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11.03.2016

Entrevista com Guilherme Boulos: Movimentos Sociais e Fracasso do PT





Por Alex Solnik, para site Brasil247 - Sociedade e Movimentos Sociais e Poder (fonte no final)

Guilherme Boulos é coordenador nacional do MTST. 
Foto: Guilherme Santos/Sul21
                       
O MTST irá às ruas se Lula for preso? “Uma prisão arbitrária do Lula não é um ataque apenas ao Lula. É uma declaração de guerra. Evidente que vai gerar reações”.

Brasil247 – A relação de vocês com a Dilma já era difícil. E agora, com Temer, vai existir alguma relação?
Boulos – O MTST sempre prezou por manter uma rigorosa autonomia política em relação aos governos. Nunca foi um movimento do PT. O MTST fez uma série de mobilizações de enfrentamento aos governos petistas quando a pauta do movimento não era atendida. Evidentemente que esse cenário, com a consumação do golpe institucional, você tem um governo que apresenta uma ofensiva maior aos trabalhadores e isso reforça a necessidade de luta social. A relação do MTST com os governos é uma relação de luta social. Evidentemente que o MTST negocia programas habitacionais, sua pauta específica, mas faz isso respaldado e rastreado na mobilização social.
Brasil247 – Se Lula for preso vocês vão pra rua?
Boulos – Uma prisão arbitrária do Lula não é um ataque apenas ao Lula. Alguns dias depois da condução coercitiva do Lula, em março, aconteceu um fenômeno, muito localizado, mas que me chamou atenção. Numa ocupação do MTST na Zona Sul de São Paulo, a polícia foi, fez uma abordagem, começou a agredir as pessoas e um dos policiais que estava comandando falou “vai lá, chama Lula agora”! Qual é o simbolismo disso? “Se nós estamos fazendo isso com o Lula, o que não vamos fazer com vocês”?! Fazem isso com um cara que foi tido em qualquer pesquisa como o melhor presidente da história do país, que saiu com uma popularidade incrível, ex-presidente da República duas vezes…então, uma prisão arbitrária do Lula significa um avanço no sentido dos ataques, na nossa opinião, ao movimento social, inclusive. Evidente que vai gerar reações.
Brasil247 – Você acha que a prisão dele seria uma espécie de declaração de guerra?
Boulos – Olha, são tantas as declarações de guerra… eu acho que essa é mais uma… a PEC 241 é uma declaração de guerra… a reforma da Previdência é uma declaração de guerra…os vários gestos de criminalização dos movimentos são declarações de guerra. Essa é mais uma.
Brasil247 – O que aconteceu com o PT? Por que o PT trilhou esse caminho que deu no que deu?
Boulos – Eu acho, Alexander, que foi uma escolha que foi sendo construída ao longo do tempo, não foi uma decisão numa encruzilhada. Ocorreram várias encruzilhadas nessa história. O PT nasce como uma inovação – partido vindo das lutas sociais – nasce a quente. Resultado das greves, das comunidades eclesiais de base, movimentos urbanos, movimentos rurais, esse caldo forma o PT. E, pouco a pouco, ao longo dos anos 90, o PT constrói o entendimento de que o centro da sua política e da sua estratégia é a disputa institucional, particularmente ganhar a presidência da República. Até aí eu não vejo que esse seja o grande problema. O problema é que isso foi dissociado das lutas e mobilizações. Se entendeu que era necessário, para ser aceito no jogo eleitoral, abrir mão de ferramentas mobilizatórias que eram a própria origem do PT. Era a sua substância, aquilo que ele tinha de mais poderoso.  Quando chega ao governo depois das eleições de 2002 já chega mediante essas escolhas, esses pactos. E a estratégia que estabelece a partir de 2003, 2004 é uma estratégia de tentar governar sem conflitos. Ao mesmo tempo que é verdade – e isso precisa ser reconhecido como mérito dos governos petistas – que houve aumento progressivo do salário mínimo, houve crédito popular, houve a formação de uma série de programas sociais importantes para o povo mais pobre, ou seja, que o andar de baixo ganhou, é também verdade que isso foi feito sem mexer com nenhum privilégio do andar de cima. Foi feito sem pautar as reformas estruturais e populares que seriam o centro dessa estratégia de esquerda: reforma tributária, reforma urbana, reforma agrária, o tema da dívida pública, democratização das comunicações, democratização do sistema político. A lógica da governabilidade junto aos setores conservadores que mantiveram o controle do Parlamento tão enraizados no estado brasileiro significou abrir mão de pontos fundamentais. Aí poderia se perguntar: mas poderia ser de outro jeito? Como poderia ter sido feito diferente? É evidente que é preciso construir condições de governabilidade, uma vez que se chega ao governo. Mas restringir essa governabilidade a aliança parlamentar com os partidos conservadores é você despotencializar o seu projeto político. Governabilidade também se constrói – e há várias experiências políticas que mostram isso – nas ruas, se constrói mobilizando, estimulando as forças sociais, inclusive a pressionar o Parlamento e construir um polo que dê condições ao governo de tomar medidas mais à esquerda. Foi uma sucessão de escolhas que levou à situação em que estamos hoje. E, de algum modo, o golpe representa a ruptura da própria burguesia, que não deixou de ganhar nesses governos, ao contrário, ganhou muito com esse pacto. Foi o momento em que a burguesia acredita que está forte o suficiente para não precisar mais da conciliação. E pode vir com um programa de espoliação mais radical…
Brasil247 – E ela também percebeu que o governo perdeu o apoio popular…
Boulos – Esse foi um ponto decisivo. Por isso que a política de ajuste fiscal executada pela Dilma após as eleições de 2014 tem uma responsabilidade importante no desfecho dessa situação. Porque quando ela ganha as eleições naquele segundo turno polarizado e muito mobilizado, inclusive, e no dia seguinte começa a aplicar o programa derrotado, faz um ajuste, por mais que seja um ajuste que perto do que está acontecendo agora é brincadeira de criança, mas esse ajuste fez com que a base popular que havia eleito ela e aquele programa e ainda confiava no PT como uma alternativa e que foi colocada na condição de ter que pagar a conta da crise, essa base, digamos, se distancia do governo, deixa de sustentá-lo e o governo fica numa situação flutuante, não tem mais sustentação social, ele cai para 10% de aprovação, de popularidade. Quando a burguesia vê isso eles falam “bom, é a hora”.
Brasil247 – Na periferia também há posições de esquerda e de direita ou são todos de esquerda?
Boulos – Claro que há posições. Agora, há na sociedade brasileira em geral uma tremenda despolitização. Claro que essa despolitização não é responsabilidade do PT, ela é secular. Agora, o PT teve uma oportunidade de envolver as periferias, as massas urbanas como atores sociais e não só como beneficiários. Teria possibilidade de trabalhar com essas pessoas como foi feito em outros lugares da América Latina para que, mobilizadas percebessem o processo como um avanço de direitos e não uma dádiva do estado. Ou, o que é pior, dentro do registro meritocrático. Esse enfrentamento ideológico político não foi feito. E aí é que vemos “prounistas” que apoiaram o impeachment e foram para avenida Paulista de verde e amarelo. Beneficiários de políticas de melhora social que não entenderam isso como parte da política de mudança. Periferias urbanas são complexas, você vai encontrar lá gente de esquerda, gente com pensamento de direita, você tem uma penetração fortíssima dos evangélicos, neo pentecostais…ainda há uma força muito grande da lógica clientelista, mas, de forma geral, hoje, na periferia predomina uma desilusão com a política. A crise de representatividade pega fundo. No sentido de não se perceber alternativa de mudanças. As pessoas votam, é evidente, votam dentro da perspectiva clientelista, mas a falta de esperança de que algo possa mudar através da política e, em especial, da política institucional é generalizada. Não à toa que nós nas últimas eleições tivemos um número de abstenção, de votos nulos e brancos crescente, bateu recordes históricos.
Brasil247 O que você prevê para os dois próximos anos?
Boulos – Olha, há poucas certezas sobre os dois próximos anos. Talvez uma das mais fortes delas é que será um período de instabilidade social no Brasil. Quando aplicaram um golpe parlamentar da maneira como fizeram, quando guela abaixo da sociedade brasileira impõem um programa que não foi eleito pelo povo, um programa de retrocessos, de regressão social, isso abriu a porteira da instabilidade social no Brasil. Essa ferida não se fecha do dia pra noite. Pode ter alguns momentos como esse em que a reação não é tão forte, a maior parte da sociedade ainda não entende o que está em jogo, demonstra uma certa apatia, mas vão haver momentos, seguramente, de maior enfrentamento. É inimaginável que haja os ataques da maneira que querem implementar e que isso se dê sem reação da sociedade. Os próximos anos vão ser anos de turbulência no Brasil. Agora, acho que precisa ser pontuado que a seletividade não começa com a Lava Jato e com Sergio Moro. Porque o estado brasileiro historicamente é seletivo contra os mais pobres. Garantias constitucionais na periferia nunca existiram. Habeas corpus? Julgamento? Periferia é porrada da polícia, é extermínio, é abuso das prisões preventivas, é forjar provas, forjar flagrantes. A ação da polícia na periferia é uma ação miliciana. Não tem lei. Eles fazem a lei. A polícia brasileira é uma das que mais mata no mundo. Só a polícia de São Paulo matou mais no último ano do que todas as polícias americanas juntas. E tem os autos de resistência. É extermínio. Juventude negra periférica é a que mais morre. Então, esse estado policial e seletivo que fica agora aos olhos do país na Lava Jato não é nenhuma novidade. Para a maior parte do povo brasileiro é regra há muito tempo.
A entrevista completa poderá ser vista no endereço eletrônico:
http://www.sul21.com.br/jornal/guilherme-boulos-prisao-de-lula-e-mais-uma-declaracao-de-guerra/