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3.29.2024

O capitalismo ameaça a sobrevivência da humanidade

Diante de ameaças só resta à sociedade civil se fortalecer via movimentos populares e sociais, grupos identitários e sindicatos, comunidades religiosas e partidos políticos progressistas. Há que buscar “um outro mundo possível” e intensificar a educação política, crítica e participativa dos segmentos excluídos e vulneráveis. Fora do povo não há salvação. Nem libertação

por frei Betto* no site freibetto.org – Sociedade e Terra em Risco pelo Grande Capital

 Gaia deusa grega , harmonizou mãe natureza_na internet

O capitalismo agravou a crise climática, a desigualdade social, o poderio bélico. As estações do ano parecem enlouquecidas: faz calor em pleno inverno e frio intenso no auge do verão. Furacões, ciclones e secas são como se Gaia (nascida do caos, foi a ordenadora do Cosmos, acabando assim com a desordem e a destruição em que se encontrava, criando a harmonia na mãe natureza) arreganhasse os dentes para morder a espécie humana que, em busca insaciável de lucro, não cessa de violentá-la.

Os desastres ambientais quintuplicaram nos últimos 50 anos: des-matamento, queimadas, contaminação das águas fluviais e marítimas. Esses crimes matam 115 pessoas por dia no planeta e dão prejuízo diário de US$ 202 milhões. Em 2021, o planeta perdeu 11,1 milhões de hectares de florestas tropicais (World Resources Institute (WRI)/ Universidade de Maryland, EUA). Mais de 40% da perda da vegetação nativa mundial aconteceu no Brasil. A floresta amazônica, que se estende por 9 países, já perdeu 30% de sua cobertura vegetal devido à pressão dos exportadores de madeira nobre e do agronegócio dedicado à pecuária e à produção de soja, exportadas para a Europa e a China e a mineração que destrói florestas e envenena rios.

Comunidades indígenas e camponesas são afetadas pela mineração predatória. O garimpo ilegal extrai ouro e diamante utilizando mercúrio, que contamina as águas e a terra. Em nenhum período anterior da história se utilizaram tantos agro-tóxicos, em detrimento da fertilidade do solo, com extermínio da biodiversidade e poluição dos rios, lençóis freáticos e a atmosfera. 

A ciência já comprovou que o agro-tóxico glifosato – o mais vendido no mundo – provoca câncer. Mais de 42 mil agricultores estadunidenses ganharam direito à indenização por terem sido expostos ao glifosato, um poderoso herbicida que mata ervas daninhas e o que se cultiva, exceto sementes transgênicas. 

As águas dos mares estão cada vez mais poluídas por plásticos e outros dejetos humanos, que eliminam muitas espécies de peixes e aniquilam a vida marinha. O uso crescente de fertilizantes químicos provoca a acidificação das águas oceânicas. No Oceano Pacífico, por exemplo, há uma grande mancha de lixo que se estende por 1 milhão de quilômetros quadrados. 

As cidades são poluídas pelo dióxido de carbono emitido pela queima de combustíveis fósseis (principalmente nos países industrializados depois da revolução industrial como na Europa, EUA, Japão, Canadá e China entre outros), que aumenta as doenças respiratórias. E a Covid veio agravar a crise sanitária da humanidade, pois a destruição da bio-diversidade e a expansão das fronteiras agrícolas pelo agronegócio provocam o aumento de zoonoses, ou seja, a transmissão de enfermidades de animais para seres humanos.

As comunidades indígenas e camponesas, que ao longo da história protegeram e cuidaram da bio-diversidade, são vítimas de violências permanentes. O capital trata de agredi-las para assumir o controle dos territórios protegidos. 

A crise sócio-ambiental, tão denunciada pelo papa Francisco em sua encíclica “Laudato Sí” (Louvado sejas), afeta a economia, a política e a ética. Bilhões de pessoas sofrem falta de alimentos, água, moradia, terra, emprego, educação e renda, e são obrigadas a migrar (principalmente devido as guerras). 

A quem culpar por colocar a humanidade em risco?

O único responsável é o sistema capitalista movido por sua desenfreada ganância de apropriação privada das riquezas e crescimento exponencial de lucro. Assim, impede a proteção de nossos biomas, a redução dos fluxos migratórios e a distribuição de uma renda básica a todos os 8 bilhões de habitantes da Terra. 

A crescente privatização do Estado nega à humanidade suficientes direitos trabalhistas e sociais. Fracassa a democracia formal e se ampliam os espaços dos governos autoritários. O capitalismo inocula nas pessoas, sobretudo crianças e jovens, forte tendência ao individualismo e ao consumismo. Os vínculos de solidariedade cedem lugar ao ódio e as diferenças – sexuais, étnicas, políticas – se tornam intransigentes divergências (conflitos violentos). 

As mais poderosas corporações transnacionais não respeitam fronteiras, leis, Estados, governos e direitos dos povos. Empresas como Bayer, BASF, Monsanto, Syngenta e DuPont fabricam agrotóxicos, exploram a mineração predatória, multiplicam veículos e sistemas de energia elétrica movidos a combustíveis fósseis. Coca-Cola, Pepsi e Nestlé controlam o mercado de água e considerável parcela do mercado mundial de alimentos. Associados, estão os bancos e o capital financeiro.

Somam-se a essas empresas e bancos as poderosas corporações de tecnologia que controlam a opinião pública, como Amazon, Microsoft, Google, Facebook/Meta, Apple e Instagran.

Por sua vez, os governos encobrem os crimes corporativos e a grande mídia, dependente da publicidade desse conglomerado, evita denunciar as violações cometidas pelas corporações e apontar os culpados. 

Diante de tais ameaças só resta à sociedade civil se fortalecer via movimentos populares e sociais, grupos identitários e sindicatos, comunidades religiosas e partidos políticos progressistas. Há que buscar “um outro mundo possível” e intensificar a educação política, crítica e participativa dos segmentos excluídos e vulneráveis. Fora do povo não há salvação. Nem libertação. 

*Frei Betto é escritor, autor de “Por uma educação crítica e participativa” (Rocco), entre outros livros.