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1.28.2023

Ações para manter a democracia brasileira

A consciência de sociedade equilibrada, com os devidos direitos civis e cidadania resgatados em nossa fragilíssima democracia, requer uma Administração Federal, tanto nas áreas civil e militar, sob controle de pessoas civis, no qual as ações militares se atenham ao seu verdadeiro papel da defesa nacional, contra riscos estrangeiros

por Mazinho Vieira no blog Mangue do Cachoeira – Sociedade, Brasil e Democracia Frágil


 





foto na internet. Tentativa golpe 18 jan 2023, grupo de radicais invadiu o congresso nacional e o supremo

No Brasil, nos 3 poderes da republica (executivo, judiciário e legislativo) faltam políticas públicas de memória quanto aos direitos civis e de cidadania.

Deverá haver no mínimo uma Secretaria Federal de Memória e Segurança Pública, talvez no organograma do Ministério da Justiça, Secretaria de Segurança Pública .

Quando a ditadura (golpe64) foi derrubada, os dados de estudiosos e principais informações sobre esse tipo de tema deveria estar disponível na Secretaria Federal de Memória e Segurança Pública. Está faltando a já conhecida "transição" do poder militar, após a sociedade civil ter assumido o poder executivo, como nos vizinhos Argentina, Uruguai, Chile e outros países no globo.

A atuação e conscientização dos movimentos civis atuantes, para exigirem essas ações do Governo Federal Executivo é por demais importantes, principalmente após a tentativa de golpe em 18/jan/2023.

Faz-se urgência de projeto de lei elaborado por conselho na sociedade civil, no qual juristas que dominem a Constituição Federal possam encaminhar por partidos políticos que apoiem o executivo consigam transformar em lei. Com iniciativa semelhante, será possível acordar com o STF ação, que venha a evitar futuras tentativas de golpe de estado por militares, empresários, banqueiros, membros do judiciário entre outros, que tenham considerável tendência golpista.

A consciência de sociedade equilibrada, com os devidos direitos civis e cidadania resgatados em nossa fragilíssima democracia, requer uma Administração Federal, tanto nas áreas civil e militar, sob controle de pessoas civis, no qual as ações militares se atenham ao seu verdadeiro papel da defesa nacional, contra riscos estrangeiros.

Seguem abaixo textos, que servem para comprovar e apoiar a sugestão de iniciativa brasileira para manter o equilíbrio social perene em nosso país.

CIA apontou risco de golpe militar no dia 8/01


 




Policiais Militares do DF confraternizam com vândalos fascistas no dia do ataque à Brasília. Foto: reprodução


CIA alertou governo Biden sobre chance de golpe no dia 8/jan, aponta jornalista e provas de envolvimento de alta patente de militares tem crescido nos últimos dias

por Felipe Annunziata no jornal A Verdade – Sociedade e Alto Escalão das Forças Armadas em 8.jan.23

Segundo o jornalista Renato Souza, do portal R7, no dia do ataque fascista à Brasília, a CIA alertou ao governo estadunidense da chance de golpe militar naquele dia (8/01). A informação teria sido confirmada por fontes no governo federal do Brasil e autoridades diplomáticas aqui e nos EUA.

Os EUA mantém a décadas uma forte cooperação militar com as forças armadas brasileiras. É por meio dessa cooperação que o imperialismo norte-americano tenta manter sob o controle dos seus interesses os militares brasileiros.

No ano passado, o Congresso dos EUA aprovou uma resolução que dizia que se houvesse qualquer golpe o governo estadunidense teria que romper essa cooperação e relação comerciais com nosso país. A medida foi entendida como uma forma do Partido Democrata se resguardar no caso de Bolsonaro tentar um golpe, já que a permanência do fascista poderia ajudar o fascista do Partido Republicano, Donald Trump, nas eleições de 2024 naquele país.

Decreto golpista e depoimentos de presos incriminam militares

O evidente envolvimento de militares, especialmente generais e altos oficiais, vem sendo comprovado nos últimos dias. Já no dia 9, a Polícia Federal encontrou uma proposta de decreta que estabelecia um “Estado de Defesa” no TSE. O documento foi achado na casa do ex-ministro da justiça de Bolsonaro, Anderson Torres.

Na proposta de decreto o então governo Bolsonaro imporia uma intervenção no Poder Judiciário e mudaria o resultado da eleição. Isto se daria pela constituição de uma “Comissão de Regularidade Eleitoral”, que teria 17 pessoas, sendo ao menos 8 militares. Na prática se imporia uma junta militar na justiça eleitoral do Brasil.

Outros elementos de prova vem surgindo desde o início das investigações. Em depoimento à Polícia Federal, o ex-comandante geral da PMDF Fábio Augusto, afirmou que em dezembro os policiais tentaram desalojar o acampamento golpista em frente ao QG do Exército, mas foram impedidos pelas forças armadas. Fábio Augusto está preso desde a semana passada por suspeita de omissão e conivência com os ataques fascistas.

Vários depoimentos dos fascistas presos ao longo da semana passada corroboram este relato. Alguns depoimentos chegam a dizer que militares do exército deixaram os vândalos golpistas entrarem no Palácio do Planalto.

Prisão dos generais fascista é urgente

É impossível os fascistas terem feito o que fizeram em Brasília não fosse o apoio das forças armadas. Desde novembro que generais, almirantes e brigadeiros consentem com os acampamentos dos criminosos ao lado de quartéis de todo país.

É preciso fazer uma ampla faxina das forças militares. Demitindo, processando e prendendo altos oficiais golpistas e mudando radicalmente a formação dos militares.

Até hoje os militares são ensinados que o golpe de 1964 é uma revolução e que a Ditadura Militar Fascista foi boa para o Brasil. São treinados dia e noite a odiarem as organizações populares e ser contra os direitos do povo trabalhador. É preciso dar um basta nisso. Não pode haver conciliação com militares golpistas e fascistas.

Fonte: Jornal A Verdade

A última ofensiva na busca de justiça contra torturadores sul americanos

Jair Krischke (historiador ativista) se une a Adolfo Esquivel (ativista argentino) para mover processo contra agentes suspeitos de ligação com sumiço de jornalista em 1971

“A causa está andando bem. Talvez seja a última oportunidade de punir essa gente. Todos estão velhos, como eu”, Jair Krischke , historiador e fundador do Movimento de Justiça e Direitos Humanos

por Vinicius Valfre no Estadão – Sociedade e Luta por Liberdade e Direitos Civis Brasileiros



 


Vinicius Valfre em 10/12/2022- historiador Jair Krischke no escritório do Movimento de Justiça e Direitos Humanos, em Porto Alegre RS


Aos 84 anos, o historiador Jair Krischke é um dos mais longevos caçadores de torturadores da América do Sul. Há quase 50 anos, ele mantém uma cruzada contra agentes da tortura das ditaduras que marcaram a vida política e social dos países do continente entre 1960 e 1980. Agora, o ativista gaúcho vive a expectativa do que pode ser sua última grande investida contra um grupo acusado de violações de direitos humanos.

Krischke se uniu ao ativista argentino Adolfo Pérez Esquivel, Nobel da Paz, para mover na Justiça do país vizinho um processo contra agentes torturadores envolvidos com o desaparecimento do jornalista paulista Edmur Péricles Camargo, conhecido como “Gauchão”, militante do PCB, no Aeroporto de Ezeiza, em junho de 1971. Um diplomata e dois oficiais brasileiros são citados na denúncia. A ação é de novembro de 2021 e as primeiras deliberações judiciais são consideradas positivas. “A causa está andando bem. Talvez seja a última oportunidade de punir essa gente. Todos estão velhos, como eu”, afirmou Krischke, ao Estadão.

É uma luta contra a impunidade.

O gaúcho de voz grave e sotaque forte é um dos maiores nomes dos direitos humanos do Cone Sul. O reconhecimento se dá em função do trabalho que desempenha à frente do Movimento de Justiça e Direitos Humanos (MJDH). Criado há mais de 40 anos, o movimento poupou inúmeras vidas de perseguidos políticos por ditaduras latino-americanas e denunciou um sem-número de agentes envolvidos na Operação Condor – um acordo clandestino entre as ditaduras de Brasil, Argentina, Chile, Uruguai, Bolívia e Paraguai, com o aval do governo dos Estados Unidos.

Krischke recebeu a reportagem no escritório do MJDH, que fica localizado no Edifício das Missões, em Porto Alegre. Ironicamente, o corte de gastos levou a entidade a uma sala que já foi usada pelo Serviço Nacional de Informações (SNI) na ditadura. A janela da sala principal tem vista privilegiada para a famosa Esquina Democrática, icônico espaço de manifestações políticas e culturais da capital gaúcha.

No Brasil , o STF proíbe punições a torturadores

Ele avalia que as chances de punições no Brasil são nulas desde que o Supremo Tribunal Federal (STF) entendeu que a anistia alcança os repressores e a Justiça não interpreta os crimes praticados por agentes do Estado como de lesa-humanidade. Nenhum torturador foi punido no Brasil desde o fim da ditadura militar, em 1985. Por isso a investida judicial no estrangeiro. “A impunidade ficou chancelada pelo STF. No mês passado, a Justiça uruguaia mandou prender dois militares, 44 anos depois do episódio. É crime de lesa-humanidade, não prescreve. Mas a Justiça brasileira não interpreta assim, mesmo o País sendo signatário de convenções internacionais”, afirmou.

Antes de mover a ação com Esquivel, o brasileiro amargou uma derrota após 22 anos de trabalho. Corria o ano de 1999 quando Krischke depôs à Justiça da Itália pela primeira vez e apresentou informações sobre a Operação Condor – o historiador é um dos maiores especialistas sobre o tema. Entre as vítimas, brasileiros com cidadania italiana, o que permitiria a tramitação de um processo no país europeu. Denunciou 12 militares e um delegado. “A sentença estava prevista para outubro de 2021. Em agosto morreu o último réu, o coronel Átila Rohrsetzer. Você não imagina a frustração que aquilo me deu. Foram 22 anos de trabalho. Me refiz do baque e iniciamos uma causa nova na Argentina”, contou.

Depois da Ditadura de 1964, o Brasil não Libertou-se dos Militares

Para o ativista, o Brasil sente os efeitos da falta de uma Justiça de transição adequada e da ausência de uma política pública de memória. Esses fatores, disse ele, contribuíram para a ascensão do bolsonarismo e não garantem segurança na subordinação dos militares ao poder civil.

“No Brasil não houve transição. Houve transação. Tancredo Neves era aceitável para os militares em 1961 (quando virou primeiro-ministro com a renúncia de Jânio Quadros). Foi de novo em 1985 (candidato à Presidência na eleição indireta). É uma grande negociação que vem vindo. Sarney aceitou, Collor, FHC e Lula aceitaram. E o Lula está aceitando de novo. Não entenderam que militar deve estar subordinado ao poder civil”, afirmou Krischke. “Os militares no Brasil até hoje só desocuparam a praça, mas continuam manobrando”, observou.

A ofensiva do ativista nos arquivos públicos e nos tribunais ao longo das últimas décadas não é apenas uma batalha quase inglória por justiça. As investidas de Krischke contra agentes dos regimes de exceção contam uma história de Estados e governos que agiram com violência contra gerações.

Publicado no Estadão: 22 Jan 2023

Fonte: https://www.estadao.com.br/politica/cacador-de-torturadores-se-une-a-nobel-da-paz-para-uma-ultima-ofensiva-contra-agentes-da-repressao/

 

1.23.2023

No Brasil, rever o papel das forças armadas é urgente

Militares dominam a Amazônia na América do Sul, pois grandes capitalistas globais exigem o extrativismo na América Latina

 

por Raúl Zibechi* no IHU Unisinos – Sociedade e Homus Demens na Terra?

 


 

Figura em https://static.todamateria.com.br/upload/he/nf/henfildesenho.jpg

 

“Governo Federal e Presidente estão sendo encurralados pela aliança militar-empresarial-política-judicial que não buscam derrubá-lo, mas lhe impor condições. A principal delas, segundo a professora da Escola Florestan Fernandes do MSTSilvia Adoue, é manter o controle militar da Amazônia, a principal fonte de recursos do Brasil e base das cadeias de valor e acumulação de capital em escala global na atualidade”, escreve Raúl Zibechi

 São surgindo novos dados que confirmam o papel das Forças Armadas na invasão ao ParlamentoPalácio do Governo e Supremo Tribunal, em Brasília, no domingo, 8 de janeiro de 2023. Diminui a suspeita de que os invasores (terroristas segundo os meios de comunicação e as autoridades) contaram com a simpatia e o apoio pontual dos militares, pelo contrário, foram eles os organizadores do evento.

Nada menos do que o conhecido jornal estadunidense The Washington Post trouxe a manchete, em 14 de janeiro: “Exército do Brasil bloqueou a prisão dos agitadores do ex- presidente derrotado nas eleições de 2022”. O jornal afirma que o general da ativa e ex-ministro do exército, Júlio César de Arruda, disse aos altos funcionários do governo do atual Presidente, entre eles o ministro da JustiçaFlávio Dino: “Aqui, vocês não vão prender as pessoas”.

Essa demora deu tempo para que milhares de acampados em frente ao quartel de Brasília se retirassem, evitando a prisão. O jornal aponta um “padrão preocupante” no “conluio de militares e policiais” com os invasores das principais instituições da República. Inclusive, afirma que um alto oficial da Polícia Militar dava ordens no momento da invasão.

“Antes do domingo (8 de janeiro), em duas ocasiões, os militares tinham impedido que as autoridades desocupassem o acampamento em frente ao Quartel Geral em Brasilia”, explica The Washington Post, com base no depoimento de um ex-comandante da Polícia Militar da capital.

No entanto, o jornal opera na mesma direção que os meios de comunicação brasileiros e o próprio governo federal atual, ao atribuir a invasão a personagens isolados dentro do exército, do empresariado e dos políticos de oposição. O ministro Dino, ex-integrante do PCdo B e atualmente no PSB, afirma que a tentativa de golpe não foi financiada por instituições, mas por atividades econômicas ilegais, como a mineração e o agronegócio ilegais, e os que traficam com agrotóxicos e fertilizantes e ocupam terras indígenas e públicas.

Nada mais longe da realidade. As Forças Armadas estão envolvidas como instituição na invasão em Brasília. O antropólogo Piero Leirner, que há 30 anos pesquisa as Forças Armadas do Brasil, em uma entrevista ao jornal Folha de São Paulo, afirma que “comparar os ataques em Brasília ao Capitólio oculta o papel dos militares”.

Fornece muitos dados concretos: entre os invasores havia militares da reserva e parentes de militares. Milhares ficaram meses acampados em frente a quartéis e próximos ao Centro de Inteligência do Exército, em Brasília. O general Villas Bôas (que divulgou um tuíte no dia em que Lula seria julgado, quando iria assumir ministério no governo Dilma, para que fosse preso) passou de carro pelo acampamento de Brasília.

Por isso, conclui que “os militares davam direção a esse movimento e apoiavam os acampamentos”. Se em algum momento o Exército tivesse declarado que as eleições foram legítimas, o movimento já teria sido dissolvido em novembro, quando começaram os acampamentos. Mais ainda, afirma que se eles não tivessem interesse, “as invasões não teriam ocorrido”.

O que existe, enfatiza Leirner, é um projeto de longo prazo para gerar um centro político fraco, que possibilite preparar “uma arquitetura legal que permita a efetiva blindagem dos militares”, já que os fardados observaram com horror o que aconteceu na Argentina, após a ditadura, quando as juntas foram julgadas e processadas, havendo vários militares presos naquele país até hoje.

Nesse sentido, Bolsonaro e o bolsonarismo são bonecos de palha destinados a absorver as críticas à gestão que, concretamente, correspondeu às Forças Armadas que ocuparam milhares de cargos em seu governo. Acreditam, inclusive, que podem promover uma nova lei anti-terrorista, ainda mais dura do que a aprovada por Dilma Rousseff, em 2016, com o objetivo de bloquear os movimentos sociais.

Os exemplos de PeruColômbiaEquador e Chile deveriam ser abordados como novas manifestações do terrorismo, como vem afirmando a presidente Dina Boluarte, em Lima.

Os empresários também estão cerrando fileiras contra a democracia e o novo governo federal. No dia 16 de janeiro de 2023, ocorreu um golpe na Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo), a principal associação empresarial do Brasil. Uma assembleia de sindicatos empresariais destituiu o presidente, Josué Gomes da Silva, por ter se manifestado a favor da democracia, durante a campanha eleitoral, que concretamente foi um apoio ao então candidato a presidente, Lula.

Segundo o jornal conservador Folha de São Paulo, o articulador da destituição foi Paulo Skaf, que dirigiu a Fiesp por 17 anos e foi um dos principais apoiadores das manifestações pós-2013 contra o PT e pela destituição da presidente Dilma Rousseff, em 2016.

Em suma, Lula está sendo encurralado pela aliança militar-empresarial-política-judicial que não busca derrubá-lo, mas lhe impor muitas condições. A principal delas, segundo a professora da Escola Florestan Fernandes do MSTSilvia Adoue, é manter o controle militar da Amazônia, a principal fonte de recursos do Brasil e base das cadeias de valor e acumulação de capital em escala global.

Em toda a América Latina, estamos transitando para um novo modelo de sociedade. “As Forças Armadas brasileiras mapearam e abriram o território à exploração intensiva na Amazônia, seja da agropecuária ou da mineração”, destaca Adoue. Os militares garantiram na democracia o controle desses territórios e, durante os quatro anos da administração do governo federal anteiror, “o controle militar sobre a Amazônia aumentou, organizando e garantindo a atividade extrativa, tanto a legal como a ilegal”.

Portanto, precisamos de dois passos dos movimentos sociais de esquerda brasileiro:

 - o primeiro é esclarecer como o poder militar, através do “partido militar” atua no Brasil.

 - o segundo é debater o que vamos fazer diante disto, porque possuem as armas, são o poder por trás do trono presidencial e não vão se sujeitar (nunca se sujeitaram) à inexistente “legalidade democrática” no Brasil, na América do Sul ou mesmo na América Latina.

*Raúl Zibechi, jornalista e analista político uruguaio, em artigo enviado pelo autor ao Instituto Humanitas Unisinos – IHU

Tradução: Cepat

Publicação IHU Unissinos: 20 Janeiro 2023

Fonte: https://www.ihu.unisinos.br/categorias/625707-em-edicao-militares-guardioes-do-extrativismo-na-america-latina-artigo-de-raul-zibechi

 

1.20.2023

Pirataria Digital Moderna x Direitos Civis: como as big tech's controlam as atividades comerciais e atacam a educação brasileira...

 Como as big tech's colonizam a educação brasileira

Tecnologia em disputa

por EPSJV/Fiocruz em Outras Palavras (OUTRASMÍDIAS) e BdF – Sociedade e pirataria global nas comunicações

 Imagem no BdF

A socióloga estadunidense [Shoshana] Zuboff fala que um dos golpes do capitalismo de vigilância é tomar para si os direitos de privacidade. Há um deslocamento da privacidade. Não é algo que possa ser requerido pelos usuários, mas é algo que é amplamente utilizado pelas empresas, porque os algoritmos são propriedade industrial, ninguém tem acesso a isso, a gente não sabe o que eles fazem com os dados. Eles estão sempre buscando brechas legais para transferir os dados para os Estados Unidos.

Google, Microsoft, criam parcerias com secretarias estaduais brasileiras. “Gerenciam” dados públicos valiosos. Lucram com o ensino remoto – e com o desmonte da infraestrutura digital das universidades públicas. Como, então, regular essa captura de autonomia?

Leonardo Cruz em entrevista a André Antunes, na EPSJV/Fiocruz

O avanço das tecnologias digitais desenvolvidas por grandes empresas como Google, Microsoft, Facebook e Whatsapp (Meta), Apple e Amazon sobre a educação pública no Brasil, tem causado preocupação entre pesquisadores da área. Um processo cujos marcos iniciais se deram a partir de meados da década passada na educação superior, principalmente devido a demanda crescente por infra-estrutura para armazenamento de e-mails nas instituições educacionais públicas, cujos orçamentos vêm passando por sucessivos cortes ano após ano, mas que se espraiou com velocidade também na educação básica.

Também devido à demanda criada pela adoção do ensino remoto (ou a distância) durante a pandemia de Covid-19. Nesta entrevista abaixo, o pesquisador Leonardo Cruz, da Universidade Federal do Pará (UFPA), membro da Rede Latino-Americana de Estudos sobre Vigilância, Tecnologia e Sociedade (Lavits), argumenta que a dependência crescente dos serviços públicos em relação a empresas como por exemplo a Google é motivo de alerta. Ainda há muito pouca transparência sobre o que é feito dos dados educacionais obtidos de milhões de estudantes, professores e gestores a partir do uso de ferramentas desenvolvidas por empresas big data ‘s.

Para Leonardo Cruz, a apropriação privada de uma quantidade enorme de dados digitais produzidos pelos serviços públicos brasileiros (em geral) e seu armazenamento nas data centers (espécie de super-memórias centrais) localizados nos Estados Unidos — cujas leis que regulamentam o acesso a esses dados, são mais flexíveis e não têm sido capazes de conter vazamentos frequentes. Assim, são levantados demandas políticas, que precisam ser encaradas com urgência.

Você utiliza o conceito de ‘capitalismo de vigilância’, como chave de leitura para compreender o processo de avanço das tecnologias digitais sobre a educação pública. Pode falar mais sobre ele?

  Leonardo Cruz. Foto no BdF/  Arquivo pessoal

O conceito foi criado pela socióloga estadunidense Shoshana Zuboff. Ela foi a primeira autora que conseguiu dar uma forma teórica a um modelo de negócio, um novo avanço do capitalismo digital, a possibilidade de criar um mercado sobre os dados gerados nas nossas comunicações mediadas pelas tecnologias digitais (big data ‘s). Shoshana começou a pesquisar isso com a digitalização dos escritórios, na década de 1980 ainda, quando começaram a pensar as possibilidades de conhecimento e controle sobre um espaço através dos dados que ele gera. Isso começou a se dar através de um controle do trabalho dentro dos espaços informatizados ou datificados. E um ponto interessante é que o começo da exploração desses dados se deu a partir de dados gerados automaticamente no funcionamento de qualquer programa conectado em rede, por uma questão da própria organização do programa: que máquina conectou com que máquina, que horas essa máquina entrou no sistema, que horas saiu, o que foi comunicado entre uma máquina e outra. São dados utilizados com um propósito de funcionamento da internet, das redes, da possibilidade protocolar de comunicação entre computadores. O pulo do gato é que agora já existem dados que são coletados especialmente para “vigilância econômica”. Mas a princípio, começaram a ver que esses dados eram valiosos, como forma de conhecimento sobre uma determinada população. Essa primeira população foram os trabalhadores de escritórios. Foi a Google quem teve a ideia pioneira de conhecer como as pessoas utilizam seus aplicativos / plataformas e entender como ela poderia utilizar isso como commodity , dentro de toda a estrutura capitalista.

As empresas mais valiosas do mercado financeiro global hoje, têm atividades voltadas a coleta de dados e produção de plataformas. E isso se tornou uma mercadoria muito valiosa, altamente centralizada, monopolizada por um pequeno número de grandes empresas (ou big data ‘s) e que agora estruturam as demais esferas da sociedade, sobretudo a educação pública, o trânsito, as comunicações, várias esferas de trabalho, de sociabilidade entre outras. E isso começa a entrar no nível infra-estrutural, o que torna a gente cada vez mais dependente dessas plataformas das big data ‘s.

Como esses dados viram mercadorias?

O processo é assim: existe uma quantidade enorme de dados que são produzidos na utilização das ferramentas, por exemplo, da Google. Ela consegue coletar esses dados em grandes bancos de dados e através do trabalho de sociólogos, psicólogos, cientistas de dados, etc, contratados pela Google, conseguem dar um sentido a esses dados, um sentido de informação, conseguem agrupá-los por idade, por desejos, bebidas que tomam, os lugares que saem, horários que saem à noite, e transformam aquilo no que ela chama de produtos de previsibilidade para uso comercial.

Esse é na verdade o grande mercado da Google.

Nós somos a matéria prima para a produção desses produtos de previsibilidade, que são vendidos para quem tiver interesse em dados sobre previsão de comportamento de um certo grupo social, por exemplo. Isso pode ser uma agência de publicidade, um partido político, entre outros. Então, a Google começa a projetar a sua expansão como empresa a partir da lógica de quais dados seriam interessantes para vender, e criar plataformas que possam coletar esses dados. Informações que sejam interessantes para agregar usuários, que os usuários usem aquilo e ao mesmo tempo os dados possam ser utilizados comercialmente. Dados sobre trânsito, sobre e-mail, sobre interesses, sobre educação, sobre serviços públicos. Ela começa a expandir os seus serviços de software e de plataformas, vai plata-formizando o trânsito, por exemplo, oferece uma gama de softwares que através da inteligência artificial e dos dados que elas tomam e formam uma ideia de trânsito, as ruas começam a ser alteradas a partir do uso dessas informações obtidas nos tramites de comunicação global.

Na educação é a mesma coisa: ela oferece uma gama de softwares para as instituições de ensino, para que elas os utilizem e as empresas consigam acesso a dados relacionados a essa esfera. As empresas mais valiosas do mercado financeiro (big data ‘s) hoje, têm atividades voltadas a coleta de dados e produção de plataformas. E isso se tornou uma mercadoria muito valiosa, altamente centralizada, monopolizada por um pequeno número de grandes empresas e que agora estruturam as demais esferas da sociedade, sobretudo a educação pública, o trânsito, as comunicações, várias esferas de trabalho, de sociabilidade, entre outros. E isso começa a entrar no nível infra-estrutural, o que torna a gente cada vez mais dependente dessas plataformas nas redes digitais.

O problema é que a gente não sabe o que é feito com esses dados.

O que sabemos do Facebook é porque alguém vazou documento interno. O que a gente  pesquisa sobre as universidades ou secretarias de educação sabemos, pois fizeram acordos com a Google, assim, fizemos um software para conseguir os dados. As empresas não falam sobre seu modelo de negócio. Não existem dados consolidados, os termos de uso e as políticas de privacidades são muito confusas, assim, algumas informações ficam desconhecidas.

Quais os marcos iniciais desse avanço das tecnologias digitais sobre a educação pública brasileira e quais as empresas que atuam por aqui?

Coletamos dados da América do Sul, especialmente sobre a educação básica no Brasil e nas universidades públicas da América do Sul. As duas únicas empresas que oferecem esses serviços são a Google e a Microsoft.  Os serviços são as plataformas educacionais com infraestrutura de hardware.

A Google tem a Google for Education e a Microsoft tem a Microsoft Education, que são suítes de softwares para serem utilizados na sala de aula. Você tem, por exemplo, o Google Classroom, no qual são colocadas atividades e os alunos preenchem; tem interação remota com os alunos, eles colocam os trabalhos; tem o Drive que é de colocar arquivos; o Google Meet, de interação remota.

Enfim, há vários aplicativos que foram transformados em aplicativos educacionais. Para ter-se acesso a esses aplicativos, tem que ter uma conta Google individual, um e-mail. A Microsoft é a mesma coisa. Todas as big techs (ou big data ‘s), como a gente chama – a Microsoft, a Google, o Meta [que controla o Facebook e o Whatsapp], a Apple e a Amazon — todas elas têm softwares educacionais. É um ramo que agora está começando a ser disputado por essas empresas. E existe uma gama enorme de outras empresas, startups, entre outras, que produzem softwares educacionais, mas sem a infraestrutura. Por exemplo, tem softwares abertos como da Next Cloud, o Moodle faz softwares educacionais. Só que essas empresas não oferecem infraestrutura, que é um grande gargalo, uma parte que essas grandes empresas (ou big data ‘s) centralizam muito. São data centers (ou centrais de super-memórias), computadores que conseguem armazenar e processar essas informações. Grande parte das vantagens da Google, principalmente na educação superior, é a infraestrutura que elas têm: espaço de armazenamento de e-mails, de processamento de um software de edição de vídeos, que é o que o setor público não consegue mais gerir. É um ponto do avanço no comércio global dessas empresas, na venda de plataformas digitais.

Em que sentido?

As universidades públicas não têm mais dinheiro para bancar estrutura de e-mail. Grande parte dessa procura pela Google e pela Microsoft se deu por uma falta de orçamento público federal. Esses cortes que historicamente estão incidindo sobre a educação de forma geral no país, incidem diretamente na capacidade dessas instituições de gerirem parques tecnológicos, comprar servidores, e-mails, HDs. É uma demanda que sempre cresce, a demanda de informações numa instituição, por meio da comunicação digital. É um processo conhecido de avanço privado sobre o setor público. Você cria uma necessidade para o setor público através do enforcamento orçamentário público.

O sucateamento do setor público é a possibilidade de ele oferecer menos serviços, que começam a ser oferecidos pelo setor privado. E a educação foi fortemente atingida por isso.

A grande escalada de acordos das universidades com a Google e Microsoft foi a partir de 2016, quando houve um enfraquecimento orçamentário das instituições superiores de ensino no Brasil, o que fez avançar a privatização desse serviço. Posso dar o exemplo da Unicamp [Universidade Estadual de Campinas]. O orçamento da Unicamp tem uma rubrica para um programa de manutenção do parque tecnológico da universidade, que é o dinheiro investido na infraestrutura tecnológica. A Unicamp fez acordo com a Google no começo de 2016. Um ano antes esse orçamento havia caído de R$ 3 milhões em um ano para R$ 800 mil. Então eles não tinham mais condições financeiras de manutenção. Isso aconteceu também na UFPA, que entrou em acordo com a Google no começo de 2019. Quando eles foram atrás da Google, produziram um documento que dizia que o armazenamento de e-mails da instituição estava com 95% de espaço utilizado, e o CTIC, o centro de tecnologias informacionais da UFPA, estava começando o segundo ano consecutivo sem orçamento para nada.

Tudo que eles tinham era via editais.

E estavam com 5% de espaço livre para armazenar os e-mails de toda a UFPA. Esse é um ponto crítico, e por isso eles foram atrás da Google principalmente para gerenciamento de e-mails no começo de 2019, que foi quando boa parte das universidades federais brasileiras foram atrás da Google. A gente viu até fins de 2018 as universidades estaduais aderindo fortemente a essas plataformas.

As universidades federais não.

Porque elas estavam restritas por um decreto de 2013 que impedia que a administração pública federal tivesse dados em nuvem. Toda administração pública federal tinha que ter um servidor próprio ou aderir a serviços de instituições públicas federais. Então as universidades federais não podiam fazer acordo com a Google.

Isso foi até dezembro de 2018, quando o [presidente Michel] Temer derrubou esse decreto. E aí em 2019 a gente vê boa parte das universidades federais fazendo acordos com a Google e com a Microsoft.

E na educação básica, isso se dá com a adoção do ensino remoto durante a pandemia?

Na verdade, já havia antes da pandemia a criação de uma estrutura para isso na educação básica. Boa parte dos acordos já haviam sido feitos entre as secretarias estaduais de educação e a Google para oferta de infraestrutura, principalmente com estrutura de acesso de e-mails institucionais.

Na secretaria estadual de São Paulo e do Pará, por exemplo, em 2019 a Google já estava ensinando como usar os aplicativos, etc. Mas antes da pandemia, era só para o aluno ter um e-mail de comunicação institucional com a secretaria escolar, com a escola e para utilização de alguns recursos se os professores quisessem. Com a pandemia há uma utilização massiva desses aplicativos.

Aí a questão das relações entre educação e tecnologia começa a tomar forma, a educação baseada em dados, em princípios do vigilantismo de dados, a datificação das relações empregatícias. A secretaria do estado de São Paulo, por exemplo, obrigou os professores a utilizarem o Google Classroom, porque era através dele que eles conseguiam controlar o trabalho dos professores durante a pandemia. Esse foi o grande avanço dessas empresas na pandemia, principalmente em relação à educação básica: a datificação das relações em sala de aula, que até então era um espaço não mediado por dados, não apropriável (ou não digitalizados).

Entre as secretarias estaduais de educação, 50% delas tem e-mails nos servidores da Google e da Microsoft; 33% só nos servidores da Google e 17% nos servidores da Microsoft.

E 50% em servidores próprios.

Entre os institutos federais de educação é mais problemático. Em março de 2022, 70% dos e-mails dos institutos estavam armazenados em data centers (centrais de super-memórias) na Google e 2,5% na Microsoft, sendo 27,5% nos servidores próprios. São data centers que estão fora do país, sem nenhuma segurança institucional (com base na Constituição Federal) com relação ao armazenamento desses dados.

Quais os riscos disso?

O problema na educação superior é que são dados da produção científica e tecnológica do país (pesquisas avançadas com dinheiro público). São e-mails que a gente manda para o orientador, para as revistas acadêmicas, comunicações de pesquisa. Esses dados estão em servidores fora do país sem nenhuma segurança jurídica. Existem leis de segurança dos Estados Unidos que permitem o acesso a esses dados, e esses dados já foram acessados. Por isso que a [ex-presidente Dilma [Rousseff] fez o decreto proibindo que as instituições públicas federais tivessem dados em nuvens. Na educação básica, eu acho que o problema tem a ver com as relações pedagógicas mesmo, a datificação das relações. Em termos gerais, a ampla utilização desses aplicativos, principalmente aqueles centralizados em uma mesma empresa, faz com que essa empresa tenha dados objetivos sobre a educação nacional. Você sabe quanto o aluno demorou para fazer qual lição, qual o tempo que ele demora mais para fazer, onde ele acessa a informação, que lugar ele estuda.

Se começa-se a coletar todos esses dados do Brasil todo, tem-se um diagnóstico sobre a educação pública no país, só que são dados privados, que as big data ‘s controlam.

São dados privados, de propriedade da Alphabet [que controla a Google], ou da Microsoft.

E que são dados aos quais as próprias secretarias estaduais de educação não têm livre acesso. Elas conseguem acessar aquilo que a empresa permite. Então você tem uma nova camada de conhecimento sobre a educação pública brasileira, que é privada. Isso é precioso para a produção de políticas públicas, para as análises educacionais do Brasil.

Especialmente em um contexto em que entidades privadas têm tido cada vez mais interlocução nos diferentes níveis de governo para a formulação de políticas públicas na educação, com movimentos como o todos pela educação, por exemplo…

Exatamente. Você tem relações entre a Google o Instituto Lemann, por exemplo, eles fazem várias coisas juntos, assim como o Instituto Natura, e outros nesse conjunto de instituições privadas. Eles fazem eventos juntos sobre educação, sobre essa nova visão sobre educação, estão produzindo políticas públicas. Isso tem a ver com toda essa visão de relação público-privada na educação que é uma das fontes do sucateamento da educação pública, uma visão neo-liberal sobre o Estado.

Mas outro problema que eu vejo é a datificação das próprias relações pedagógicas, as relações entre professor-aluno, entre o aluno e o conteúdo, entre o professor e o gestor.

O aprendizado do aluno, por exemplo, começa a ser medido, baseado em métricas. Quanto tempo ele demora para fazer tal coisa, quais as suas facilidades e dificuldades. As relações entre os gestores também começam a se dar por métrica e análise da dados. Isso é um paradigma pedagógico novo, imposto por uma estrutura econômica, mercadológica, um modelo de negócios que incide sobre as relações educacionais.

O grande problema de se pensar tecnologias principalmente na educação é não se pensá-las criticamente: quem está oferecendo essas tecnologias, por que elas estão entrando na sala de aula?

Temos que discutir quais são os interesses por trás desse avanço das tecnologias sobre a educação. Temos que perguntar por que essas tecnologias estão sendo utilizadas. A gente perdeu isso. Existe uma ideia muito disseminada de que essa estrutura tecnológica é neutra, e que não existe alternativa.

Não se pensa a centralidade disso, como isso está inserido dentro de fluxos econômicos, de trabalho, políticos. Não se pensa a questão da segurança desses dados, da dependência tecnológica. No meio da pandemia, se a Google hipoteticamente falasse não vou mais fazer negócio com o Brasil,

a educação ia parar.

Não havia nenhuma outra solução para isso, nenhuma estrutura. A primeira vez que o Whatsapp saiu do ar por medidas judiciais houve cidades em que a polícia não tinha mais comunicação, que ambulância não tinha mais comunicação. A única forma de comunicação era Whatsapp, porque rádio estava tudo quebrado por falta de manutenção.

Esse processo de avanço das tecnologias digitais sobre a educação tende a continuar após o retorno das aulas presenciais?

Acho que houve nessa pandemia uma valorização dos potenciais da educação a distância, e já se começou a conversar sobre o ensino híbrido, por exemplo, como solução para resolução de problemas da educação. A questão é essa visão de que as tecnologias informacionais se prestam a solucionar problemas sociais, incluído os da educação. Por exemplo, aqui no Pará a gente vai ter que lutar contra a informatização da educação da floresta, porque é um gasto levar professores para comunidades isoladas no meio da floresta amazônica.

Antes da pandemia isso já era proposto.

A tele-educação, educação a distância, em todos os níveis de educação, como forma de baratear a educação pública. Essa pandemia forçou a gente a entrar mais em contato, aprender a usar, a pensar rapidamente em uma estrutura de como isso poderia ser utilizado, inserir isso nas práticas pedagógicas. Esse eu acho que é um caminho bem forte. E não só na educação. É uma questão de avanço sobre todo o serviço público. Boa parte das reuniões que eu faço aqui com os professores começa a ser remota, os eventos começam a ser remotos, porque solucionam parte do problema.

Vai fazer-se um evento acadêmico com o preço da passagem muito cara, não tem mais orçamento para eventos em uma universidade por causa dos cortes orçamentários, e você já tem toda uma estrutura pronta, um aprendizado.

A lei geral de proteção de dados, que entrou em vigor em 2020, em meio à pandemia, trouxe algumas limitações em relação ao tratamento de dados. A LGPD trouxe algum avanço em relação à proteção de dados na educação?

A Lei foi um grande avanço, é muito importante ter uma regulação sobre a utilização de dados. Só que a meu ver ela não impede esse modelo de negócios, só coloca uma estrutura do tipo como deve ser produzida os termos de uso ou as políticas de privacidade, que leis elas devem seguir.

Agora com a LGPD, a Google teve que atualizar a sua política de privacidade. E ainda não está boa. Tem vários pontos obscuros ali que a própria lei não conseguiu apertar para conseguir as informações.

Mas antes disso tinha partes da política de privacidade deles que eram em inglês. A parte sobre o que eles fazem com seus dados era em inglês, o resto em português. Aí um documento referencia outro, que referencia um outro. Tem cinco documentos que você tem que ver para saber o que eles podem fazer ou não.

A [Shoshana] Zuboff fala que um dos golpes do capitalismo de vigilância é tomar para si os direitos de privacidade. Há um deslocamento da privacidade. Não é algo que possa ser requerido pelos usuários, mas é algo que é amplamente utilizado pelas empresas, porque os algoritmos são propriedade industrial, ninguém tem acesso a isso, a gente não sabe o que eles fazem com os dados. Eles estão sempre buscando brechas legais para transferir os dados para os Estados Unidos.

Então a LGPD não é suficiente para barrar o avanço da datificação da educação como um modelo de negócios. Isso cria uma roupagem institucional, mas o problema continua. 

Como essa questão tem sido tratada em outros países nos quais a google tem atuado? Isso gerou alguma jurisprudência de controle que poderia servir de parâmetro para o Brasil?

Atualmente há um embate entre a União Europeia e as empresas do capitalismo de vigilância (na área de comunicação digital de dados) dos Estados Unidos. As atividades que a Google faz com os dados em grande parte ocorrem porque eles transmitem os dados para os Estados Unidos, e as leis de lá são mais permissivas. Esse é o grande problema que a Google está tendo na Europa, porque a Corte de Proteção de Dados europeia proibiu a transferência de dados para os Estados Unidos, justamente porque as leis de lá são incompatíveis com as leis de proteção de dados da Europa.

Recentemente, a Google foi impedida de atuar sobre o setor público na Alemanha por exemplo. Isso já aconteceu na Noruega também. Também teve casos nos estados (ou condados) dos Estados Unidos, que processaram a Google por ela estar monitorando e-mails dos alunos, o que ela disse que não faria.

É importante reforçar que o avanço dessas empresas deve ser entendido como um problema público.

Muitas vezes quando participo de eventos, as pessoas pensam muito em ações individuais. Não tem como individualmente pensar em soluções para isso, porque é um problema que é imposto a coletividade (de forma global), através da inserção das tecnologias no serviço público.

Temos que pensar maneiras de solucionar isso a partir da ação pública. Uma das coisas que a gente está propondo é a produção de infra-estrutura pública para os dados públicos; que cada estado, cada universidade, tenha um centro de armazenamento e processamento de dados — data center (ou centros de grandes memórias estaduais). Um investimento em infraestrutura pensando na segurança desses dados.

Outra coisa interessante que está acontecendo também é uma discussão na sociedade civil, encabeçada pelo Comitê Gestor da Internet, de uma regulação das plataformas, e aí há a possibilidade de retirar os serviços públicos do mercado de dados.

É uma distorção muito grande nas relações público-privadas, como é o caso da educação: para gozar de um serviço público você necessariamente tem que participar de um mercado privado de dados.

Não tem opção.

Precisa-se pensar em formas regulatórias de retirar o serviço público do mercado de dados.

Publicação no BdF: 11/01/2023

Fonte: https://outraspalavras.net/outrasmidias/como-a-big-data-coloniza-a-educacao-brasileira/