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3.24.2015

Os brasileiros(as) tem as informações verdadeiras?

" Liberdade de informação tem a ver com o cidadão, não com o dono do jornal", Roberto Savio, jornalista italiano.

"O Brasil está muito atrasado nesta matéria. Ao oligopólio econômico corresponde um oligopólio de opiniões, de análise. Então, você não pode ter uma efetiva liberdade com restrições econômicas tão grandes à expressão do pensamento, das diferentes correntes, dos diferentes setores, dos diferentes grupos, dos mais variados. A regulação da mídia é um passo fundamental para a democratização da sociedade brasileira", salienta o professor Armando Boito Junior da Unicamp de São Paulo.

                                  http://guiadoestudante.abril.com.br/blogs/pordentrodasprofissoes/files/2015/03/465556922.jpg Jornalistas disputam espaço em entrevista coletiva        (Imagem: Getty Images). Fonte: http://guiadoestudante.abril.com.br/blogs/pordentrodasprofissoes/tag/jornalismo/   

Os debates sobre a necessidade de regulação da mídia no Brasil já vêm há muito tempo. Estados Unidos, França, Reino Unido, Alemanha, Canadá, Espanha e até Argentina, mesmo contra a força do grande conglomerado de mídia que significava o Clarín, já passaram pelo processo. No Brasil, quando se fala no assunto, ainda se remete, na maioria dos debates, à ideia de que haveria um objetivo escondido de controlar a imprensa e tolher a liberdade de expressão. A ação, contudo, se baseia em questões legais para garantir justamente o contrário, destacam especialistas. Como se trata também, todavia, de combater monopólios e oligopólios de mídia, natural que o debate seja desvirtuado, completam.
Antes mesmo do anúncio dos novos ministros do segundo mandato da presidente Dilma Rousseff, a grande imprensa noticiava que Ricardo Berzoini seria colocado no Ministério das Comunicações para tocar o projeto de regulação da mídia. A nomeação realmente veio e, logo no início de janeiro, o novo ministro da pasta declarou que o governo iria apresentar proposta de regulação no segundo mandato da presidente.
"Já existem dispositivos, premissas e princípios. É preciso discutir se está bom, ou não está bom. Claro que nós temos uma conjuntura tensa, difícil, mas vamos saber conduzir com tranquilidade. Não temos uma crise institucional. Temos é uma tentativa de fomentar uma crise política", disse Berzoini à Rádio Brasil Atual no início deste mês.
Para a advogada Veridiana Alimonti, do Conselho Diretor do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social, por mais que dificuldades surjam para que o projeto vá à frente, é importante que o assunto não saia de pauta. Ela explica do que se trataria uma regulação econômica no setor, que seria a implementada no país conforme sinalizações do governo, e ainda o que poderia vir a ser uma regulação de conteúdo, que poderia ser descartada por aqui, mas que ainda assim seria importante, ela frisa.
"A situação (política) é complicada, prevê que essa pauta mais uma vez sofra um revés, como já sofreu no primeiro mandato do governo Dilma. No final do governo Lula, já tinha um projeto para ser discutido, que a gente não chegou a conhecer, mas já tinha uma pauta mais elaborada que não foi para frente, e agora essa situação pode dar mais força para aqueles que sempre estão presentes para dizer que isso não deve ser feito. Mas não sou eu que vou descartar a pauta, cabe pressionar para que ela continue na agenda", destaca.
Veridiana salienta que o discuso de que a regulação dos meios de comunicação é uma censura, na verdade, é  uma inversão do seu real objetivo, pois é algo que faz parte, principalmente, da Constituição Federal, mas que ainda não se reflete nas normas infraconstitucionais (norma, preceito, regramento, regulamento e lei hierarquicamente abaixo da Constituição Federal) de uma maneira detalhada.
De acordo com a advogada, o Código Brasileiro de Telecomunicações, de 1962, que chegou a receber alterações como a de 1967 que trata de limites de propriedade, tem limitações pequenas sobre concentração de empresas nesse mercado. Limita apenas quantas emissoras de rádio ou de televisão uma mesma empresa ou uma mesma pessoa pode ter, não fala em grupo empresarial. Não garante, ainda, um controle da existência de propriedade cruzada, que é quando uma empresa tem uma determinada quantidade de diferentes meios de comunicação. A Constituição também fala da importância de produção independente e regionalização da produção, mas não há detalhes estabelecendo porcentagem ou critérios.
"É interessante dizer que, quando a gente fala da regulação dos meios de comunicação, a gente está tratando, principalmente, de rádio e televisão, que são serviços públicos, de acordo com a Constituição Federal e com a regulação infraconstitucional. É uma concessão de serviço público que deve atender a um interesse público, tanto o rádio quanto a televisão."

A Constituição Federal veda monopólio e oligopólio nos meios de comunicação social, e o artigo que estabelece isto é justamente o que garante a liberdade de expressão na comunicação social. "A estrutura jurídica do estado democrático brasileiro reconhece que a liberdade de expressão só consegue ser garantida na comunicação social se não houver oligopólio e monopólio. Como a gente combate oligopólio e monopólio? Com regulação. O mercado sozinho, embora alguns acreditem que sim, não combate a concentração. Ele, muitas vezes, tende, sim, a se concentrar, se não houver mecanismos de controle em relação a isso."
A regulação da mídia, então, deve funcionar tanto para estabelecer limite da propriedade no mesmo meio de comunicação, cadeia de produção ou diferentes meios, o que já é previsto na legislação de outros países como Estados Unidos, na Europa e na América Latina, e ainda estabelecer critérios dentro da própria programação de uma emissora, explica Veridiana. Não é só garantir que existam diferentes agentes prestando serviço, mas também que na prestação do serviço existam regras para garantir a diversidade dessa programação ou, pelo menos, estimular essa diversidade.
Outra questão que uma regulação econômica da mídia trataria seria a regionalização da produção. Hoje, no país, grandes emissoras  -- Globo, SBT, Band, Record -- têm concessões só para alguns municípios, mas se organizam em redes pelo Brasil com afiliadas, que são outras emissoras, com outros proprietários. Embora sejam emissoras regionais, elas acabam passando praticamente toda a programação das grandes. "A regionalização da produção é também uma maneira de fazer com que a programação da própria emissora seja mais diversa, mostre outras pessoas, produtores, roteiristas, diretores."
Veridiana aponta também a questão da complementaridade dos sistemas, que também tem laços com a Constituição Federal. Esta diz que a radiodifusão tem de observar o princípio da complementaridade de sistemas, entre sistema privado, estatal e público. O estatal seriam os canais de poder público que falam das atividades do poder público, como a TV Justiça e a TV Senado, que funcionam como uma prestação de contas da atividade do poder público. O sistema privado, por sua vez, está muito ligado ao sistema comercial, que é o que se tem no Brasil como hegemônico, e o sistema público tem relação com emissoras educativas ligadas à pastas do governo como secretarias de cultura e educação, mas que não fazem prestação de contas do Estado, têm um caráter diferenciado de programação.
"O ideal seria que as outorgas fossem divididas entre os três (sistemas), mas o que a gente vê é a predominância das três partes", aponta a advogada, falando ainda da necessidade de superar desafios do sistema público de comunicação brasileiro, que foi estruturado com a criação da Empresa Brasil de Comunicação, mas que precisa ainda se consolidar em termos de financiamento e autonomia.
Além desses pontos referentes à regulação econômica, Veridiana destaca a importância da regulação de conteúdo, que vem sendo deixada um pouco de lado e que não deveria ser encarada como censura. "A regulação de conteúdo está longe de ser censura, a gente já tem regulação de conteúdo na nossa legislação atual, já tem horário para programas educativos, publicidade. Regulação de conteúdo não é avaliar previamente o que está sendo transmitido e decidir se vai ao ar ou não, claro que não. É ter mecanismos para responsabilizar as emissoras e agentes específicos caso haja alguma ofensa à legislação, o que, claro, vai se pautar em critérios democráticos. É também um desvirtuamento do debate dizer que regulação de conteúdo é censura."
Armando Boito Junior, professor do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp, também é favorável à regulação da mídia, por ser a única maneira de garantir uma efetiva liberdade de expressão a um regime democrático. O que o Brasil tem hoje, acredita o professor, é uma exagerada concentração dos meios de comunicação, onde o mesmo grupo detém diferentes tipos de meios, e transmite, publica e vende.

"O Brasil está muito atrasado nesta matéria. Ao oligopólio econômico corresponde um oligopólio de opiniões, de análise. Então, você não pode ter uma efetiva liberdade com restrições econômicas tão grandes à expressão do pensamento, das diferentes correntes, dos diferentes setores, dos diferentes grupos, dos mais variados. A regulação da mídia é um passo fundamental para a democratização da sociedade brasileira", salienta o professor.
Para ele, os grupos que tentam sustentar a tese de que a regulação econômica da mídia é contrária à liberdade de expressão são justamente os grandes meios de comunicação que, por intermédio do poder econômico e dessa situação de ausência de regulação, têm condições de expressar seus pensamentos e opiniões em todos os grandes meios, gerando uma espécie de pensamento único.
"Por exemplo, O Globo, Estadão e Folha, os estudiosos que acompanham essas publicações costumam evidenciar a uniformidade das manchetes. São sempre as mesmas, não só dando o fato mas também emitindo uma opinião, e esse fato e essa opinião são sempre os mesmos, nos três principais jornais do país. Será que há uma unanimidade no Brasil sobre quais são os principais fatos a serem destacados numa manchete, há uma unanimidade no Brasil sobre como avaliar esses fatos? Eu creio que não", alerta.
Exemplos do vizinho e além
A advogada Veridiana Alimonti destaca o exemplo da Argentina, que conseguiu, inclusive, decisões favoráveis no tribunal diante de ofensivas de emissoras contra a regulação, principalmente do grupo Clarín. Um exemplo é a divisão do espectro, entre sistema estatal, público e privado. A Argentina dividiu em três, para que as concessões levem em consideração de forma igual esses três sistemas. Outro ponto importante foi estabelecer a criação, em relação à regulação de conteúdo, de uma figura chamada defensor do público, que seria quem recebe e dá andamento a denúncias em relação à programação e provoca também a discussão em relação a esta. Além de outros limites de concentração de propriedade, tanto nacionais quanto locais.
Na França, existem limites para que um mesmo grupo não tenha uma emissora de rádio, uma emissora de televisão e um jornal num mesmo município, por exemplo. A legislação americana, durante muito tempo, foi bastante restritiva também com relação à concentração de propriedade dos meios de comunicação. Na década de 1990, houve uma liberalização e o país passou a discutir alguns critérios, mas houve limites que proibiam, por exemplo, que uma empresa tivesse uma emissora de televisão no município e um jornal também, destaca Veridiana.
"As organizações ao redor do mundo estabelecem diferentes mecanismos de controle do poder econômico e de comunicação de grupos empresariais. A gente tem que se inspirar nisso para aprofundar a nossa democracia, e não ameaçá-la. A regulação econômica dos meios de comunicação aprofunda a democracia brasileira, ao trazer mais vozes, ao trabalhar melhor essas concessões, e não o contrário", conclui a advogada.
Fórum na Tunísia
A regulação dos meios de comunicação será um dos temas da Carta da Mídia Livre, principal documento do Fórum Mundial de Mídia Livre que acontece na Universidade El Manaer, em Túnis, capital da Tunísia, entre os dias 22 e 28 de março.
Bia Barbosa, coordenadora do Intervozes, falou durante o evento ao Portal EBC sobre a importância de que esta carta seja utilizada para reivindicar um novo marco regulatório para as comunicações no Brasil. "Nós estamos no meio da luta por uma nova legislação das comunicações. Essa reivindicação, sem dúvida, poderá aproveitar a força desse encontro internacional."

Para o italiano Roberto Savio, fundador e presidente emérito da Inter Press Service, agência internacional de jornalistas colaborativa, a regulação dos meios é fundamental para criar um sistema mais justo de informação, em que o cidadão seja parte do processo.
" Liberdade de informação tem a ver com o cidadão, não com o dono do jornal. Os donos dos meios falam da liberdade da informação para manterem a liberdade de serem donos do meio de informação", disse a EBC.

http://www.jb.com.br/pais/noticias/2015/03/24/regulacao-da-midia-aguca-democracia-nao-o-contrario-alertam-especialistas/

Drogas: para o adolescente, parece que o proibido é mais gostoso

PAULO LISBOA/BRAZIL PHOTO
Drogas: discurso realista é mais eficaz que proibição Cerca de 3,8% dos jovens brasileiros usam maconha
  • Drogas: discurso realista é mais eficaz que proibição

  • É importante conversar com os adolescentes sobre as características e efeitos de cada droga

Por Thais Paiva - Sociedade e Juventude
Curiosidade, rebeldia, necessidade de afirmação perante um grupo, desejo de vivenciar novas experiências. São diversos os motivos que podem levar os adolescentes a procurar as drogas. O fácil acesso ao álcool, tabaco e outras substâncias psicoativas antes mesmo da maioridade e, portanto, em idade escolar, torna a questão ainda mais delicada. De acordo com o Segundo Levantamento Nacional de Álcool e Drogas - Comportamentos de Risco Entre Jovens, realizado pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) com apoio do CNPq e da Fapesp, é pouco antes dos 15 anos de idade que os brasileiros experimentam as primeiras doses de álcool e fumam os primeiros cigarros.
 
Ainda segundo o estudo, 35% dos jovens com idades entre 14 e 25 anos são usuários de álcool – dessa taxa, 18% menores de idade – e perto de 3,8% dos garotos menores de 18 anos e quase 18% dos homens jovens (com idade entre 18 e 25 anos) são fumantes. Entre as drogas ilícitas, chama atenção o uso da maconha: aproximadamente 3,8% da população jovem afirmou usar a substância – uma taxa relativamente baixa quando comparada a outros países.
 
O contato inicial ocorre, muitas vezes, dentro dos próprios muros da escola ou o problema adentra os portões de tantas outras maneiras que torna-se fundamental a preparação da equipe pedagógica para lidar com o tema, contemplado pelo Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) dentro dos chamados “temas transversais”. Primeiramente, é preciso ter claro que diferentes tipos de drogas, situações, níveis de consumo e contextos familiares exigem também abordagens distintas. Em qualquer caso, porém, um diálogo coerente e franco prova-se indispensável.
 
“Muitas escolas pecam por fingir que não está acontecendo nada, que o problema não existe ou então por ter essa posição radical de expulsar o jovem que está usando. Isso não funciona. Pais e alunos precisam ter a segurança de que podem abrir situações com a escola e que esta tentará ajudar ao máximo e não julgá-los ou entregá-los de alguma maneira”, defende Ilana Pinsky, psicóloga e autora do livro Álcool e Drogas na Adolescência (Ed. Contexto, 2014), ao lado do educador Cesar Pazinatto.
 
De acordo com Ilana, é comum que os pais procurem a escola em busca de orientação e, nesse sentido, um posicionamento repressor da instituição, em vez de auxiliar, acaba intensificando o problema. “Muitos pais pensam ‘se meu filho está usando, é porque eu errei’ e não é bem assim. Além disso, há uma série de preconceitos que acabam dificultando o tratamento da situação com clareza.” O ideal é estabelecer um canal de conversação e confiança entre os pares. Ao se sentir escutado, será muito mais fácil para o adolescente escutar alguém mais experiente que possa ajudá-lo a tomar suas decisões de forma mais racional e consequente.
 
Para Cesar Pazinatto, por conta das crianças e adolescentes passarem um tempo expressivo de suas rotinas diárias dentro da escola, este espaço desempenha um papel fundamental no trabalho de prevenção de riscos e promoção da saúde, passando pela questão da saúde sexual a das drogas. “É preciso dar voz ao jovem, pois já é sabido que as famílias nunca são a primeira fonte de informação que eles têm sobre o assunto, geralmente são os próprios colegas e a mídia”, explica. Em muitos casos, inclusive, os adolescentes se mostram mais informados sobre o tema do que os adultos.
 
Para Eduardo Mendes Ribeiro, psicanalista e membro da Associação Psicanalítica de Porto Alegre (Appoa), ainda há uma enorme distância entre o discurso pedagógico normalizador praticado pelas escolas e a realidade dos adolescentes. “Enquanto eles não puderem discutir abertamente, sem recriminações e repressão, no ambiente escolar não só suas relações com as drogas, mas também sua sexualidade, suas visões de mundo e seus ideais, todo o discurso “escolar” lhes parecerá alheio, não lhes tocará”, explica.
 
Nesse contexto, um ponto importante é estabelecer uma conversa realista sobre as características e efeitos de cada droga, evitando recorrer à exageros e demonizações. Segundo os especialistas, programas de prevenção baseados em discursos de amedrontamento como “não experimente, se não irá se viciar” ou imagens e informações chocantes vêm se provando ineficazes. “Tudo indica que essa abordagem não é eficaz, pois menos de 1% das pessoas que experimentam alguma droga se torna dependente. Seria como dizer que não devemos andar de automóvel porque corremos o risco de nos acidentar. E os jovens sabem disso”, diz Ribeiro.
 
Fernanda Gonçalves Moreira, psiquiatra e pesquisadora do Núcleo de Estatística e Metodologia Aplicadas (Nemap) da Unifesp, concorda. Ela lembra que o adolescente a partir dos 12, 13 anos já tem capacidade de formular e testar suas próprias hipóteses. “Você pega uma campanha na televisão que compara o adolescente que fuma maconha a um cacto e este jovem tem um amigo que fuma e não enxerga nele nada disso, ele vai confrontar esse dado, colocar em descrédito todas as informações associadas a essa propaganda”, explica.
 
É preciso deixar claro, entretanto, que uma abordagem com menos excessos não deve ser sinônimo de uma interpretação que desdenha do poder e riscos das drogas, lembra Pazinatto. “Também não dá para minimizar os efeitos do uso, mas tem que ser de uma forma que converse com a realidade do jovem”, diz. Outro erro comum é colocar todas as drogas ilícitas em uma mesma categoria, tratando, por exemplo, a maconha da mesma forma que o crack. “Toda e qualquer abordagem que menospreze a capacidade intelectual dos jovens não vai dar certo. O jovem sabe observar, a droga está nas ruas. É algo que eles veem. Não dá para falar com o adolescente como você falasse com crianças pequena”, resume Fernanda.
 
O neurocientista americano Carl Hart, professor da Universidade de Columbia, é um dos maiores defensores dessa abordagem que ele define como “uma política de drogas baseada em fatos, não em ficção”. Em seu livro Um Preço Muito Alto (Ed. Zahar, 2014), Carl afirma que a maior parte da população está iludida ou desinformada em relação ao que as drogas fazem ou deixam de fazer ao corpo humano. “Há tempos vem sendo orquestrada uma tentativa de exagerar os riscos de drogas como cocaína, heroína e metanfetamina. Os mais empenhados nessa tentativa são os cientistas, os responsáveis pelo cumprimento da lei, os políticos e os meios de comunicação”, diz.
 
O grande problema desta visão dramática sobre as substâncias psicoativas, diz o professor, é que ela estigmatiza de forma equivocada aqueles que usam drogas, além de levar à adoção de políticas erradas. “Essa desinformação nos leva a tomar iniciativas que prejudicam as pessoas e comunidades às quais supostamente deveríamos ajudar”, diz. Por meio de experimentos com ratos, Hart concluiu que quando são oferecidas apenas drogas a cobaias, elas se viciam, mas quando lhes são oferecidas outras opções de entretenimento elas não escolhem sempre usar as drogas, muitas vezes preferindo as outras opções. Em outras palavras, garantir acessos e oportunidades a todos os cidadãos seria uma forma muito mais adequada de enfrentar o problema do abuso.
 
Para Ribeiro, é importante frisar com os alunos que são as pessoas que procuram as drogas e não o contrário. “Se alguém toma um cálice de vinho ou uma dose de uísque, regularmente, ou fuma um cigarro de maconha, de vez em quando, ou mesmo consome uma droga sintética eventualmente, não há porque afirmar que ele se tornará um dependente. Mas, se frente a qualquer forma de mal estar, alguém decide recorrer ao consumo de alguma substância com propriedades psicoativas, seja ela a maconha, a cocaína, o álcool, ou mesmo medicamentos, ela tenderá a produzir uma relação de dependência, sem enfrentar as fontes de seu sofrimento”, explica.
 
Assim, vale fazer a distinção entre o que é experimentação e uso problemático, que geralmente culmina em prejuízos na vida social e acadêmica. “A pessoa pode usar um pouco ou de vez em quando, mas se tiver uma consequência negativa, um prejuízo para ela ou para quem estiver perto como amigos e familiares, é uma dependência”, comenta Arthur Guerra, psiquiatra da USP e do Centro de Informações sobre Saúde e Álcool. “Não é uma questão de frequência, nem de quantidade, mas de efeitos negativos.”
 
Apesar de não existir um consenso a respeito do modelo de prevenção mais eficiente, pode-se afirmar que quanto maior e mais diversa forem as opções de cultura, informações, entretenimento e conhecimento que este jovem tiver acesso, menor será a chance de envolver-se com as drogas. “Se ele for ouvido em sua totalidade, tiver um lugar de sociabilidade, acesso a fontes de prazer outras que não as drogas, a maconha, por exemplo, vai ser uma opção em muitas. Não vai ser a única opção”, explica Fernanda. Daí o vício e incidência assustadora entre as populações mais vulneráveis como moradores de rua e outros grupos socialmente marginalizados. “Acaba sendo a única saída que eles encontram.”
 
Além disso, é preciso que a escola formule sua própria política de prevenção de acordo com a realidade que está inserida. “Para mim, cada escola tem que descobrir o seu próprio modelo, o que funciona ou não ali dentro”, diz Cesar. O educador lembra, porém, que quanto mais cedo começar este trabalho, melhor serão os resultados.
 
Conversas dinâmicas e projetos multidisciplinares envolvendo o tema pode ser um caminho. Ao invés de criar um horário para falar sobre drogas, dissociada das outras conversas, mais interessante é entrelaçar o tema com outros assuntos escolares. “Quando vamos falar de consumo, já podemos falar da estrutura urbana, da favela, do tráfico de drogas. Quando falamos de ecologia, porque não falar da relação das substâncias naturais e artificiais? Um papo sobre drogas integrado a outros papos é muito mais interessante e não acende aquele holofote ‘oh, drogas’, que só atrapalha o diálogo franco”, defende Fernanda.
Publicado na edição 93, de fev de 2015

http://www.cartanaescola.com.br/single/show/478

Uma escola que vê o aluno(a) como pessoa

Foto - DAVI RIBEIRO
 
Escolas ampliam participação dos alunos na gestãoDebater e reivindicar são palavras-chave na rotina da escola Manuel Bandeira

Escolas ampliam participação dos alunos no dia-a-dia

Baseadas em modelos de convivencia democrática, estudantes tornam-se também responsáveis pelas decisões do espaço educativo.
Por Thais Paiva -  Sociedade e Liberdade
 “A criança é estimulada a compreender outros pontos de vista, descentrar de sua perspectiva, compreender uma segunda e, em geral, construir uma terceira perspectiva que articule as várias envolvidas no embate”, explica. Isso permite um pensamento mais amplo e flexível, capaz de questionar e de produzir respostas, ao invés de apenas obedecer e executar o que outro determina. “Em uma escola democrática, a obediência - intelectual e moral – se dá por compromisso, por responsabilidade, no sentido dado pela participação do sujeito na decisão. Não é uma obediência cega”, conclui a profa. Ligia M. L. de Aquino.
Uma frase escrita a lápis pelas mãos de alguém recém-alfabetizado chama a atenção de quem passa pelo mural de recados do pátio central da Escola da Prefeitura de Guarulhos (EPG) Manuel Bandeira, localizada na região metropolitana de São Paulo. “Podemos traser liginhas de elástico”, lê-se em um cartaz que leva o título “Precisamos conversar”. Se o domínio da ortografia revela-se incerto, o mesmo não se pode dizer das intenções dos autores. “Eles querem mais elastiquinhos para fazer de pulseira, sabe?”, explica a diretora Solange Turgante.
 
A demanda é a primeira de uma lista que deve se avolumar com o passar dos dias e que será debatida na próxima assembleia escolar – reunião de alunos, professores, gestores e funcionários, de onde saem as decisões que viram regra para toda a escola. “Do cartaz, surge a maioria das pautas que debatemos depois juntos para chegar a um consenso. Por exemplo, se alguém reclama ali que tem muito papel higiênico jogado no chão do banheiro, na próxima reunião nós sentamos e discutimos isso para ver o que está acontecendo e o que pode ser feito”, conta a diretora.
 
Solange chegou à direção da escola em 2013 e, inspirada por projetos como o da Escola da Ponte, Emef Amorim Lima e Projeto Âncora, veio decidida a criar uma escola democrática. Logo percebeu que o objetivo só seria alcançado se houvesse a ampliação da participação dos alunos e pais nas decisões da escola. Foi assim que debater e reivindicar se tornaram palavras-chave da rotina da Manuel Bandeira, que atende alunos da Educação Infantil e do Ensino Fundamental I.
 
Além das assembleias-gerais, a escola organiza, uma vez por bimestre, o Conselhinho, um colegiado formado por representantes das turmas, eleitos pelos próprios colegas, que levam as decisões de cada classe sobre determinada pauta para os gestores. “A ideia é que as crianças tivessem mais autonomia e fossem protagonistas de seu estudo, aprendizagem”, conta. As pautas debatidas abrangem desde o material adquirido pela escola até as atividades pedagógicas a serem realizadas. Um modelo que se aplica a todas as turmas, do Maternal ao 5º ano.
 
A pouca idade dos alunos, longe de ser um empecilho, foi encarada como propícia para trabalhar a representatividade e outros valores democráticos. “Tem muita gente que diz ‘como assim, eles, tão pequenos, vão criar as próprias regras?’ Mas a verdade é que quando são eles que criam, acabam obedecendo mais, porque partiu do comprometimento deles”, diz Solange. Quando a turma não consegue chegar ao consenso, o conflito também é levado para a reunião. “Eles contam que metade da turma quer isso e a outra metade aquilo, e dialogando a gente tenta encontrar uma solução.” Já foram decididas dessa maneira a aquisição dos brinquedos do parque, as barracas que iria ter na festa junina e até mesmo o modelo de avaliações.
 
“No ano passado, eu fui escolhido representante”, conta Maykon Reynan Fernandes Cavalcanti, de 10 anos, sem conseguir esconder o orgulho. “Então eu perguntava para todo mundo da sala o que eles queriam melhorar, quais eram as sugestões ou que queriam aplaudir. Aí, anotava tudo e levava para o conselho”, explica o menino, que ainda não se decidiu se vai se candidatar para a vaga esse ano. “Eu gostava, era bem legal, mas também dava trabalho. Tudo que acontecia de errado meus colegas chamavam ‘Maykonnn, está acontecendo isso e isso’”, lembra.
 
Lincoln Dias Felix, também de 10 anos, diz gostar do novo modelo baseado na representatividade por ser mais prático e resolver as questões de forma mais direta. Para ele, é mais simples localizar e falar com o representante de sala do que com os gestores. “Teve um mês que a gente falou para o representante para ver se nós podíamos sair da sala sozinho para ir no banheiro. Aí teve a plaquinha de ocupado e livre. Quando a pessoa ia no banheiro a gente virava a plaquinha e saia sem precisar pedir para o professor”, conta. Para o professor Rodrigo de Mendonça Emidio, é esse tipo de atitude que pretende ser estimulado. “A ideia é que eles sejam preparados para enfrentar o mundo. A gente precisa formar pessoas que possam tomar suas próprias decisões e gerir sua própria vida. Então, nesse sentido, essa maneira dá muita autonomia.”
 
Professora de Artes na escola, Jaqueline Oliveira lembra do desafio inicial que foi implementar a gestão democrática. “Mexer na sua prática sempre causa uma certa insegurança, instabilidade. Mas eu acho muito válida qualquer proposta que coloque em xeque aquilo já engessado”. Da maneira como as coisas vêm acontecendo, diz, já são percebidos muitos frutos, principalmente, no sentido do diálogo. “A gente vê crianças trazendo coisas que afligem seu universo e que, para nós, adultos, parecem tantas vezes banais e não percebemos. E conversar sobre aquilo torna tudo mais leve.”
 
Pedagogia da escuta
 
Mas é possível ter uma escola mais democrática atendendo alunos de 0 a 3 anos? O CEI Suzana Campos Tauil, localizado na zona sul da cidade de São Paulo, é prova que sim. “Apesar de nós não termos a participação direta da criança, por conta da idade, nós temos a escuta da voz da criança. A gente leva em conta que todas têm saberes e, mesmo que não falem, elas nos mostram de diversas formas o que elas querem e o que precisam”, explica a diretora Márcia de Castro.
 
Para isso, a instituição desenvolve atividades e estratégias que possibilitem esta percepção, desde com os bebês até os mais velhos. “Por exemplo, procuramos comprar os brinquedos que as crianças gostam. Ontem mesmo veio uma criança aqui e ficou brincando com esse segura-porta em formato de tartaruga da minha sala. Aí pensei: por que não comprar vários desses segura-portas para eles brincarem? Eles gostam, estão me dizendo isso. Então trabalhamos com essa escuta sensível em cima do que eles nos mostram”, explica Márcia.
 
Há também rodas de conversa, um exercício de ouvir o outro, dar opiniões e contar casos. “É tão interessante porque eles trazem histórias e mais histórias. Então, às vezes, a gente aproveita a roda e pergunta ‘o que vocês estão precisando? o que a gente pode comprar?’”, conta a diretora. Foi assim que a equipe descobriu que os pequenos queriam os pratos e formas de alumínio, usados para brincar nos tanques de areia, também nos espaços internos.
 
Toda esta autonomia dada aos pequenos, acompanhada da percepção de que o espaço pertence a eles, tem se traduzido em uma série de benefícios como, por exemplo, a capacidade revelada de fazer a leitura de papéis sociais dentro da escola. “Eles sabem para quem pedir tal coisa, percebem os movimentos que ocorrem aqui dentro. As crianças nesta idade são muito capazes. Por isso, vejo que é desde a primeira infância que construímos a democracia e nas pequenas coisas. Se você não as escuta, perde esse primeiro exercício de interação com o outro”, diz.
 
Para Ligia Maria Leão de Aquino, professora da Faculdade de Educação e do Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), experiências como estas têm o potencial de desenvolver nos pequenos princípios e práticas solidárias. Além disso, do ponto de vista cognitivo, possibilitam a apreensão da capacidade de argumentação, debate e negociação, que pode estar presente desde situações cotidianas como escolha e partilha de brinquedos e espaços.
 
Publicado na edição 66, de março de 2015

http://www.cartafundamental.com.br/single/show/375