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1.24.2016

Democracia no futebol: protestos na CBF e o ProFut da presidenta

  • Ex-jogadores vão à sede da CBF protestar e pedir a renúncia definitiva do atual presidente, que está licenciado. O antecessor continua preso. Bom Senso pede democracia na gestão do futebol
Por redação da agência Rede Brasil Atual publicado - Sociedade e Futebol Sem Corrupção
Foto: Fabio Motta/Estadão 
Ato na CBFManifestação na porta da CBF: vergonha nacional e mundial
Revista do Brasil – Na terça-feira (19), a presidenta Dilma Rousseff assinou decreto que regulamenta a Autoridade Pública de Governança do Futebol (Apfut), que será a instância fiscalizadora da Lei do Futebol (Profut) que, segundo o governo, garantirá a efetiva modernização da gestão dos clubes. Cerca de um mês antes, na sede da CBF,n o Rio de Janeiro, ex-atletas profissionais organizam um manifesto público para pedir a renúncia do presidente da entidade, bem com a revogação de seu atual estatuto, por trás do qual se esconde a perpetuação do mesmo grupo de amigo no comando da entidade que comanda o esporte mais popular do país. Indícios de que o mundo do futebol brasileiro passa por mudanças.
Dilma anuncia medidas para modernização do futebol brasileiroCom um ex-presidente preso, outro "escondido" nos Estados Unidos e o atual licenciado, a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) tem sido objeto de questionamentos crescentes, a exemplo do que acontece em outros países, com cartolas no alvo de investigações por corrupção. No final de 2015, o Bom Senso, coletivo organizado por atletas e ex-atletas profissionais, fez uma manifestação diante da sede da entidade, no Rio de Janeiro, para pedir mudanças – basicamente, democracia na gestão do esporte.
"Exigimos a renúncia definitiva de Marco Polo Del Nero e sua diretoria, seguida da convocação de eleições livres e democráticas para o comando da CBF, sem a atual cláusula de barreira, mecanismo que impede a aparição de posições independentes ao sistema vigente, pois exige oito assinaturas de federações e mais cinco de clubes para candidaturas", afirmaram os manifestantes em documento. "O mais importante é quebrar esse sistema e partir do zero", afirmou o ex-jogador Raí. "O manifesto é público, não necessita de entrega. Esperamos que a resposta também seja pública."
Para o Bom Senso, a sucessão na CBF (depois de Ricardo Teixeira, vieram José Maria Marin e Marco Polo Del Nero) se baseou em um estatuto "viciado", feito para o mesmo grupo se perpetuar no poder. Os atletas acreditam que só com profundas mudanças na estrutura da entidade poderão ser criadas as condições “para a reconstrução da credibilidade, confiança e retomada do protagonismo esportivo do futebol brasileiro, de seus jogadores, da alegria do jogo e, principalmente, dos torcedores”.
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Dilma assina leis de modernização do futebol brasileiro
Em uma CPI no Congresso, em dezembro, Del Nero disse ser inocente e que só se licenciou para poder se defender das acusações.
Signatário do manifesto, o ex-jogador e colunista Tostão chamou a CBF de “vergonha nacional e mundial” e pediu união dos clubes em torno de uma liga nacional, para abandonar “as promíscuas amarras” e mudar a “estrutura da entidade e do futebol”.
Fonte - http://www.redebrasilatual.com.br/esportes/2016/01/chega-de-bola-fora-democracia-no-futebol-7051.html

Em Minas Gerais, terras invadidas por fazendeiros são retomadas por povos tradicionais

  • Retomadas de terras griladas (invadidas) por fazendeiros e reconquistadas por povos tradicionais mineiros
  • Acampamento Mãe Romana, lutas de um passado que não passa, vidas de um futuro 
    que sempre está por vir

Por redação da agência Rede Brasil Atual - Sociedade e Justiça Social no Campo
 sertaoSertanejo no São Francisco; Comissão da Verdade do Grande Sertão abrange um centro e norte de Minas e Jequitinhonha

Essa história já foi fartamente contada – Saluzinho viveu até 2007. Ele mesmo pôde narrar os fatos. Ainda assim, Daniel seu filho é um verdadeiro achado da Comissão da Verdade do Grande Sertão, porque ele quer virar o holofote para a história da mulher de Saluzinho, sua mãe. Enquanto o marido estava preso, Dulce Gonçalves de Araújo definhava. Morreu alguns meses depois, em decorrência de torturas. A mesma polícia que lutava na gruta contra Salu pendurou-a de cabeça pra baixo, nua, queimou o bico dos seus seios e introduziu galhos de árvore em seu ânus.
Depois de tudo isso, a alma da mulher adoeceu. O corpo logo se entregou também. Daniel era muito pequeno, mas lembra. “Eu lembro de minha mãe como um sonho. Ela era muito calada, não era de muitas palavras.” Daniel não é mais o menino de 4 anos que perdera a mãe, mas os olhos marejam como se fosse. Revirar as poucas lembranças que tem é uma missão, desde que seu irmão morrera, há cerca de quatro meses. “Se eu não for atrás disso, nunca vou saber o que aconteceu. Eu sou o último. Se eu não falar, a história vai morrer comigo.” Quando é questionado sobre o local do túmulo de Dulce, Daniel tem os olhos verdes inundados outra vez. “Não sei.”

Os acampamentos Mãe Romana, em Matias Cardoso, e Santa Fé, em São João da Ponte, são dois exemplos do que está acontecendo aos montes hoje no sertão mineiro. São as chamadas retomadas das terras invadidas por grandes fazendeiros. Grupo de populações tradicionais estão retomando para si o local de onde foram expulsos os seus parentes durante os anos 1960 e 1970. Quilombolas, vazanteiros, geraizeiros e outros povos tradicionais estão ocupando fazendas em busca de permanecer no território ancestral. O momento é de ebulição.
“Quando fazemos os relatórios antropológicos entramos nessas fazendas e eles vão apontando ‘aqui tá enterrado fulano’, ‘aqui acontecia tal coisa’, então, fazemos o levantamento do que chamamos de marcos de territorialidade. A historicidade está marcada no espaço que eles ocupavam e que foi expropriado nos anos 60 e 70. Em decorrência de estarem próximos aos seus territórios, ao se reconhecerem no artigo 68 do Ato das Disposições Transitórias, nos artigos 215/216 da Constituição, esse pessoal partiu pra luta”, relata o antropólogo e professor da Universidade Estadual de Montes Claros, João Batista Almeida Costa, também pesquisador da Comissão da Verdade.
Território para eles não é sinônimo de terra. Território é aquele pedaço de chão em que viveram avós e bisavós, aquele cantinho onde Mãe Piana fez o parto de mais de 2 mil crianças. A terra é consequência. Na terra se planta e colhe, no território brotam histórias. E lá se quer ficar. Porque a memória é algo que nem a mais torpe das ditaduras poderá usurpar.
O caso de Saluzinho é um exemplo, que passou cerca de quatro anos encarcerado como preso político no Departamento de Ordem Política e Social (Dops) de Belo Horizonte. Durante esse período aprendeu a ler um pouco mais e ampliou sua noção sobre direitos humanos. Antes, ele era um posseiro valente e indignado. “Era difícil naquele tempo falar em direito, pobre não tinha direito. Hoje, graças a Deus, nós estamos aqui falando com vocês. Isso é uma honra. Naquele tempo não tinha isso, era bala, cadeia e porrete”, diz Daniel. A história de seu pai tornou-se livro, Saluzinho, Luta e Martírio de um Bravo, escrito (2014, Editora D’Placido) pelo jornalista mineiro Leonardo Alvares da Silva Campos, que traz um apanhado de recortes de jornais com diversas versões sobre o ocorrido.
Essa história já foi fartamente contada – Saluzinho viveu até 2007. Ele mesmo pôde narrar os fatos. Ainda assim, Daniel seu filho é um verdadeiro achado da Comissão da Verdade do Grande Sertão, porque ele quer virar o holofote para a história da mulher de Saluzinho, sua mãe. Enquanto o marido estava preso, Dulce Gonçalves de Araújo definhava. Morreu alguns meses depois, em decorrência de torturas. A mesma polícia que lutava na gruta contra Salu pendurou-a de cabeça pra baixo, nua, queimou o bico dos seus seios e introduziu galhos de árvore em seu ânus.
Depois de tudo isso, a alma da mulher adoeceu. O corpo logo se entregou também. Daniel era muito pequeno, mas lembra. “Eu lembro de minha mãe como um sonho. Ela era muito calada, não era de muitas palavras.” Daniel não é mais o menino de 4 anos que perdera a mãe, mas os olhos marejam como se fosse. Revirar as poucas lembranças que tem é uma missão, desde que seu irmão morrera, há cerca de quatro meses. “Se eu não for atrás disso, nunca vou saber o que aconteceu. Eu sou o último. Se eu não falar, a história vai morrer comigo.” Quando é questionado sobre o local do túmulo de Dulce, Daniel tem os olhos verdes inundados outra vez. “Não sei.”

Afirmação e pertencimento
O antropólogo João Batista Almeida Costa, professor da Universidade Estadual de Montes Claros e pesquisador da Comissão da Verdade do Grande Sertão, fala em entrevista a Rede Brasil Atual sobre a “construção política da identidade”.
Foto: Ana Mendes/Rede Brasil Atual joao batista
Antropólogo João Batista: historicamente populações vêm lutando por seus espaços territoriais
A Comissão da Verdade do Grande Sertão pretende dar conta desse lugar, o grande sertão. Que território é esse?A dimensão administrativa do estado não recobre toda a área que temos contato, isto é, a área de pessoas que estão vinculadas à comissão, pessoas dos movimentos sociais locais. Então, a comissão entrará, além do norte de Minas, no noroeste e também no Vale do Jequitinhonha. Decorrente dessa “quebra” administrativa, como então nomear a comissão? Todos nós somos leitores de João Guimarães Rosa, e exatamente quando ele fala de grande sertão, se refere a essa região. Se a gente for cartografar o Grande Sertão de Guimarães, no trecho de Minas Gerais, é exatamente essa área de atuação: um pedaço do centro, o norte de Minas e o Vale do Jequitinhonha. Riobaldo, no seu périplo, nasce no centro, vai pro norte, pro Jequitinhonha e ao final pro noroeste.

Seu trabalho é uma referência para quem quer falar de populações tradicionais do norte de Minas Gerais. Qual vai ser a importância da Comissão para a questão das violações no campo, junto a esses povos?A Comissão Nacional e a Estadual, quando olham para a realidade, não conseguem recobrir todas as situações. Aqui, o exemplo de Cachoeirinha veio à tona (nos relatórios dessas comissões), mas não a utilização da estrutura repressiva do Estado como aliada no processo de expropriação territorial. Isso ocorreu em todo o país, aqui não seria exceção. Até a entrada do norte de Minas na área de atuação da Sudene (Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste), a grande maioria das terras era devoluta, o tipo de sistema produtivo era a criação extensiva de gado solto. Gado solto na chapada, nos vales e que só era campeado anualmente no período próximo à parição das vacas. Nesse momento se aproveitava para fazer vacinação. O gado criado solto era reconhecido porque era marcado com o ferro de cada proprietário. E não havia cercas impedindo a terra, tanto que tem uma marcha que diz “êta, mundão sem cancela”. O gado transitava por esse mundão e os vaqueiros em busca dele passavam léguas e léguas, grandes distâncias, campeando. A partir da entrada na Sudene, a terra passa a ter valor econômico. Ao mesmo tempo, há o financiamento da transformação da fazenda em empresa agropecuária. Isso se dissemina. Com o apoio explícito do estado, por meio da Ruralminas (Fundação Rural de Minas) e com o apoio velado, por meio das polícias Militar e Civil e do Dops, as elites (médicos, dentistas, advogados, fazendeiros, comerciantes, professores, pessoal da emergência local) com bandos de jagunços foram terra adentro – terras de quilombos, terras dessas populações.

E sobre os casos de Saluzinho e do massacre dos posseiros de Cachoerinha?Saluzinho morava no território que hoje pertence a Brejo dos Crioulos (quilombo). Em 1920, um agrimensor que é chamado por um fazendeiro de São João da Ponte para processar a divisão de duas fazendas, a Arapuá e a Ouro Preto. Eles adotaram, então, a seguinte estratégia: criam faixas de terras pras pessoas que viviam ali e entre essas faixas de terras põem glebas, deram o nome de Glebas de Ausentes. Nos anos 1960, quando começa o processo de afazendamento da elite regional, esses agrimensores vão vender essas glebas. O caso de Cachoeirinha é clássico nesse sentido. Vendem ao coronel Giorgino umas glebas de terra e a Constantino outras. O bando de jagunço, então, começava a pressionar as pessoas a vender as terras. Como eles não conseguem, começam a pôr fogo nas plantações, a matar e roubar o gado. O caso de Cachoeirinha é esse, e o de Saluzinho também. Houve então a revolta de Cachoeirinha em perder a terra, e Saluzinho age isoladamente. Desse jeito, eles conseguiam tomar as terras das pessoas, com violência extrema.

Brejo dos Crioulos hoje é um quilombo.Cachoeirinha também é historicamente um quilombo.
Só que naquele momento a figura de quilombo ainda não tinha sido “inventada” pela Constituição.

Como foi a incorporação dessas leis entre os povos tradicionais e o que isso tem a ver com os atuais processos de retomada? Historicamente, essas populações vêm lutando pela permanência em seus espaços territoriais desde o processo de expropriação dos anos 60 e 70. Quando trabalhei na Secretaria de Trabalho do Estado como técnico de desenvolvimento rural, viajava a diversas regiões, e a grande reivindicação dessas populações sempre foi a permanência no espaço territorial deles. Para conseguir isso, já “foram” trabalhador rural sem-terra, agricultor, pequeno proprietário, posseiro. Mas quando se dissemina na região a informação de que havia, no caso dos quilombos, um artigo na Constituição dizendo que o Estado deveria regularizar as suas terras imediatamente, mais de 80 comunidades no norte de Minas, em um espaço de três anos, vão se autoafirmar como quilombo e reivindicar a regularização fundiária. E as outras populações que estão em conflito, na luta contra eucalipto, fazendeiro e mineração, ao tomar conhecimento de que no artigo 215/216 diz que o Estado deve garantir a manutenção do modo de fazer, de viver, de pensar e de criar dos grupos formadores da nacionalidade brasileira demandam então uma assessoria (antropológica) para conseguir a permanência em seus territórios. Aí entra o caso dos vazanteiros, dos geraizeiros, caatingueiros, veredeiros e outros.

É impressionante ver a quantidade de retomadas que há no norte de Minas. Parece similar com o que fizeram os povos indígenas nos anos 80, quando começaram a voltar para os seus territórios sob essa mesma justificativa, a ancestralidade. É isso que está acontecendo com os quilombolas? Na verdade, eles não saíram. Tem uma categoria que a gente utiliza que é a do “encurralamento”. Eles foram expulsos de suas terras, mas havia sempre uma Terra de Santo nas proximidades. Eles se deslocam pra essas Terras de Santo e permanecem trabalhando. Isso é inclusive uma estratégia dos fazendeiros, porque, então, você tem mão de obra barata pra o trabalho na fazenda. Você tem no entorno da fazenda uma comunidade rural negra. No caso do Vale do Verde Grande, que a gente chama de Território Negro da Jaíba, tem 82 comunidades que se reconhecem como quilombola. E ficam situadas entre fazendas, em pequenas áreas de terra, um hectare, dois, três. Sendo que toda a terra em volta foi pertencente às famílias deles. Quando fazemos os relatórios antropológicos entramos nessas fazendas e eles vão apontando “aqui tá enterrado fulano”, “aqui acontecia tal coisa”, então, fazemos o levantamento do que chamamos de marcos de territorialidade. A historicidade está marcada no espaço que eles ocupavam e que foi expropriada nos anos 60 e 70. Em decorrência de estar próximos aos seus territórios, ao se reconhecer no artigo 68 do Ato das Disposições Transitórias, artigos 215/216 da Constituição, esse pessoal partiu pra luta. O que emerge? A construção política de uma identidade. Se afirmam como vazanteiro, veredeiro, quilombola, apanhador de flor, revisitando o passado pela memória do grupo pra afirmar o seu pertencimento a esse espaço. Isso tem acontecido muito.
Fonte - http://www.redebrasilatual.com.br/revistas/113/a-verdade-vai-sendo-desenterrada-no-grande-sertao-3276.html