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8.21.2016

A Forma de Funcionamento da Democracia Brasileira e os Interesses Econômicos

  • A Copa do Mundo, assim como as Olimpíadas, que seriam pódios para a premiação definitiva de um conciliador novo Brasil altivo e ativo, também acabaram se tornando símbolos das contradições estruturais de nossa sociedade
por Grupo de Reflexão sobre Relações InternacionaisFernando Santomauro* para revista Carta Capital Sociedade e Avanços e Recuos da Democracia Brasileira (fonte no final)

Foto Javier Soriano / AFP
Torcida brasileiraTorcida brasileira nos Jogos do Rio-2016: os grandes eventos ensejam uma discussão sobre a democracia


Um desses casos é a chamada política externa altiva e ativa, ícone de disputa entre os dois times da atual peleja, mas sobretudo um espelho da complexidade da sociedade e da política brasileira, que acabaram por desembocar no impasse em que nos encontramos por diversos motivos.
Os governos do ex-presidente e da presidenta afastada seguiram esses pressupostos de conciliação política no Brasil, e também como resultado disso, avançaram de maneira inédita e rápida na inclusão de milhões de pessoas. Ao mesmo tempo, contudo, tiveram que compactuar com velhas lideranças políticas e oligarquias do Brasil profundo, e seus interesses escusos.
Os próprios avanços nos controles da corrupção, como o fortalecimento da Polícia Federal, a autonomia de fato do Ministério Público, a nomeação de juízes do Supremo não só independentes (mas que julgaram seletivamente os governos que os nomearam) se deram ao mesmo tempo em que esses governos reproduziram e continuaram muitos dos arranjos com o grande capital brasileiro, dependente do Estado desde seu nascimento, e financiador de benesses pessoais para os representantes que perpetuassem esse modelo do parasitismo Estado-Capital.
A forma como se deu a chamada política externa altiva e ativa desses anos, de certa forma, também reproduziu esse conchavo, avançando de maneira inédita nas alianças e na profundidade dos compromissos e de seus temas por um lado, mas também perpetuando e, em alguns casos, aprofundando os lucros e a maneira predatória do grande capital brasileiro no exterior, principalmente no Sul, mais necessitado e sem capacidade de resistência social e política.
O novo Brasil que se mostrava ao mundo, além de seus programas humanitários e de cooperação técnica e política, também era baseado nos novos negócios das empresas de aviação, construtoras, farmacêuticas e de armamentos brasileiras. Essa agenda oculta beneficiou muito mais o mesmo capital nacional dependente de nosso Estado, que também avançou no Sul do mundo.
A própria maneira de se fazer política externa, ao mesmo tempo em que criava embaixadas na África e incluía nos quadros do Itamaraty jovens diplomatas com um novo perfil, também mantinha certo apego à tradicional maneira do Itamaraty, designando como chanceleres, em todos os governos Lula-Dilma, quadros de carreira do próprio órgão.
Além disso, esses governos não reproduziram o que fizeram em outros ministérios, (como o da Cultura e o das Cidades): não criaram, durante todos esses anos, um conselho para discutir, formular e realizar a política externa brasileira como política pública, não incluindo órgãos representativos da sociedade civil, da academia, dos movimentos sociais, de outros ministérios, municípios e governos estaduais, mantendo as relações internacionais do País restrita aos diplomatas, que de maneira geral ainda reproduzem com disciplina militar sua visão de mundo e seus benefícios de carreira.
A política externa altiva também perdeu sua oportunidade de aprofundar de maneira significativa a integração regional, burocraticamente e financeiramente, de fato. Muitos dos importantes avanços políticos como o Mercosul Social e a Unasul, não foram acompanhados de aumento de pessoal, de orçamento e de avanços que garantissem a continuidade dos projetos. Na América do Sul, o Brasil deveria ter sido o condutor e financiador desse processo.  
Em 2013, o esgotamento do modelo que garantiu o crescimento com diminuição da desigualdade nunca antes existente na história do país, começou a se expressar pela rejeição à Copa do Mundo. O “não-vai-ter-copa” era também a negação à Carta ao Povo Brasileiro: pedia o fim dos garantidos maiores privilégios aos “Donos do Poder”, em detrimento das outras fatias da sociedade.
Principalmente as classes médias tradicional e ascendente saíram às ruas para mostrar que as ainda péssimas condições de vidas em nossas grandes cidades, a insegurança, a corrupção e a sub-representação em um sistema político corrompido e arcaico não eram mais conciliáveis com grandes ganhos dos poucos de sempre.
A Copa do Mundo, assim como as Olimpíadas, que seriam pódios para a premiação definitiva de um conciliador novo Brasil altivo e ativo, também acabaram se tornando símbolos das contradições estruturais de nossa sociedade, expressos nas tentativas de Soft Power à brasileira: avançando em alguns sentidos, mas desde que se privilegie o dependente capitalismo nativo.
Mais além do que os resultados esportivos, os grandes eventos no Brasil, símbolos da projeção internacional recente do novo país, suscitam a necessidade de uma análise profunda e crítica sobre a forma de funcionamento da democracia brasileira e os interesses econômicos ao lado e por trás de nossas políticas públicas, inclusive em nossa política externa. Só assim poderemos começar a superar os nossos verdadeiros adversários.

*Fernando Santomauro é membro do GR-RI, doutor em Relações Internacionais pelo Programa San Tiago Dantas (PUC-SP, Unesp e Unicamp), Coordenador de Relações Internacionais da Prefeitura de Guarulhos e Presidente do Fórum Nacional de Secretários e Gestores Municipais de Relações Internacionais (Fonari).
http://www.cartacapital.com.br/blogs/blog-do-grri/copa-olimpiadas-e-a-insercao-internacional-do-brasil

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