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2.03.2015

As grandes democracias levam a sério o direito humano à informação

As grandes democracias levam a sério o direito humano à informação, infelizmente o Brasil ainda está distante das principais democracias.

Por Laurindo Lalo Leal Filho - de São Paulo 

3/2/2015 - Comunicação e Sociedade

No mundo desenvolvido, regulação das comunicações serve para ampliar a diversidade de conteúdos e democratizar a liberdade de expressão.
Rep/Web
A regulação dos meios de comunicação é algo comum nas grandes democracias do mundo. Estados Unidos, Reino Unido, França, Alemanha, Portugal, Espanha, entre outros países há várias décadas estabeleceram regras para o setor. A maioria busca atualizá-las constantemente para alinhar a legislação às inovações tecnológicas e as transformações sociais. 
Infelizmente o Brasil está distante das principais democracias. 
Os britânicos, por exemplo, a cada cinco anos em média, discutem e aprovam no Parlamento novas regras para a mídia eletrônica e recentemente aprimoraram a regulação para os meios impressos.
Na América Latina, nos últimos anos, a maioria dos países aprovou leis modernas para o rádio e a televisão com o objetivo de democratizar o seu uso. O caso mais expressivo, por seu respaldo político e pela consistência da lei, é o da Argentina que em 2009 teve aprovada pelo Congresso Nacional a Lei de Serviços de Comunicação Audiovisual.
Uma das principais características comuns a todos esses países é a existência de um órgão regulador ou de uma autoridade reguladora pública com competência para aplicar as leis existentes para o audiovisual. São responsáveis por outorgar as concessões de rádio e TV, acompanhar e avaliar a qualidade dos serviços prestados pelos concessionários e promover, ou não, a renovação das concessões. São também os fóruns legais para manifestações do público e de diálogo com as empresas de radiodifusão.
Na concessões os governos diretamente ou os órgãos reguladores redigem os chamados “cadernos de encargos” onde constam os direitos e os deveres atribuídos aos concessionários durante o período em que vigorar a concessão.
Tipos de programas, públicos que pretendem atingir, formas de financiamento são alguns dos itens que constam no caderno. Caso eles sejam descumpridos o órgão regulador tem poderes de impor sanções que vão da advertência a cassação da concessão.
Nos Estados Unidos, a Federal Communications Commission (FCC) é o órgão criado através da Lei de Comunicação de 1934 que tem como  prerrogativa central realizar a regulação econômica da mídia evitando a concentração da propriedade dos meios. Não permite, por exemplo, que apenas uma empresa seja dona de jornal e de emissoras de rádio e TV numa mesma cidade.
Embora a primeira emenda da Constituição estadounidense garanta a absoluta liberdade de expressão, a FCC recebe queixas constantes sobre o conteúdo das programações. No entanto sua ação limita-se basicamente a proteger as crianças do que ela chama de “material indecente”, proibido de ser veiculado entre às seis da manhã e às 10 da noite.
Ainda assim a FCC pode punir emissoras que transmitam informações falsas, realizem sorteios ou concursos em que as regras não estejam claras e não sejam rigorosamente cumpridas ou aumentem o som nos intervalos comerciais.
A FCC é responsável também por fazer cumprir a lei que determina a obrigatoriedade das emissoras transmitirem, no mínimo, três horas semanais de “programação infantil essencial”, identificando os programas com o símbolo E/I e informando antecipadamente os pais sobre os horários de exibição. Eles devem ser exibidos entre às 7h e às 10h da manhã com pelo menos 30 minutos de duração.
Na Europa, os órgão reguladores preocupam-se mais com questões de conteúdo exigindo das emissoras cuidados que vão da veracidade dos anúncios exibidos à linguagem utilizada por artistas e apresentadores.
No Reino Unido a regulação do rádio, TV, internet e redes de telecomunicações é realizada pelo Ofcom (Office of Communications) criado em 2003 unificando vários órgãos existentes anteriormente. Os meios impressos são regulados pela IPSO (Independent Press Standards Organization), uma organização independente aprovada pelo Parlamento e sancionada pela rainha Elizabeth II em 2013.
Ao Ofcom cabe a tarefa de garantir à população britânica  a existência de serviços de comunicação eletrônica de alta velocidade, de programas de rádio e TV com qualidade e diversidade além de proteger os espectadores e ouvintes de conteúdos impróprios e de impedir a invasão de privacidade.
Conta para isso como uma série de canais abertos ao público para que este possa se manifestar em relação aos serviços prestados pelos meios de comunicação. As demandas são avaliadas e, quando é o caso, levadas aos responsáveis pelas transmissões. Abusos comprovados são punidos de acordo com a legislação.
Os meios impressos foram durante quase 60 anos auto-regulados através da PCC (sigla em inglês da Comissão de Reclamações sobre a Imprensa). O código de conduta adotado foi elaborado pelos próprios empresários que, além disso, ocupavam mais da metade das vagas do órgão. A complacência da Comissão diante de casos graves de violações éticas cometidas pela imprensa minou a sua credibilidade. Ela não resistiu ao escândalo provocado pelos jornalistas flagrados grampeando telefones de artistas e de pessoas envolvidas em casos policiais.
Diante da ineficiência da PCC, o governo britânico criou uma comissão de inquérito para esclarecer o “papel da mídia e da policia no escândalo das escutas telefônicas ilegais”. Ao final dos trabalhos a principal recomendação do Relatório Levenson (referência ao presidente da comissão Lord Justice Levenson) foi a criação de uma nova agência reguladora para a mídia com poder de aplicar multas de até um milhão de libras (cerca de quatro milhões de reais) ou de até 1% do faturamento das empresas.

Na Argentina a regulação atinge apenas o rádio e a TV, com a aplicação da nova Lei de Serviços de Comunicação Audiovisual aprovada pelo Congresso em 2009. Seu mérito principal é o de ampliar a liberdade de expressão no pais garantindo o acesso ao espectro eletromagnético de grupos sociais antes excluídos pela força do monopólio. A lei estabelece que 33% do espectro está destinado a organizações sem fins lucrativos e abre espaço para que povos originários possam controlar emissoras de rádio e TV transmitindo programas em seus próprios idiomas, como já ocorre na região de Bariloche.
A nova legislação acaba com os monopólios e oligopólios ao estabelecer limites para o número de concessões outorgadas a cada empresa. Nenhuma delas (seja estatal, privada com fins lucrativas ou privada sem fins lucrativos) pode controlar mais de 1/3 das concessões que terão no máximo dez anos de vigência.
Por força da lei, o grupo Clarin teve que abrir mão de várias de suas licenças e, por isso, tornou-se o seu maior opositor tendo sido derrotado em todas as instâncias do Judiciário para as quais apelou. Agora um empresário não pode mais controlar canais de TVs abertas e fechadas ao mesmo tempo e o sinal de uma empresa de TV por assinatura não poderá chegar a mais de 24 localidades e nem superar o limite de 35 por cento do total de assinantes.
A lei de meios argentina permitiu uma expansão do setor audiovisual até então inédita no pais. Foram concedidas 814 licenças para operação de emissoras de rádio, TV aberta e TV paga. Dessas 53 de TV e 53 de rádio FM destinaram-se às universidades e 152 para emissoras de rádio instaladas em escolas primárias e secundárias. O Uruguai está seguindo os passos da Argentina quanto as mídias.
No Brasil calcula-se que 19 projetos de lei visando a democratização da mídia já foram elaborados pelo poder Executivo desde que entrou em vigor a Constituição de 1988. Nenhum deles foi levado ao debate com a sociedade e muito menos enviado ao Congresso Nacional. Seguem vigorando as leis antigas que, por serem obsoletas, atendem aos interesse daqueles que se beneficiam dessa situação.

Laurindo Lalo Leal Filho, é sociólogo e jornalista, é professor de Jornalismo da ECA-USP.

http://correiodobrasil.com.br/noticias/opiniao/as-grandes-democracias-levam-a-serio-o-direito-humano-a-informacao/749771/

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