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12.01.2015

‘Estamos numa crise que já conta 35 anos de idade!’, alerta economista da Unicamp

Por Rennan Martins para agência Adital- Sociedade e macroeconomia brasileira (fonte no final)
Do Blog dos Desenvolvimentistas

  • Em entrevista do economista da Unicamp Wilson Cano, é proposto o entendimento da crise econômica vivida pelo Brasil há mais 30 anos, desde que abandonamos o projeto de industrialização e desenvolvimento, ainda nos anos 1980
A predominância do capital financeiro sobre o trabalho e o capital produtivo, aliada a internacionalização e desregulação solapou o Estado nacional, que não mais dispõe de mecanismos que possibilitem uma gestão econômica voltada para o crescimento, desenvolvimento e o pleno emprego.
Na esteira dessa configuração, veio também a privatização da Vale [então mineradora estatal Vale do Rio Doce], que, hoje, é uma das donas da Samarco [mineradora acusada de provocar, por meio do rompimento de duas barragens em Mariana – Estado de Minas Gerais – um dos maiores desastres ambientais do país, no início deste mês]. E, com a lógica do lucro máximo a qualquer custo, o "descontrole sobre os investimentos estrangeiros na mineração” e a precarização dos serviços ambientais públicos, temos o conjunto de fatores confluentes para a tragédia das barragens.
jornalggn
Wilson Cano avalia causas e efeitos da crise no Brasil
Esta é a avaliação de Wilson Cano, professor do Instituto de Economia da Unicamp [Universidade de Campinas – São Paulo], que vê as iniciativas do BRICS [bloco que reúne o Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul] e do Mercosul como positivas, mas insuficientes frente ao atual quadro. Alerta ainda que "ou nos rebelamos contra esse estado insano de coisas, ou acabaremos pior do que estamos hoje”.

Confira a entrevista


Encerraremos 2015 com um encolhimento que deve ultrapassar 2% do PIB [Produto Interno Bruto]. Como chegamos neste quadro? Quais são suas principais causas?
Estamos numa crise que já conta 35 anos de idade! Não caímos apenas na passagem 2014-2015. Passamos pela década de 1980, a crise da dívida, em que o Estado nacional foi fragilizado fortemente. Depois, na de 1990, com a instauração do neoliberalismo, abriu as comportas da fragilizada economia nacional, com a liberalização comercial e financeira, a privatização e a perda de vários direitos trabalhistas. Esta última valorizou fortemente o câmbio, jogando uma pá de cal sobre a indústria nacional. O pior é que não foram apenas os governos "liberais” que fizeram isso: depois de [ex-presidentes José] Sarney (fim do seu governo), [Fernando] Collor, Itamar [Franco] e FHC [Fernando Henrique Cardoso], o PT [Partido dos Trabalhadores] deu continuidade à política macroeconômica neoliberal, a despeito de suas ‘progressistas’ políticas sociais e de uma nova postura na política externa.
O quanto o cenário internacional afeta o mercado interno brasileiro? Quanto podemos atribuir a erros de gestão governamental?
Com a queda das exportações, é claro que os setores exportadores perdem, desempregam a reduzem, portanto, a renda por eles gerada. Além do mais, tanto Lula como Dilma praticaram elevadas taxas de juros, aumentando, sobremodo, a dívida interna e o montante de juros pagos no orçamento federal. Hoje, eles fazem algo como 8% do PIB e cerca de 95% do déficit fiscal!
Poderia nos explicar as razões e a forma com que a crise de 2008 saiu dos países desenvolvidos e agora atinge as economias emergentes?
A predominância do capital financeiro nas relações econômicas internacionais, a política neoliberal e a globalização ampliaram, sobremodo, a internacionalização das grandes empresas e dos bancos transacionais, sobretudo, os norte-americano. Com a adoção das políticas neoliberais, a maioria dos países foi fortemente afetada por aquela internacionalização, que contaminou suas finanças privadas e públicas, deteriorando suas economias.
De que maneira se estabeleceu a hegemonia dos ditames ortodoxos no campo da política econômica? Por que há tanta dificuldade em produzir novos consensos?
Para acabar de vez com o Padrão Ouro-Libra, fez-se a 1ª Guerra Mundial, para reorganizar as economias destroçadas pela grande depressão dos anos 1930, fez-se a 2ª. guerra. Os Estados Unidos consolidaram sua hegemonia com a crise dos anos 1970, liquidando com grande parte do socialismo e restaurando a hegemonia do capitalismo. Como se vê, não é a falta de "pactos” ou de "consensos” (aliás, vivemos, hoje, o de Washington) que "não se arruma a casa”. Não se arruma porque o capitalismo, com sua predominância financeira, nunca foi tão voraz e irracional, nunca criou tantos miseráveis como hoje, e nunca alimentou e realimentou tantas guerras como nos últimos 30 anos! Soltaram a fera, com a desregulamentação, agora, que se cuidem todos…
Recentemente, assistimos ao que pode ser o maior desastre ambiental da nossa história, falo do rompimento das duas barragens de rejeitos geridas pela Samarco, em Minas Gerais. Nosso modelo econômico teve parte nisso? Por que?
Sim, tem muito a ver com isso: a privatização da Vale; o descontrole sobre os investimentos estrangeiros na mineração; a fragilização do Estado nacional e de seu corpo técnico de funcionários; o imbróglio das "coalizões” políticas, nas quais não se sabe de quem é a responsabilidade e a autoridade efetiva; a impunidade nos desmandos da coisa pública; a conflituosidade que atingiu o Judiciário; enfim, são sequelas do desgoverno no neoliberalismo.

reproducao
Presidenta Dilma Rousseff sobrevoa área atingida por desastre ocasionado pela mineradora Samarco, em Minas Gerais
Que razões levaram o governo a adotar a agenda do ajuste fiscal que criticara nas eleições? O que se pode esperar caso aprofundemos a agenda da austeridade?
As razões da ingovernabilidade, causada por um orçamento em que os juros da dívida perfazem a metade do orçamento federal e 95% do déficit. Não há ajuste possível, a não ser que se elimine o Bolsa Família, se feche o sistema educacional público e o de saúde pública, preservando, é claro, as verbas necessárias à colossal ampliação do sistema presidiário, que deve crescer sobremodo. Não se corta o gasto público em crises, já nos ensinaram os grandes mestres da economia.
Quais são os caminhos para que retomemos o crescimento? Que medidas imediatas você sugeriria?
Não se pode aplicar nenhuma política macroeconômica de crescimento, quando se está atado a acordos internacionais que nos imobilizam: pouco ou nada podemos fazer com a nossa indústria, para protegê-la das importações, pois estamos atados à OMC [Organização Mundial do Comércio]; nossos bancos públicos tiveram seu grau de liberdade de ação pública restringidos pelo Acordo de Basiléia. Ou nos rebelamos contra esse estado insano de coisas ou acabaremos piores do que estamos, hoje. Nosso agrupamento ao BRICS e ao Mercosul são duas coisas boas e importantes, mas insuficientes para corrigirem a rota perdida.
Originalmente publicado em: http://www.desenvolvimentistas.com.br/blog/blog/2015/11/24/estamos-numa-crise-que-ja-conta-35-anos-de-idade-entrevista-com-wilson-cano/
http://site.adital.com.br/site/noticia.php?lang=PT&cod=87430

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