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9.29.2015

Um certo Brasil de servidores, nossos semelhantes e a rejeição

Na onda de louvação das virtudes do mundo globalizado, a rejeição ao “nacional” atingiu camadas profundas das almas excelentes

por Luiz Gonzaga Beluzzo, na Carta Capital - Sociedade e Reconhecimento Social (fonte no final)

Um grande e velho amigo tem o hábito de estender a mão, cumprimentar e conversar com os funcionários ao chegar à sua empresa. Pergunta pela família, quer saber dos filhos, os pequenos, os adolescentes e os crescidos. Brinca com os torcedores adversários nas derrotas de seus times e até mesmo ironiza os fanáticos da sua banda futebolística.
Numa dessas, estendeu a mão para cumprimentar o jardineiro recém-chegado. Ele cuidava das orquídeas e bromélias espalhadas à frente do edifício da diretoria. Diante da mão estendida, o jardineiro mostrou as mãos sujas de terra e sacudiu os braços em um gesto de frustração. Meu amigo não desistiu: abraçou o artesão da natureza. O trabalhador ficou surpreso e no almoço com os companheiros não se cansava de dizer: nunca havia sido tratado “dessa maneira”. 

“Essa maneira” revela muito mais do que um abraço. O abraço e seu reconhecimento, mais o reconhecimento do que o abraço, revelam as entranhas de um certo Brasil. Os habitantes desse país dentro do País não veem as pessoas.  As pessoas, gente, humanos, eles e elas, aqueles que começaram a aparecer nos aeroportos, nos supermercados, nos shopping centers, percebem que os de cima sentem que “eles não são o que nós somos”. Não conseguem reconhecer o outro. Convivem no mesmo território, mas não frequentam a mesma sociedade. Querem dizer: eles não são nossos semelhantes. São nossos servidores. 

Na onda de louvação das virtudes do mundo globalizado, a rejeição ao “nacional” atingiu camadas profundas das almas excelentes. A nova rejeição é mais profunda porque, de forma devastadora, erodiu os sentimentos de pertinência à mesma comunidade de destino, suscitando processos subjetivos de diferenciação e desidentificação em relação aos “outros”, ou seja, à massa de pobres e miseráveis que “infesta” o País. E essa desidentificação vem assumindo cada vez mais as feições de um individualismo agressivo e antirrepublicano.

A rejeição também foi mais ampla porque essas formas de consciência social contaminaram vastas camadas das classes médias: desde os “novos” proprietários, passando pelos quadros técnicos intermediários até chegar aos executivos assalariados e à nova intelectualidade formada em universidades estrangeiras ou mesmo em escolas locais que se esmeram em reproduzir os valores do individualismo agressivo. Isso para não falar do papel avassalador da mídia. 
http://www.gazetadejoinville.com.br/portal/2015/09/21/beluzzo-a-elite-brasileira-nao-reconhece-nosso-povo/

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