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12.09.2015

Mulher no comando é “mandona”; se for homem, é “firme”, que o diga Anita Garibaldi

As dores de Temer, por Ana Flávia Ramos* para o blog Viomundo - Sociedade e Mulheres no Poder (fonte no final do texto)
  • Alguns pequenos gestos evidenciam as entrelinhas do machismo, que alimenta a campanha contra a primeira presidenta mulher no Brasil
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Entre os muitos golpes que a democracia brasileira e Dilma Rousseff vem sofrendo no ano de 2015, alguns pequenos gestos evidenciam as entrelinhas do machismo que alimenta a campanha contra a primeira presidenta mulher. E não digo isso apenas me referindo aos inúmeros ataques feitos a partir da cultura do estupro existente nesse país.
Ao publicar a carta infame e mesquinha de Michel Temer, até mesmo a prestigiada Revista Fórum (admirada por esta autora), ao tentar explicar para o leitor um dos possíveis motivos da insatisfação do homenzinho, escorregou: “Dilma não é fácil e há inúmeros relatos de descortesias da presidenta”. Machismo. Não posso dizer outra coisa.
Dilma atingiu uma posição incômoda num país extremamente machista, um lugar de poder, de chefia, de conflitos, de disputas.
Os vários comentários políticos, as manchetes da mídia tradicional tupiniquim, sempre deixaram entrever esse machismo: Dilma é de “difícil trato”, “Dilma tem briga PESSOAL com Cunha” (na medida em que mulheres agem por paixão e emoção, como NÃO encarar a disputa como política entre uma presidenta da República e o presidente da Câmara? Disputa pessoal, quase “briga de vizinhos”, claro), “Dilma é mandona com ministros”, “Dilma quer decidir tudo sozinha” entre outras coisas...
Claro que tenho críticas a muitas decisões e articulações políticas de Dilma. Evidente.
Mas não se trata só disso. Nós mulheres, que estamos no mundo do trabalho e da sociedade, sabemos o quanto é difícil ocupar cargos de chefia – quando ocupamos, porque, na maioria das vezes, optam por figuras masculinas. Isso é um fato comprovado.
Mulheres no comando, se não são extremamente cordiais e falam doce – voz de fada –, usam diminutivos, se não se esmeram na gentileza excessiva (ou subserviência), são tidas como “mandonas”, temperamentais, passionais, pouco “articuladoras”. Se reclamam, se são pragmáticas, se cobram responsabilidades, enfim, se se posicionam com firmeza, são olhadas com desconfiança, com azedume…a história mostra Anita Garibaldi, e muitos outros exemplos de injustiça contra as mulheres.
São como “diabos que vestem prada”. Homens na mesma condição, são “firmes”, “destemidos”, “gestores” desde o berço, puro machismo.
Mulheres, ah mulheres, estas são mal-amadas mesmo.
Afinal de contas, essa é das “nervosinhas”.
Dilma pecou ao magoar o homenzinho Michel Temer, pecou pois não o consultou em suas decisões, não acatou o seu plano “ponte” (eu diria bomba enrustido em forma de golpe) para o “futuro”, foi dura com engravatados nas reuniões…
Não falou doce, saiu do lugar onde uma mulher deveria estar.
Temer se ressente de ser tratado como…vice.
Queria ser consultado, queria que seu plano de governo fosse acatado, aí coitada da população.
Ele, um homem, como tantos outros que ocupam majoritariamente Brasília, não foi consultado por aquela mulher que ousara ser presidenta. Pecado mortal.
No entanto, senhor Temer, lembro que os 54 milhões de votos foram de Dilma Rousseff e não seus.
Aliás, muitos deles (incluindo o meu) foram dados a despeito de você, tivemos que engolir sua presença indigesta.
Tal qual fazemos quando tapamos o nariz para engolir remédio ruim.

*Ana Flávia Cernic Ramos é doutora em História Social pela Unicamp e professora do curso de Graduação em História da UFU.
http://www.viomundo.com.br/voce-escreve/ana-flavia-ramos-mulher-no-comando-e-mandona-se-for-homem-e-firme.html

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