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10.15.2020

Brasil e América Latina: na pandemia, a contagem regressiva para a miséria

No Brasil, 14% da população não conseguirá arcar com energia, água, alimentação e saúde sem o auxílio emergencial do governo federal, projeto da oposição no Congresso brasileiro, feitas por diversos organismos sob as diretrizes da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE)

por Frederico Rivas Molina, no Outras Palavras e  El País BrasilSociedade e Pandemia na América Latina

  Moradores de Quito, no Equador, retiram cestas básicas entregues pelo Governo durante o confinamento decretado contra a pandemia, em 27 de maio

Os estragos financeiros na pandemia trazem dificuldades com especial dureza, os lares de famílias mais pobres. A queda do emprego evidencia que a capacidade dos lares para fazer frente a seus gastos regulares quando perde sua renda, depende diretamente da organização econômica e social dos seus países. Enquanto nos Estados Unidos quase 50% dos lares conseguem se manter por até seis meses, o percentual cai para 5,5% no Equador e Paraguai, para 7% na Argentina, Peru e Colômbia e 14% no Brasil e Chile. Os dados são do relatório fragilidade financeira dos lares perante a covid-19: uma perspectiva global, desenvolvido pelo BBVA Research, conforme diretrizes da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE). “No caso de perder sua principal fonte de renda, 78% dos lares, em média, não cobrem seu custo de vida durante três meses”, adverte o relatório.

“Entre as certezas que já se têm está que os confinamentos decretados nos últimos meses, muita gente perdeu seu emprego ou reduziu suas horas de trabalho. Isto implica o desaparecimento ou redução de sua renda, com o consequente impacto na economia e no bem-estar das famílias” afirma o relatório, que analisa “qual é a capacidade dos lares para continuar mantendo seu nível de gastos diante dessa perda de renda na pandemia”. O resultado, segundo os pesquisadores, permitirá “abordar medidas que ajudem a avaliar a deterioração no bem-estar ou a ampliação da lacuna de desigualdade, com reflexos na pobreza das famílias”.

O conceito que norteia o relatório é o de “fragilidade financeira”, isto é “a capacidade de fazer frente ou não às obrigações econômicas dependendo unicamente de recursos próprios”. Para medi-la, estima-se por quanto tempo uma família que perdeu sua renda conseguiria cobrir seus gastos em alimentação, energia, água, educação e saúde sem precisar recorrer a um crédito ou medidas mais extremas, como mudar de casa por exemplo.

O resultado da pesquisa compara a enorme mudança que a pandemia causou entre economias desenvolvidas e em vias de desenvolvimento, nas famílias com menos recursos financeiros. Países como os Estados Unidos, Canadá e os europeus têm um alto grau de resistência financeira, ou seja, são lugares onde quase 40% das famílias são capazes de subsistir sem renda por mais de meio ano. Quando o período é reduzido a três meses, a proporção média aumenta para metade das famílias. Na Espanha, por exemplo, dois em cada três lares são capazes de passar três meses sem renda alguma, em caso de não poderem executar as atividades profissionais.

A situação muda dramaticamente nos países emergentes, sobretudo na América Latina. “Os dados do relatório sugerem que existe uma relação direta entre fragilidade financeira e desenvolvimento econômico do país. Nos países emergentes do estudo, tais como Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Equador, Paraguai, Peru, Rússia e África do Sul, pouco mais de 10% das unidades familiares suportam mais de seis (6) meses”. “Os níveis de mudança financeira frente às medidas de confinamento decorrentes da pandemia são, portanto, menores nestes países”, adverte o relatório. Além disso, em geral, depois da liberação gradual das atividades econômicas na região, uma parte importante das famílias não recuperou seu nível de renda anterior à pandemia.

Fatores micro-econômicos

O nível macro-econômico de um lar não basta para medir sua fragilidade financeira. O relatório do BBVA volta os olhos também para aspectos micro-econômicos, que dificultam as chances de sobrevivência. Por exemplo, “as características que definem a pessoa que toma as decisões financeiras no lar, como o gênero, o nível educacional, a idade e a situação profissional”.

A pesquisa encontrou fatores que se repetem entre os responsáveis por sustentarem os lares mais pobres, “como ser mulher, ser muito jovem ou de idade avançada, ter apenas educação primária ou estar em situação de desemprego ou fazer parte do grupo de pessoas inativas ou sem atividade remunerada”. “Tais situações, entretanto, tem relação com fatores próprios de cada sociedade”, advertem os pesquisadores. Em todos os países da América Latina, ocorre que os lares chefiados apenas por mulheres superam a média de fragilidade financeira, sobretudo na Argentina, Brasil e Peru. Só o Paraguai diferencia desta situação em lares mais pobres.

A análise se baseou em pesquisas feitas por diversos organismos sob as diretrizes da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), com a finalidade de medir a educação e as condições financeiras da população. Os países estudados foram África do Sul, Argentina, Bolívia, Brasil, Canadá, Chile, Colômbia, Equador, Estados Unidos, Espanha, Finlândia, Hong Kong, Países Baixos, Paraguai, Peru, Reino Unido e Rússia.

Publicação no El País Brasil: 30/set/2020

Fonte:   https://outraspalavras.net/outrasmidias/america-latina-a-contagem-regressiva-para-a-miseria/