos deixa com os evangelhos, que apresentam seu próprio conjunto de problemas. Primeiro de tudo, é preciso reconhecer que, com a possível exceção do evangelho de Lucas, nenhum dos evangelhos que temos foi escrito pela pessoa que o nomeia. Isso é verdade para a maioria dos livros do Novo Testamento. Tais obras, chamadas pseudoepigráficas – obras atribuídas a um autor específico, mas não escritas por ele -, eram extremamente comuns no mundo antigo e não devem ser, de forma alguma, consideradas falsificações. Nomear um livro em homenagem a alguém era uma forma padrão de refletir as crenças daquela pessoa ou representar sua escola de pensamento. Independentemente disso, os evangelhos não são, nem foram, jamais pensados para ser uma documentação histórica da vida de Jesus. Eles não são relatos de testemunhas oculares das palavras e atos de Jesus. Eles são testemunhos de fé compostos por comunidades de fé e escritos muitos anos depois dos acontecimentos que descrevem. Simplificando, os evangelhos nos dizem sobre Jesus, o Cristo, e não sobre Jesus, o homem.
A teoria mais aceita sobre a formação dos evangelhos, “A teoria das duas fontes”, sustenta que o testemunho de Marcos foi escrito algum tempo depois de 70 d.C., cerca de quatro décadas depois da morte de Jesus. Marcos tinha à disposição um conjunto de tradições orais e talvez um punhado de tradições escritas que haviam sido repassadas pelos primeiros seguidores de Jesus durante anos. Ao adicionar uma narrativa cronológica a este amontoado de tradições, Marcos criou um gênero literário totalmente novo chamado evangelho, palavra grega (evangelion) para “boa notícia”. Contudo, o evangelho de Marcos é, para muitos cristãos, curto e um tanto insatisfatório. Não há nenhuma narrativa da infância; Jesus simplesmente chega, um dia, às margens do rio Jordão para ser batizado por João Batista. Não há aparições da ressurreição. Jesus é crucificado. Seu corpo é colocado em um sepulcro. Poucos dias depois, o túmulo está vazio. Mesmo os primeiros cristãos ansiavam por mais informações em função da brusca narrativa de Marcos sobre a vida e o ministério de Jesus, por isso coube aos sucessores de Marcos – Mateus e Lucas – aperfeiçoar o texto original.
Duas décadas depois de Marcos, entre 90 e 100 d.C., os autores de Mateus e Lucas, trabalhando de forma independente um do outro e tomando o manuscrito de Marcos por modelo, atualizaram a história do evangelho, adicionando suas próprias e exclusivas tradições, incluindo duas narrativas da infância diferentes e conflitantes e uma série de histórias de ressurreição elaboradas para satisfazer seus leitores cristãos. Mateus e Lucas também se basearam no que deve ter sido uma coleção antiga e bastante difundida de ditos de Jesus que os estudiosos têm denominado Q (do alemão Quelle, ou “fonte”). Embora já não tenhamos nenhuma cópia física desse documento, podemos inferir seu conteúdo compilando versos que Mateus e Lucas têm em comum, mas que não aparecem em Marcos.
Juntos, esses três evangelhos, Marcos, Mateus e Lucas, tornaram-se conhecidos como os sinópticos (grego para “vistos juntos”), porque eles mais ou menos apresentam uma narrativa e uma cronologia iguais sobre a vida e o ministério de Jesus, que é muito em desacordo com o quarto evangelho, o de João, que foi provavelmente escrito logo após o fim do século I, entre 100 e 120 d.C.
Estes são, assim, os evangelhos canônicos. Mas eles não são os únicos evangelhos. Temos hoje acesso a uma biblioteca inteira de escrituras não canônicas, escritas principalmente nos séculos II e III, que fornecem uma perspectiva muito diferente sobre a vida de Jesus de Nazaré. Estas incluem o evangelho de Tomé, o evangelho de Filipe, o Livro Secreto de João, o evangelho de Maria Madalena e uma série de outros chamados “evangelhos gnósticos”, descobertos no alto Egito, perto da cidade de Nag Hammadi, em 945. Embora eles tenham sido deixados de fora do que se tornaria o Novo Testamento, esses livros são importantes na medida em que demonstram a dramática divergência de opinião que existia sobre quem era Jesus e o que Jesus significava, mesmo entre aqueles que andaram com ele, que compartilharam seu pão e comeram com ele, que ouviram suas palavras e oraram com ele.
No final, há apenas dois fatos históricos efetivos sobre Jesus de Nazaré nos quais podemos realmente confiar: o primeiro é que Jesus foi um judeu que liderou um movimento popular judaico na Palestina no início do século I d.C.; o segundo é que Roma o crucificou por isso. Por si sós, esses dois fatos não podem fornecer um retrato completo da vida de um homem que viveu há 2 mil anos. Mas quando combinados com tudo o que sabemos sobre a época tumultuada em que Jesus viveu – e graças aos romanos sabemos bastante -, esses dois fatos ajudam a pintar um retrato de Jesus de Nazaré que pode ter mais precisão histórica do que o pintado pelos evangelhos. Na verdade, o Jesus que emerge desse exercício histórico – um revolucionário fervoroso arrebatado, como todos os judeus da época o foram, pela agitação política e religiosa da Palestina do século I – tem pouca semelhança com a imagem do manso pastor cultivado pela comunidade cristã primitiva.
Considere o seguinte: a crucificação era uma punição que Roma reservava quase exclusivamente para o crime de sedição. A placa que os romanos colocaram acima da cabeça de Jesus enquanto ele se contorcia de dor – “Rei dos Judeus” – era chamada de titulus, e, apesar da percepção comum, não era para ser sarcástica. Todo criminoso que era pendurado em uma cruz recebia uma placa declarando o crime específico pelo qual estava sendo executado. O crime de Jesus, aos olhos de Roma, foi o de buscar o poder político de um rei (ou seja, traição), o mesmo crime pelo qual foram mortos quase todos os outros aspirantes messiânicos da época. E Jesus também não morreu sozinho. Os evangelhos afirmam que em ambos os lados de Jesus estavam pendurados homens que, em grego, eram chamados lestai, uma palavra muitas vezes traduzida como “ladrões”, mas que, na verdade, significa “bandidos” e era a designação romana mais comum para um insurreto ou rebelde.
Três rebeldes em uma colina coberta de cruzes, cada cruz com o corpo torturado e ensanguentado de um homem que ousou desafiar a vontade de Roma. Essa imagem por si só deveria lançar dúvidas sobre a interpretação dos evangelhos de Jesus como um homem de paz incondicional quase totalmente isolado das convulsões políticas de seu tempo. A ideia de que o líder de um movimento messiânico popular pedindo a imposição do “Reino de Deus” – um termo que teria sido entendido, tanto por judeus quanto por gentios, como implicando revolta contra Roma – pudesse ter permanecido sem envolvimento com o fervor revolucionário que atingiu quase todos os judeus na Judeia é simplesmente ridícula.
Por que os escritores dos evangelhos iriam tão longe para amainar o caráter revolucionário da mensagem e do movimento de Jesus? Para responder a essa pergunta, devemos primeiro reconhecer que quase toda história dos evangelhos escrita sobre a vida e a missão de Jesus de Nazaré foi composta após a rebelião judaica contra Roma, em 66 d.C. Naquele ano, um grupo de rebeldes judeus, estimulado por seu fervor por Deus, levou seus companheiros judeus à rebelião. Milagrosamente, os rebeldes conseguiram libertar a Terra Santa da ocupação romana. Durante quatro anos gloriosos, a cidade de Deus esteve de novo sob controle judaico. Então, em 70 d.C., os romanos voltaram. Depois de um breve cerco a Jerusalém, os soldados violaram as muralhas da cidade e desencadearam uma orgia de violência contra seus residentes. Eles massacraram todos em seu caminho, acumulando cadáveres sobre o Monte do Templo. Um rio de sangue corria pelas ruas de paralelepípedos. Quando o massacre foi completado, os soldados atearam fogo ao Templo de Deus. Os incêndios se espalharam para além do Monte do Templo, envolvendo os prados de Jerusalém, as terras cultivadas, as oliveiras. Tudo queimado. Tão completa foi a devastação praticada sobre a Cidade Santa que Josefo escreve que nada fora deixado que provasse que Jerusalém já tinha sido habitada. Dezenas de milhares de judeus foram massacrados. O resto foi levado acorrentado para fora da cidade.
O trauma espiritual enfrentado pelos judeus após esse evento catastrófico é difícil de imaginar. Exilados da terra a eles prometida por Deus, forçados a viver como párias entre os pagãos do Império Romano, os rabinos do século II gradual e deliberadamente divorciaram o judaísmo do nacionalismo messiânico radical que tinha iniciado a guerra malfadada com Roma. A Torá substituiu o Templo no centro da vida judaica, e surgiu o judaísmo rabínico.
Os cristãos também sentiram necessidade de se distanciarem do fervor revolucionário que levara ao saque de Jerusalém, não só porque isso permitia à Igreja primitiva afastar a ira de uma Roma profundamente vingativa, mas também porque, tendo a religião judaica se tornado pária, os romanos tinham se transformado no principal alvo de evangelismo da Igreja. Assim começou o longo processo de transformar Jesus de um nacionalista judeu revolucionário em um líder espiritual pacífico, sem nenhum interesse em qualquer assunto terreno. Esse era um Jesus que os romanos podiam aceitar, e de fato aceitaram três séculos mais tarde, quando o imperador romano Flávio Teodósio (morto em 395) fez do movimento do pregador judeu itinerante a religião oficial do Estado, e nascia
o que hoje reconhecemos como o cristianismo ortodoxo.
Este livro é uma tentativa de recuperar, tanto quanto possível, o Jesus da história, o Jesus antes do cristianismo: o revolucionário judeu politicamente consciente que, há 2 mil anos, atravessou o campo galileu reunindo seguidores para um movimento messiânico com o objetivo de estabelecer o Reino de Deus, mas cuja missão fracassou quando – depois de uma entrada provocadora em Jerusalém e um audacioso ataque ao Templo – ele foi preso e executado por Roma pelo crime de sedição. É também sobre como, após Jesus ter fracassado em estabelecer o Reino de Deus na terra, seus seguidores reinterpretaram não só a missão e a identidade de Jesus, mas também a própria natureza e definição do messias judeu.
Há aqueles que consideram essa tentativa perda de tempo, acreditando que o Jesus da história está irremediavelmente perdido e é impossível de ser recuperado. Longe vão os dias de glória da “busca pelo Jesus histórico”, quando os estudiosos proclamavam confiantes que as ferramentas científicas modernas e a pesquisa histórica nos permitiriam descobrir a verdadeira identidade de Jesus. O verdadeiro Jesus já não importa, argumentam esses estudiosos. Devemos concentrar-nos no único Jesus que é acessível para nós: Jesus, o Cristo.
De fato, escrever uma biografia de Jesus de Nazaré não é como escrever uma biografia de Napoleão Bonaparte. A tarefa é um pouco parecida com a montagem de um quebra-cabeça enorme, com apenas algumas das peças na mão; não se tem escolha senão a de preencher o resto do quebra-cabeça baseado na melhor das hipóteses, na mais bem-informada suposição de como a imagem completa deveria ser. O grande teólogo cristão Rudolf Bultmann gostava de dizer que a busca pelo Jesus histórico é, no fim das contas, uma busca interna. Os estudiosos tendem a ver o Jesus que eles querem ver. Muitas vezes eles veem a si próprios, seu próprio reflexo na imagem que construíram de Jesus.
Mesmo assim, essa melhor e mais bem-informada hipótese pode ser suficiente para, no mínimo, questionar nossas suposições mais básicas a respeito de Jesus de Nazaré. Se expusermos as reivindicações dos evangelhos ao calor de análise histórica, podemos limpar as escrituras de seus floreios literários e teológicos e forjar uma imagem muito mais precisa do Jesus histórico. De fato, se nos comprometermos a colocar Jesus firmemente dentro do contexto social, religioso e político da época em que ele viveu – uma época marcada por uma persistente revolta contra Roma que iria transformar para sempre a fé e a prática do judaísmo -, então, de certa forma, sua biografia se escreve por si própria.
O Jesus que é revelado nesse processo pode não ser o Jesus que esperamos, e ele certamente não será o Jesus que os cristãos mais modernos reconheceriam. Mas, no final, ele é o único Jesus que podemos acessar por meios históricos.
Todo o resto é uma questão de fé.
* Termo decorrente do grego Zelotes e cristalizado na maior parte das línguas neolatinas como zelota, ainda que seja comum a forma francesa zelote em português. Aqui, optamos por zelota, mais corrente e consolidado no ambiente religioso judaico- cristão e no mundo acadêmico. (N.T.)
http://www.outraspalavras.net/outroslivros/jesus-de-nazare-pacifista-moderado-ou-revolucionario-fervoroso/

Software livre: como migrar de soft's patenteados para formatos abertos?


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Vale substituir extensões patenteadas, como “docx”, “xls” e “mp3″ por alternativas livres. Você resiste a monopólios e garante uso pleno e longevidade de seus dados
Por André Solnik*, na coluna Código Aberto | Imagem: Paula Vio
por 
Domingão, família reunida, e você resolve resgatar das profundezas do seu HD aquela apresentação de slides com as melhores fotos dos anos 90. Ansiosos, todos se reúnem em volta da tevê. O show já vai começar! É só abrir o PowerPoint, selecionar o arquivo e… PAM!
Um alerta salta na tela: o formato do arquivo é muito antigo e já não é mais suportado pelo programa. Você fica com aquela cara de tacho e por um instante considera seriamente a hipótese de esganar o Bill Gates em praça pública. Salvo pelo gongo: o caçula da família chama a responsabilidade, baixa o LibreOffice e consegue ressuscitar os slides.**
A solução, nesse caso, está mais para uma gambiarra do que para qualquer outra coisa. Isso porque o formato ppt, utilizado como padrão até o PowerPoint 2003, assim como o doc e o xls, formatos do Word e do Excel respectivamente, são segredos muito bem guardados pela Microsoft: ninguém sabe exatamente como eles funcionam a não ser, é claro, a própria Microsoft.
Talvez você não se importe que uma apresentação de slides não abra exatamente do jeito que você a configurou anos antes. Uma foto descentralizada aqui, uma fonte errada acolá…e bola pra frente. Mas um órgão público, por exemplo, certamente quer ter a garantia de que os arquivos que guardam os balanços anuais, folhas de salários, contratos etc, irão permanecer intactos por tempo indeterminado.
Ora, se não é possível saber como o bendito formato funciona, a única alternativa é rezar para que o fabricante dê suporte ad eternum para os seus produtos e que nunca vá à falência. Ao utilizarmos formatos proprietários, muitas vezes não temos escolha e somos forçados a rodar um programa específico, provocando uma reação em cadeia: cada vez mais pessoas são obrigadas a obtê-lo para ler e editar os arquivos corretamente, favorecendo o crescimento e o fortalecimento de monopólios.
Afinal, quem controla nossos dados? Se um arquivo tiver um formato tal que só permita a utilização de um software específico e, além disso, não ofereça nenhuma garantia de compatibilidade futura, é evidente que ficamos totalmente à mercê do fabricante e, consequentemente, impossibilitados de controlá-los.
Agora imagine que esse mesmo arquivo tenha sido salvo em um formato cuja estrutura e modo de funcionamento são públicos e padronizados. Nesse caso, elimina-se a necessidade de ter que recorrer sempre ao mesmo programa: como a receita para implementar um formato aberto não é secreta, qualquer software, livre ou proprietário, pode adotá-lo. Garante-se, portanto, sua interoperabilidade. Também há bem menos problemas de compatibilidade, já que, mesmo considerando a hipótese de que em um futuro distante não exista mais nenhum software capaz de lidar com determinado formato, ainda é possível criar um.
Convencido da importância de se utilizar formatos abertos? Então mão na massa! Para salvar seus arquivos de texto, suas planilhas e apresentações, a melhor pedida é o formatoOpenDocument (ODF), padrão do LibreOffice, a suíte de escritório livre indicada no primeiro post desta série. O ODF foi formalizado por um comitê técnico composto por diversas organizações e homologado como um padrão internacional ISO desde 2006. No Brasil, o ODF também foi aprovado como norma ABNT. Graças a essa padronização, vários órgãos governamentais e grandes empresas pelo mundo adotaram o formato, garantindo sua longevidade.
O MP3 é um formato extremamente popular e pode ser executado em praticamente todos os softwares de áudio, inclusive os livres. No entanto, ainda que suas especificações sejam conhecidas, ele é protegido por patentes, o que pode dar uma baita dor de cabeça em quem quiser implementá-lo. Formatos abertos não combinam com barreiras técnicas nem legais, por isso aqui as patentes não têm vez.
Conhece o Ogg Vorbis? É um formato aberto, não proprietário, livre de royalties e patentes, e ainda tem qualidade superior ao concorrente! Diferentemente do Ogg Vorbis ou do MP3, oFLAC é capaz de comprimir um arquivo de áudio sem que isso signifique perda de informação. Ideal, por exemplo, para arquivar sua biblioteca de CDs no computador.
Formatos de vídeo envolvem vários componentes e, por essa razão, há diversas iniciativas relacionadas. Uma das mais relevantes é o projeto patrocinado pelo Google que desenvolve oWebM, um formato de vídeo otimizado para a web: alta performance em streaming e boa qualidade de reprodução mesmo em computadores antigos.
O PNG é um formato de compressão de imagem que preserva toda a informação do arquivo original e, assim como o WebM, também foi projetado para aplicações web. Se você trabalha com imagens vetoriais, descubra o SVG, formato padronizado pelo W3C (o consórcio que define as “regras” da web) e utilizado pelo GIMP e o Inkscape.
** Adaptação livre do relato do professor Alfredo Goldman, do IME-USP, que passou por situação semelhante ao tentar reciclar os slides de um curso dado por ele alguns anos atrás.
*André Solnik é estudante e ativista do movimento pelo software livre
http://outraspalavras.net/blog/2015/07/22/software-livre-por-que-usar-formatos-abertos/