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8.08.2017

A filósofa Angela Davis compara encarceramento à escravidão moderna

Pantera Negra na década de 70, a ícone da luta pelos direitos civis falou sobre Rafael Braga, o sistema carcerário e as violências sofridas por mulheres no contexto prisional
por Midiã Noelle para
Imagem inline 1Há mais de 35 anos Angela Davis, ícone da luta pelos direitos civis, foi presa nos EUA acusada de ser cúmplice em um assassinato. Os 17 meses que passou dentro da prisão a fizeram refletir sobre diversas questões acerca do sistema carcerário. Seus artigos e pensamentos sobre aqueles dias, reverberam até a atualidade. Seja onde nasceu, no Alabama, Estados Unidos, ou em um município do recôncavo baiano. Pela sua trajetória inspiradora, a integrante do Panteras Negras nos anos 70, mais uma vez veio ao Brasil. Desta vez, sua sexta entrada ao país, sendo a quarta na Bahia, para participar de atividades desenvolvidas no âmbito do 25 de Julho, Dia Internacional da Mulher Afro Latino Americana e Caribenha e comemorações da agenda da sociedade civil Julho das Pretas. Durante os dias que ficou na Bahia, a convite do Coletivo Angela Davis da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), do Odara – Instituto da Mulher Negra e do Núcleo de Estudos Interdisciplinares da Mulher (Neim) da Universidade Federal da Bahia (UFBA), Davis participou na cidade de Cachoeira de um evento sobre Feminismo Negro Decolonial nas Américas e, em Salvador, da conferência “Atravessando o tempo e construindo o futuro da luta contra o racismo”. Este evento, ocorrido na noite de terça-feira (25), lotou a Reitoria da UFBA com mais de 700 pessoas e emocionou a todos/as, tanto pelas falas de referências do movimento de mulheres negras, como Angela Figueiredo, Dulce Pereira e Naiara Leite, que relembraram as perdas de Luiza Bairros e Mãe Beata de Yemanjá, e a importância da luta diária contra o racismo e o sexismo, quanto pela bela apresentação do Slam das Minas e as colocações da convidada.
Imagem inline 8Auditório da UFBA lotado para conferência com Angela Davis. Foto: Juh Almeida Entretanto, antes do momento aberto ao público, a filósofa concedeu entrevista à imprensa. Neste momento, diferente do momento da noite, Davis pode responder questões e pontuar com mais detalhamento suas impressões sobre o “sistema carcerário industrial” que alimenta os presídios de corpos negros em uma escala global. As contribuições colocadas pela ativista durante a coletiva denunciaram o punitivismo do encarceramento e como essa lógica tem “mantido ligações muito óbvias com o sistema de escravização”.
Segundo Angela explicou para as pouco mais de 30 pessoas presentes e para milhares de outras que acompanhavam a transmissão on line, essa relação não é apenas no estabelecimento de uma analogia, mas também de genealogia. Ela fez referência de que o sistema escravocrata queria manter o sistema como instituição, porém com uma forma “mais humanizada”. Ou seja, os argumentos se equiparam, segundo a ativista, quando argumentamos “em prol da reforma do sistema carcerário”. “É simplesmente um argumento que visa manter o racismo e a repressão do encarceramento e do aprisionamento. E, portanto, a abolição é a estratégia que abraçamos”.
Angela destaca que essa noção de abolição visa transformar a sociedade para que não haja mais a necessidade da manutenção destas medidas de repressão, pois o encarceramento nunca resolveu os problemas para os quais pressupõe-se que seria a resposta. “A abolição do sistema carcerário nos convida a construirmos uma sociedade onde não haja racismo. Sem estruturas hétero patriarcais. Sem estruturas capitalistas. Onde haja educação livre e acesso livre, ou gratuito, ao sistema de saúde”, enfatizou e concluiu destacando que repudiar o sistema carcerário vigente é, sobretudo, lutar pelo socialismo.
Imagem inline 5Fotos de Juh Almeida Caso Rafael Braga
Preso há quatro anos, o caso de Rafael Braga tem mobilizado o Brasil por se apresentar como um caso explícito de racismo institucionalizado na justiça brasileira, em que apenas a versão da polícia é considerada. Ao ser questionada sobre como órgãos internacionais podem contribuir para que casos como o do jovem sejam denunciados e solucionados, sobretudo por estarmos na Década Internacional de Afrodescendentes, instituída pelas Nações Unidas, Angela disse que a década em si contribui apenas no pensar arcabouços para nos “levar a construir redes mais amplas de solidariedade”, considerando ser uma ex-prisioneira política grata às pessoas que se uniram em âmbito global para exigir a sua liberdade na campanha “Free Angela”.
Davis destacou ainda como melhor caminho a continuação dos movimentos pelas libertações de prisioneiros políticos, no intuito de contribuir para casos como de Rafael Braga, dos detidos em Israel engajados em lutas contra a ocupação palestina, dos aprisionados na Europa por estarem engajados na luta contra a fobia do Islã e do racismo, entre outras situações, como a de Assata Shakur, que também foi dos Panteras Negras e continua a viver no exílio em Cuba.
As mulheres e o encarceramento
Durante a coletiva que mais parecia uma prévia da conferência que aconteceria na noite do mesmo dia, Davis pontuou a necessidade de se pensar em todas as circunstâncias dentro do sistema carcerário feminino mundialmente. Por mais que, ao se falar em encarceramento a imagem que vem às mentes das pessoas são de homens, pois são aqueles que efetivamente estão encarcerados em maior escala, isso não significa que não podemos adquirir conhecimento sobre as circunstâncias que envolvem as encarceradas, e, também, aquelas afetadas pelo contexto carcerário. “É uma conexão entre a violência institucional, por um lado, e a violência individual. Ou a violência que ocorre em relações íntimas”.
Angela apontou ainda que, no que o Estado é o agente punitivo para os homens, mas que há formas de punição consideradas privadas, geralmente mencionadas como violência doméstica, que afetam muito mais as mulheres. “As mulheres apontam para o fato de que dentro desse mundo dos ‘livres’, não encarcerados, têm vivenciado a violência sexual. Quando as mulheres visitam as prisões e são sujeitas as revistas constrangedoras, ou revistas invasivas, que utilizam buscas ou revistas vaginais e no reto, isso também constitui violência sexual”.
A filósofa também evidenciou as condições e violências sofridas por pessoas encarceradas trans, principalmente mulheres trans, e como é necessário compreender o sistema carcerário de forma mais ampla, em especial no que tange as questões de gênero, como um aparato que sustenta percepções ideológicas ou ideologias de raça e sexismo. Ela ressaltou ainda o alto índice de encarceramentos no Brasil, o quarto país em maior número, sendo majoritariamente de pessoas negras, homens e mulheres pretos/as e pardos/as. E, apesar de o maior número de encarcerados serem o masculino, nos relembrou que são as mulheres negras as protagonistas nas lutas contra o sistema carcerário “nesse sistema tão saturado pelo racismo”.
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https://jornalistaslivres.org/2017/07/angela-davis-compara-encarceramento-escravidao-moderna/

Contagem regressiva para uma guerra dos EUA contra a Venezuela*



Artigo do Moon of Alabama publicado no último dia 28 de Julho de 2017, analisa como a mídia norte-americana vem dando as pistas para uma intervenção militar dos EUA na Venezuela. A mesma estratégia de “mudança de regime” já aplicada em outros países e com o mesmo objetivo: o controle do petróleo e dos recursos naturais do país. Leia e saiba por que você a única coisa que te contam na grande imprensa é que Maduro é um “ditador”, mesmo ele tendo sido eleito e seu mandato termine apenas em 2019.

do Moon of Alabama,

No domingo (30/07/2017), em eleições gerais, a Venezuela elegeu os membros de uma Assembleia Constituinte. 50% dos representantes foram eleitos nos distritos eleitorais já existentes. 50%, em distritos eleitorais especiais: “trabalhadores”, “agricultores”, “empregados assalariados”, dentre outros. Esse segundo grupo talvez pareça estranho, mas não é sistema menos democrático que o sistema eleitoral dos EUA (norte-americano), que dá maior peso aos eleitores em estados rurais, que nos centros urbanos.
A nova assembleia formulará mudanças a serem feitas na atual Constituição. Essas mudanças serão decididas em outra votação geral. É provável que o resultado reforce as políticas favorecidas por grande maioria da população e do governo social-democrata do presidente Maduro.
A parte mais rica da população e os lobbies e governos estrangeiros tentaram impedir ou sabotar a votação. Os EUA usaram vários instrumentos econômicos para pressionar o governo da Venezuela, incluindo guerra econômica e sanções cada vez mais ferozes. A oposição organizou violentas confrontações nas ruas, atacou instituições do governo e apoiadores do presidente e convocou greves gerais.
Mas a propaganda do jornal New York Times  pinta os atos de vandalismo da oposição na capital, Caracas, como se não passassem de manifestações de pequenos grupos de umas poucas centenas de jovens quase sempre violentos insuflados pelas elites conservadoras. As greves gerais convocadas pela oposição tiveram fraca ressonância, e até o jornal Washington Post, obcecadamente anti-Maduro, teve de reconhecer:
“No setor mais rico da cidade, vários estabelecimentos comerciais fecharam, em apoio à greve convocada pela oposição, que está boicotando a votação e exigindo que seja cancelada.
As principais ruas da capital foram praticamente fechadas no início da manhã, e há notícias que a polícia havia usado gás lacrimogêneo contra grevistas no centro. Nos bairros pobres na região oeste da cidade, a greve pareceu menos ampla, com mais lojas abertas e mais pessoas pelas ruas.”
(Tradução, do propagandês do WaPo: “Nem nos bairros ricos da cidade as lojas fecharam completamente. Tentativas, pela oposição, de bloquear ruas e estradas centrais foram impedidas pela polícia. Nos bairros pobres da cidade, a greve convocada pela oposição foi simplesmente ignorada.”)
A verdade é que a oposição só é ativa nos extratos mais ricos da população e só numas poucas cidades maiores na Venezuela. As áreas rurais pobres conheceram grandes avanços nos governos socialistas e continuarão a votar com os chavistas através de Maduro.
Ontem, em coluna assinada no jornal New York Times o lobby da “mudança de regime” do Washington Office on Latin America (WOLA) [Gabinete de Washington para a América Latina] expôs os passos adiante rumo à guerra na Venezuela:
“Desde o plebiscito, a oposição venezuelana vem tomando medidas para estabelecer um governo paralelo. Pode permanecer como iniciativa simbólica. Mas se a oposição insistir nessa via, logo alcançará condições de aspirar ao reconhecimento e aos financiamentos internacionais e, pelo menos implicitamente, poderá afirmar-se como governo paralelo e exigir o legítimo monopólio do uso da força. Em seguida, poderá buscar o que qualquer governo deseja: armas para se defender. Se for bem-sucedido, o golpe na Venezuela se lançará numa guerra civil, que fará o atual conflito parecer briga a tapas em recreio de escola.”
(O Gabinete Washington para a América Latina também teve papel ativo no golpe de Hillary Clinton contra Honduras em passado recente.)
CIA pode-se dizer “transparente” sobre os planos:
“Numa das pistas mais evidentes de recente intromissão de Washington na política da América Latina, o diretor da CIA Mike Pompeo disse que “tenho esperança de que tenhamos uma transição na Venezuela e nós, a CIA, estamos fazendo o melhor possível para compreender a dinâmica naquela área”.
E acrescentou: “Estive recentemente na cidade do México e em Bogotá, há uma semana, falando sobre essa questão, tentando ajudá-los a compreender tudo que eles mesmos devem fazer de modo a obterem resultado melhor para a parte deles do mundo e para nossa parte do mundo.”
A nota prossegue:
“Na Venezuela, [o governo dos EUA] buscou enfraquecer os dois governos eleitos, de Maduro e de seu predecessor Hugo Chávez, que foi deposto brevemente num golpe em 2002. Alguns dos esforços visaram a distribuir fundos para grupos de oposição mediante organizações como National Endowment for Democracy [Dotação Nacional para a Democracia]; outros esforços aconteceram sob a forma de simples propaganda.”
Em maio de 2016 funcionários não identificados dos EUA disseram a jornalistas, num briefing reservado, que a Venezuela caía numa “crise” sempre mais profunda que podia acabar em violência.
Pode-se concluir que a violência que pode em breve abater-se sobre a Venezuela não é ação espontânea da oposição, mas efeito de um plano que está sendo posto em prática de fato desde, no mínimo, maio de 2016. E segue, muito provavelmente, o roteiro das revoluções coloridas a ferro e fogo que os EUA desenvolveram e implementaram em vários países ao longo da última década. Em seguida virão armas e apoio a uma oposição mercenária, fornecidos pelos países vizinhos que o chefe da CIA visitou, ou pelos EUA através daqueles países.

A eleição da Assembleia Constituinte prosseguiu como foi planejada. A oposição tentou sabotá-la ou, se a sabotagem não funcionou, usou de violência. É provável que armas e apoio e aconselhamento tático já tenham sido entregues através de canais da CIA pelos EUA.
O governo venezuelano é apoiado por eleitorado que supera em números, de longe, a oposição de direita alinhada com os EUA. Os militares não deram qualquer sinal de deslealdade ao governo eleito. A menos que algo imprevisível aconteça, qualquer tentativa da oposição para derrubar o governo de Maduro fracassará.
Os EUA também podem ferir a Venezuela, se interromperem as importações de petróleo venezuelano, conforme as ameaças de Trump. Mas isso provavelmente fará aumentar os preços do gás norte-americano. Criaria um inconveniente de curto prazo para a Venezuela, mas petróleo é fungível, e outros consumidores sempre aparecerão para comprar.
Os EUA já tentam derrubar governos venezuelanos desde a primeira vez que o país elegeu governo com orientação socialista, em 1999. Os EUA instigaram um golpe em 2002, que fracassou quando povo e militares opuseram-se àquela escandalosa ingerência externa. Depois disso, os métodos de “mudança de regime” mudaram, passando a contar com o apoio também de uma militante “oposição democrática” alimentada de fora do país.
Essa ‘ferramenta’ já levou a resultados desastrosos na Líbia e na Ucrânia e fracassou na Síria. Sem tem a confiança de que o governo da Venezuela analisou esses casos e construiu seus próprios planos para responder a atentado semelhante.
Os EUA ordenaram (acabam de ordenar) que familiares dos empregados da embaixada norte-americana deixassem o país. Medida que só é tomada quando se antevê ação iminente de conflito armado.
* Artigo do Moon of Alabama publicado no último dia 28 de Julho
https://jornalistaslivres.org/2017/07/contagem-regressiva-para-uma-guerra-dos-eua-contra-venezuela/#comment-2675