Páginas

11.17.2014

Campeão de cesáreas, Brasil quer resgatar parto normal


Dados mostram que 52% dos partos realizados no país são cesáreas, bem acima da média mundial (18%) e da recomendação da OMS, que é de apenas 15%.
  Deutsche Welle sociedade e saúde - 16/11/2014
Flickr / maturana
gravidez Cesáreas aumentam a necessidade de cuidados na UTI, o que mantém bebês longe das mães nos primeiros dias de vida
Há cinco meses Theo Henrique nasceu saudável, de parto normal, apesar de estar com o cordão umbilical enrolado no pescoço. "Desde o começo da gravidez eu queria o parto normal, pois achava mais seguro. Além disso, a recuperação é melhor e mais rápida, e para o bebê também é melhor, porque ele entra em trabalho de parto junto e sabe que está nascendo", explica Paola Ferrarezi, mãe de Theo Henrique.
O caso de Ferrarezi é uma exceção no Brasil, país com um dos maiores percentuais de operações cesarianas no mundo. Segundo dados oficiais, 52% dos partos no país são cesáreas. No setor privado a incidência é ainda maior: 88%.
De acordo com a médica Maria do Carmo Leal, pesquisadora da Escola Nacional de Saúde Pública da Fiocruz, é tradição da prática médica brasileira considerar a cesárea um parto sem risco e mais seguro. "Até as mulheres acreditam que o bebê sofre menos, quando na verdade é o contrário: a melhor maneira de nascer ainda é o parto normal", afirma.
Apesar de as cesarianas terem se tornado procedimentos cotidianos no Brasil, a Organização Mundial da Saúde (OMS) afirma que a melhor forma de nascer continua sendo o método natural, e recomenda que a taxa de cesáreas não exceda 15% dos nascimentos. A média mundial de nascimentos por cesarianas é de aproximadamente 18%.
Leal coordenou o estudo Nascer no Brasil e acrescenta que a cesárea é um procedimento cirúrgico com riscos tanto para mãe quanto para o bebê. Estudos indicam que as cesarianas aumentam o risco de hemorragia e infecções em mulheres, podendo levar à morte. Além disso, em gravidezes futuras, aumentam as chances de óbito fetal sem causa aparente e formação anormal da placenta.
Para o bebê, como muitas cesarianas são realizadas antes das 39 semanas recomendadas, cresce a necessidade de ajuda para respirar e também de cuidados na UTI, o que deixa a criança longe da mãe nos primeiros momentos de vida.
Para tentar mudar o cenário brasileiro e adequá-lo à recomendação internacional, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), o Ministério da Saúde, o Hospital Israelita Albert Einstein e a ONG americana Institute for Healthcare Improvement (IHI) assinaram, no final de outubro, um acordo de cooperação técnica para ampliar a realização de partos normais em hospitais privados. O projeto piloto terá duração de três anos e utilizará metodologia desenvolvida pelo IHI.
"Entre as ações destacam-se a assistência ao parto por equipes compostas de médicos e enfermeiros obstetras, além da utilização de recursos para alívio da dor e o estímulo à presença de acompanhante", diz Teófilo Rodrigues, gerente geral de Regulação Assistencial na ANS.
A partir de fevereiro de 2015, o projeto piloto começa a ser executado em hospitais interessados, o primeiro deles é o Hospital Albert Einstein. A proposta será testada até o final de 2017. Após a fase de teste, o modelo será disponibilizado para qualquer estabelecimento de saúde que tiver interesse em ampliar a realização de partos normais.
Entre os fatores que levaram ao aumento da realização de cesarianas estão a comodidade para pacientes e, principalmente, médicos, que podem marcar previamente os horários de nascimentos. A cesárea também possibilita aos hospitais programar antecipadamente a disponibilidade de leitos.
Além disso, muitos médicos não estão mais acostumados a realizar partos normais. "Na faculdade, eles são treinados a fazer cesáreas e saem de lá com muito mais segurança para realizar essa cirurgia do que para fazer parto normal, que é muito simples, mas às vezes tem pequenas complicações que exigem algumas manobras", destaca Leal.
E como a maioria dos partos é marcada com antecedência, muitas instituições não têm mais equipes de plantonistas para atender mulheres que optam pelo parto natural.
Muitas gestantes optam pela cesárea pelo receio de ter o bebê com um médico diferente daquele que as atendeu durante o pré-natal. "No início da gravidez, eu preferia a cesárea, pois tinha medo da dor e ouvi dizer que era mais seguro para o bebê. Ao longo das consultas fui ganhando confiança de fazer o parto normal, mas como a data do nascimento era próxima do Natal e eu queria fazer o parto com meu médico e não com um plantonista, optei pela cesárea", conta Juliana Sinestri Jensen, mãe de Otto, hoje com quase dois anos.
Assim como Jensen, muitas mães de primeira viagem também têm medo da dor do parto. Segundo a pesquisa Nascer no Brasil, esse é o principal fator que leva mulheres grávidas pela primeira vez a optarem pela cesariana. Já entre as mulheres que já tiveram filhos, cerca de 33% optaram pela cesárea para aproveitar o procedimento cirúrgico e fazer a laqueadura das trompas.
Além disso, entre as mulheres que já tiveram filhos, outro motivo que pesa na hora da escolha da forma de dar à luz é a experiência com o parto anterior. Ferrarezi, por exemplo, conta que o parto normal foi muito bom e deseja seguir o método para o nascimento do próximo filho.
Já Jensen ainda não sabe se deseja ter mais filhos, mas afirma que achou a cesárea frustrante. "Não senti a emoção de colocar meu filho no mundo."
  • Autoria Clarissa Neher
http://www.cartacapital.com.br/saude/campeao-de-cesareas-brasil-quer-resgatar-parto-normal-em-hospitais-privados-240.html

O abismo entre ricos e pobres cresce

Com raras exceções, a desigualdade tem aumentado em todos os países do mundo.
por Claudio Bernabuccisociedade e economia
Joe Klamar / AFP
desigualdade
O relatório quebra o mito da naturalidade da desigualdade entre os seres humanos
De Roma
Em um mundo angustiado pela crise econômica, aprendemos que de março de 2009 a março de 2014, exatamente o período considerado mais crítico, depois da bancarrota do Lehman Brothers, o número de bilionários do planeta dobrou: eram 793 no começo do furacão e agora somam 1.645. Os 85 mais ricos entre eles, no mesmo período, incrementaram seus capitais em 668 milhões de dólares a cada dia e sua renda equivale àquela de metade da população mundial, 3,5 bilhões de outros seres humanos. Os dados constam, entre outras “pérolas”, do recente estudo sobre a desigualdade no mundo, publicado pela Oxfam, rede internacional de 19 ONGs que combatem a pobreza. Na sequência da divulgação do relatório, originalmente chamado Even It Up: Time to end extreme inequality, foi lançada a campanha mundial de sensibilização “Equilibre o jogo”.
Crise é um termo utilizado no mundo inteiro para descrever situações diferentes, mas com um denominador comum, a desaceleração do crescimento das economias, que em média superava os 4% anuais na década passada e hoje sofre para chegar perto dos 3,5%. Para resolver os problemas provocados por esse recuo e retomar o ritmo anterior, os defensores do atual sistema econômico-financeiro indicam um caminho único, a ampliação do espaço da iniciativa privada em detrimento do setor público, com corolário de cortes nos gastos sociais e intensificação da produtividade no trabalho. Em outras palavras, salários mais baixos para criar produtos mais baratos. Essa receita, baseada numa visão brutalmente quantitativa do bem-estar da humanidade e sem nenhuma atenção à equilibrada convivência social, é rotundamente recusada pela Oxfam. Com riqueza de informações e análises, a desigualdade é descrita sob diversos aspectos, e o estudo chega à conclusão de que essa praga contemporânea não só é contrária a uma ética humanista, mas também a causa fundamental da crise econômica em curso.
O primeiro mito que o relatório se encarrega de derrubar é aquele que considera natural a desigualdade entre os seres humanos. Melhor se concentrar na redução da pobreza, afirmaram os liberais a partir da Revolução Industrial, pois a compaixão é a única maneira de mitigar a lei natural que inevitavelmente produz as diferenças. Mas a desigualdade excessiva tem comprometido o combate à pobreza, apesar dos bons resultados conseguidos nesse campo até o início dos anos 80 do século passado. O abismo entre ricos e pobres nas últimas três décadas, demonstra a pesquisa, tem clara correlação com a baixa mobilidade social. Em outros termos, nos países em que o fenômeno é mais acentuado, quem nasce rico fica rico, quem nasce pobre não tem outra alternativa além de permanecer pobre. A esperança de uma vida melhor, na evolução entre pais e filhos, é banida do horizonte de bilhões de seres humanos.
Com raras exceções, a desigualdade tem aumentado em todos os países do mundo. Caso particularmente emblemático, a Oxfam calcula que até na África do Sul a desigualdade é hoje maior do que no período do Apartheid. Com base em dados de 2013, 7 de cada 10 habitantes do mundo vivem em países em que a desigualdade econômica é maior do que há 30 anos.
O enriquecimento desmedido de um número restrito de indivíduos, a depender dos países, encolheu ou limitou o crescimento da classe média, comprometendo a sua capacidade de gasto e, em última análise, o motor do crescimento mundial. Desde 1990, a participação do trabalho na composição do PIB mundial é constantemente decrescente. O ataque ao valor e à dignidade do trabalho é particularmente acentuado nos países mais pobres, mas também ocorre nas nações ricas. Por consequência, o PIB mundial é composto por uma porcentagem crescente do capital, que se autoalimenta cada vez mais da especulação financeira.
As 150 páginas da pesquisa, com amplíssima bibliografia, demonstram que a desigualdade extrema também está associada à violência. A América Latina, a região mais desigual do mundo do ponto de vista econômico, reúne 41 das 50 cidades mais violentas do planeta e registrou 1 milhão de assassinatos entre 2000 e 2010. Países desiguais são lugares perigosos para viver, e a insegurança afeta tanto ricos quanto pobres.
A desigualdade econômica produz ainda diferenças em termos de oportunidades de vida. Quem está na parte baixa da escada social tem grande desvantagem em termos de escolaridade, saúde e expectativa de vida. A Oxfam demonstra com dados e gráficos que a “pobreza interage com desigualdades econômicas e de outros tipos para criar ‘armadilhas de desvantagens’ que empurram os mais pobres e marginalizados para o fundo – e os mantêm lá”. E a globalização da economia aumentou consideravelmente o número de super-ricos nos países em desenvolvimento e emergentes. Na África Subsaariana, 16 bilionários convivem com 358 milhões em pobreza extrema.
No atual cenário, o Brasil, que nos últimos 12 anos tirou da pobreza dezenas de milhões de indivíduos, é citado várias vezes no relatório como positiva exceção por ter agido na contracorrente mundial, mas também como exemplo de uma desigualdade ainda gravíssima que afeta as perspectivas de resgate econômico e de pacificação nacional. É extremamente fácil evidenciar a imediata correspondência entre o aumento de 50% no valor do salário mínimo entre 1995 e 2011 e a redução da pobreza e desigualdade no País.
Como exemplo oposto, dados de 40 países europeus e latino-americanos revelam que a capacidade redistributiva de um bom sistema fiscal, combinada com gastos sociais bem-focados, pode reduzir as disparidades de ingressos produzidas pelo mercado. A Finlândia e a Áustria conseguem reduzir pela metade essa desigualdade por meio de impostos, enquanto o sistema fiscal e o gasto social brasileiro a limitam de maneira insignificante.
O relatório da Oxfam não se restringe à análise da situação de fato, mas identifica as causas que provocaram a absurda desigualdade atual: o fundamentalismo de mercado e a captura do poder pelas elites econômicas. A ideologia neoliberal, que continua dominante, apesar das contradições que suscitou, segue a impulsionar as diferenças, que não poderão ser reduzidas enquanto os países forem forçados a engolir remédios como a desregulamentação financeira, a austeridade fiscal, as privatizações, a redução de programas sociais ou o corte de impostos para os ricos. Por outro lado, como em um círculo vicioso, o dinheiro compra a influência e o poder político, tanto nos países ricos quanto nos pobres.
Para “reequilibrar o jogo”, a Oxfam identifica uma série de medidas específicas que, acrescentamos, não poderão ser alcançadas com base em alguma milagrosa fulguração de bondade da parte de quem hoje dirige o jogo, mas apenas à medida que as relações de força e de poder entre as minorias ricas e as maiorias pobres se inverterem. O mérito do relatório é demonstrar implicitamente que a batalha deve ser combatida em cada lugar de trabalho e em cada país, mas, para ser vencida, deve incluir um pensamento e uma ação global de todas as vítimas da desigualdade e de todos os seus aliados de boa vontade. Se a economia e a riqueza do mundo são globalizadas, a resposta para redistribuir deve ter a mesma escala. O nacionalismo é uma ferramenta arcaica. O que hoje precisamos é de um novo internacionalismo.
*Reportagem publicada originalmente na edição 825 de CartaCapital, com o título "Desiguais até na crise"
http://www.cartacapital.com.br/revista/825/desiguais-ate-na-crise-6331.html