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9.05.2023

A crise chinesa e o Brasil

Com reformas e estabilidade, se o país conseguir equilíbrio sócio-econômico, irá receber investimentos em larga escala

  Desenho de crise na interntet

por Joel Pinheiro da Fonseca na Folha – Sociedade e Crise Econômica na China

Em todas as vezes em que analistas econômicos previram uma grande crise chinesa, a China riu por último. Mas dessa vez só não está preocupado quem não está prestando atenção. O setor imobiliário, que responde por cerca de 30% da economia, está à beira do colapso, e pode levar o setor financeiro com ele.

Essa crise vem de longe. É caríssimo ter filhos e educá-los. O Estado não provê uma rede de bem-estar que dê o mínimo de segurança para as pessoas. A saída para a população cada vez mais envelhecida é ter poucos filhos (mesmo sem uma política de controle populacional) e poupar muito. Com poucas opções de investimento, e estimulada pelo governo, essa poupança vira majoritariamente investimento em imóveis.

Uma economia que poupa compulsivamente e que investe 70% de sua poupança em imóveis, ao mesmo tempo em que sua população envelhece e diminui —a população economicamente ativa vem caindo desde 2015, e a população total desde 2022— no mínimo levanta suspeitas. De que adiantam tantas casas se não tem ninguém para morar nelas?

O resultado são dezenas de milhões de apartamentos vazios, mesmo com aluguéis e preços em baixa. Agora as vendas de novas unidades estão despencando. A maior incorporadora chinesa, a Country Garden, teve prejuízos massivos na primeira metade do ano, e está à beira do calote de seus credores. Com ela, outras virão. Vendo sua poupança virar pó e a vida ficando mais difícil, não se sabe como a população reagirá.

Houve um momento em que se acreditou que a melhora no padrão de vida iria fazer com que os chineses demandassem também direitos civis e maior participação no governo. Era uma crença ingênua. O crescimento é justamente o que legitima o regime, seja ele qual for. Já a queda —e principalmente o pessimismo quanto ao futuro— gera insatisfação.

Ocorre que crescimento econômico não é a única coisa que pode manter o apoio ao governo. Rivalidades externas são tão ou até mais eficazes. O risco de que uma crise econômica provoque o governo chinês a entrar numa aventura militar é real. Uma China em declínio será mais perigosa do que na ascensão. Quem sabe a diplomacia brasileira —que mantém boas relações com China e EUA— possa ajudar a evitar a guerra, mas assim como na Rússia nossa capacidade de interferir nisso é limitada.

Podemos, aí sim, nos preparar estrategicamente. O Brasil se mantém, como sempre, amigo de todos. Procurando tanto mais aproximação com os Brics (ou seja, a China) e o acordo com a UE. Mas cabe perguntar a quem devemos priorizar.

O mundo está em busca de lugares para investir. Desde a pandemia, as economias desenvolvidas perceberam que é um risco terceirizar toda a produção para onde é economicamente mais barato —a China— sem pensar também no lado político dessa decisão. O momento agora é o de procurar lugares que conciliem alguma vantagem econômica com garantia de estabilidade e boas relações futuras.

México já está auferindo os ganhos desses investimentos. O Brasil também pode: com reforma tributária, equilíbrio fiscal crível, democracia sólida, meio ambiente protegido e acordo econômico com a UE (o México tem acordos de livre comércio com os EUA desde os anos 90), estaremos prontos para receber investimentos em larga escala.

A China continuará importando de nós; talvez, com a crise, em menor quantidade. Sua capacidade de investir no exterior também cairá. Ao mesmo tempo, o mundo desenvolvido e democrático está desesperado por lugares politicamente seguros em que investir. Não parece uma conta muito difícil.

Publicado na Folha: 5 de setembro de 2023

Fonte: https://gilvanmelo.blogspot.com/2023/09/joel-pinheiro-da-fonseca-crise-chinesa.html

Teto de gastos a todo vapor: governo federal corta R$ 784 milhões da Saúde e Educação

 A população do chão de fábrica e invisíveis terá que lutar contra gigantes

 "A eterna e contínua luta do pequenino David contra o monstro Golias" 

 por Ângelo de Carvalho no A Nova Democracia – Sociedade e Governo Federal Elitizado

 

 Governo Lula/Alckmin corta R$ 1,5 bilhão de ao menos dez ministérios. Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Os Ministérios da Saúde e da Educação sofreram um corte orçamentário de R$ 784 milhões, por determinação do Ministério do Planejamento, cujo ministro é Haddad. O corte se dá em cumprimento ao teto de gastos, aprovado no Congresso Nacional. Outros oito Ministérios tiveram verbas contingenciadas, num total de R$ 1,5 bilhão. 

Educação e Saúde foram as áreas mais afetadas, correspondendo a 52,3% de todo o bloqueio. O ministério da Saúde teve cerca de R$ 452 milhões bloqueados, enquanto a pasta da Educação foi alvo de um contingenciamento de R$ 332 milhões. Os Ministérios do Desenvolvimento Social e do Desenvolvimento Agrário, ambas as vitrines do governo federal, também tiveram orçamento cortado. 

Os cortes ocorrem em período sensível para Saúde e Educação. No caso da Saúde, se dá em meio às promessas do governo federal de pagamento do Piso Nacional dos profissionais da enfermagem, o que se torna ainda mais difícil para concretizar o aumento a esses profissionais da saúde. A Educação, por sua vez, não recebeu até hoje investimentos significativos do governo de Luiz Inácio. Os recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (Fundeb) mal chegam a R$ 3 milhões, enquanto o previsto era de R$ 343,8 milhões. Além disso, mais de 40 universidades não tiveram verbas destinadas ou sequer empenhadas esse ano (valores levantados até 1ago2023).

Além das pastas da Saúde e Educação, o governo realizou cortes de R$ 144 milhões no ministério de Desenvolvimento e Assistência Social, responsável pela aplicação de programas assistencialistas como o Bolsa Família. Já o ministério do Desenvolvimento Agrário, responsável pela reforma agrária que se desenvolve lentamente, através do governo federal, recebeu corte de R$ 24 milhões. O setor também tem sido deliberadamente negligenciado pelo governo nos primeiros sete meses de gestão, voltados sobretudo ao latifúndio (agronegócio). No início do ano, foi revelado que o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) contava com somente R$ 2,43 milhões, o que torna muito lenta a realização da reforma agrária. 

Outras pastas atingidas pelo bloqueio foram Transportes (R$ 217 milhões), Cidades (R$ 144 milhões), Meio Ambiente (R$ 97 milhões), Defesa (R$ 35 milhões) e Cultura (R$ 27 milhões).

Esse é o segundo bloqueio orçamentário realizado pelo governo de Luiz Inácio a fim de garantir os interesses do dito mercado, por meio do cumprimento do teto de gastos. Em maio/2023, um bloqueio de R$ 1,7 bilhão foi realizado. Dentre os atingidos estavam novamente os ministérios do Desenvolvimento Social e Desenvolvimento Agrário. 

Apesar do bloqueio ser divulgado como temporário, não há garantias da liberação da verba contingenciada, sobretudo com a aprovação do novo teto de gastos (o chamado arcabouço fiscal). A nova medida deve ser aprovada no 2° semestre do ano de 2023 e já é celebrada por agências internacionais, que somente olham o pagamento da dívida brasileira. 

O bloqueio é também um sinal de qual será a atitude do governo federal, uma vez aprovado o seu novo arcabouço fiscal. Cortar tudo que der da população humilde, para garantir o cumprimento cabal das medidas exigidas pelo mercado. Somente nos seis primeiros meses do ano, Luiz Inácio já destinou R$ 611 milhões às empresas e autarquias sob controle do chamado “centrão”, ao mesmo tempo, afirma não ter dinheiro para setores que impactam diretamente a vida da população que mais necessita. O compromisso de Lula as classes mais altas fica visível. Relembrando que o atual bloqueio na pasta do Desenvolvimento Agrário se dá após a destinação de centenas de milhões ao agronegócio por meio do Plano Safra. O Ministério da Agricultura, também, segue sem ser atingido pelos contingenciamentos.

Publicado no A Nova Democracia: 01/08/2023

Fonte: https://anovademocracia.com.br/teto-de-gastos-a-todo-vapor-governo-corta-r-784-milhoes-da-saude-e-educacao/