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3.29.2017

O pragmatismo capitalista masoquista, a esquerda e a carne

Deve existir um plano genial por trás disso tudo, uma lógica. Ah, rá, aqui está: encontramos uma brecha na tramoia golpista! Esses pit bulls do aparato judicial-policial não imaginam a besteira que fizeram. Agora o agronegócio, ferido gravemente pelo denuncismo irresponsável, vem pro nosso lado e… crau! Fora Temer, acabou o golpe, diretas-já, quem sabe até uma Constituinte…Nem na República da Bananeiras isso poderia ocorrer...

por Igor Fuser para o site Outras Palavras - Sociedade e Contrariedades do Pensamento Popular


Como muitos sabem, os gigantes do oligopólio da carne, como a Friboi e a Brasil Foods, dona das marcas Sadia e Perdigão, entre outros foram denunciados por subornar fiscais da vigilância sanitária a fim de ocultar práticas ilegais que põem em risco a saúde dos consumidores. (Segundo o site Sensacionalista, a carne da Friboi tinha até pelos do ator Tony Ramos…)
Diante do escândalo, qual é a reação de boa parte da esquerda?


Um militante mostra-se, numa rede social, preocupado com “a dissolução das forças produtivas”. Outros autores de posts e artigos, de variadas tendências políticas, denunciam, sem provas (e em alguns casos, nem mesmo a convicção), uma suposta conspiração imperialista para quebrar o capitalismo brasileiro.
Outros, mais cautelosos, se inquietam com a perda de mercados da pecuária brasileira na Europa e em outras regiões, com o avanço da concorrência e com as decisões de autoridades estrangeiras limitando as exportações brasileiras de carnes.
Não falta também quem reproduza, nos nossos espaços virtuais alternativos, o eterno argumento da direita de que o agronegócio é quem sustenta a economia brasileira, gerando divisas para o país com os seus negócios no exterior.
Nenhuma dessas ponderações é absurda, e a maioria dos que se manifestam nessa linha se situam no campo da defesa da soberania nacional e do desenvolvimento do nosso país.
Mas… peraí, não somos nós os que sempre afirmamos, desde os nossos tempos de movimento estudantil secundarista, que o latifúndio (atual agronegócio) é um inimigo do povo brasileiro? Não somos nós que nos revoltamos e indignamos sempre que trabalhadores do campo são perseguidos, agredidos, caluniados, presos e (como acontece frequentemente, ainda hoje) até assassinados, por lutarem pela reforma agrária?
Quem, senão nós, intelectuais de esquerda, temos denunciado, até perder a voz ou nos tornarmos chatos, o aberrante cenário da concentração das terras no país? E não é a pata do boi que está destruindo a Amazônia para fazer pastagens? Não são os grandes fazendeiros os culpados pelo genocídio dos guaranis no Centro-Oeste?
Mas, peraí de novo… Deve existir um plano genial por trás disso tudo, uma lógica. Ah, rá, aqui está: encontramos uma brecha na tramoia golpista! Esses pit bulls do aparato judicial-policial não imaginam a besteira que fizeram. Agora o agronegócio, ferido gravemente pelo denuncismo irresponsável, vem pro nosso lado e… crau! Fora Temer, acabou o golpe, diretas-já, quem sabe até uma Constituinte…
O “rei da soja” Blairo Maggi continua lá, firmão, no Ministério da Agricultura. A Globo dedicou boa parte da sua programação de domingo, dia 19 de março  em 2017, horário nobre, para convencer os consumidores de que podem comprar a sua picanha sem medo. Enquanto isso, o Michel oferecia um jantar com carnes, nobres também, para os igualmente nobres membros do corpo diplomático em Brasília e o Serraglio, ministro da justiça se divertia nas plagas brasilianas...
No Paraná, militantes do MST continuam na cadeia, como detentos comuns, pelo “crime” de lutar pela terra, enquanto a truculenta repressão policial a comunidades indígenas no mesmo Estado continua causando mortes.
Cada um desses episódios tem na sua raiz a intransigência dos fazendeiros, ainda apegados ao costume colonial de tratar a questão agrária como caso de polícia. E a propriedade (muitas vezes, obtida ilegalmente) continua a ser encarada como um bem sagrado, em desafio à Constituição que enfatiza a sua função social.
Trabalho escravo, eu ouvi trabalho escravo? Centenas de trabalhadores dos frigoríficos mutilados, todos os anos, pela rotina massacrante no corte e preparo dos frangos?
O que é isso, compadre? Deixe de lado o que diz o Sakamoto. Vamos olhar o panorama mais amplo.
Como? Repita, não ouvi bem. O quê? Você está me dizendo que as grandes empresas rurais do Brasil estão totalmente integradas nas cadeias globais de produção agrícola e pecuária? Que todo o esquema de sementes, fertilizantes, agrotóxicos, máquinas, tratores que impulsionam os recordes de produção do campo brasileiro, é tudo transnacional? Que a Friboi anunciou no ano passado que ia mudar a sua sede para Dublin, a capital da Irlanda, como um meio de evitar o pagamento de impostos no Brasil?
Mas que hora para lembrar disso! Você não está entendendo que as grandes companhias de capital brasileiro estão sendo perseguidas por forças (ocultas) externas? Sim, as grandes empresas em geral, não é só a Odebrecht, as empreiteiras. Querem acabar com tudo. Sim, até com os amigos deles, os sócios, os capitalistas brasileiros que sempre apoiam tudo o que vem de fora, que adoram Miami.
Alguns estão a favor do apoio – tático, momentâneo, limitado – aos grandes frigoríficos, pecuaristas e oligopólios das carnes de ave e suíno, diante dessa ofensiva contra as nossas sagradas forças produtivas nacionais.
Vamos obter algum saldo político, conquistar aliados preciosos, furar o cerco neoliberal e autoritário, avançar na nossa luta contra o retrocesso.
Não? Tudo vai continuar igual, o Lula ainda poderá ser impedido de se candidatar em 2018? E não ganhamos o apoio de nenhuma dessas empresas? Nada? E a previdência?


O artigo integral ver em: http://outraspalavras.net/brasil/a-esquerda-a-carne-e-o-pragmatismo-masoquista/ 

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