Uma
mÃdia com elevada concentração de propriedade e de audiência, sob crescente
controle religioso, com influentes afiliações polÃticas e guiada por interesses
econômicos de grandes grupos
por André Pasti e Luciano Gallas* para Le Monde e Vermelho – Sociedade e MÃdia no Brasil
por André Pasti e Luciano Gallas* para Le Monde e Vermelho – Sociedade e MÃdia no Brasil
GravÃssima falta de
transparência na propriedade e na distribuição da publicidade governamental,
concentrada, sobretudo a partir do governo golpista de Michel Temer, nos meios
simpáticos à agenda de reformas do governo. Tudo isso possibilitado por um
marco regulatório antigo, permissivo e ineficaz. Esses são alguns dos
apontamentos deste especial, que traz resultados do Monitoramento da
Propriedade da MÃdia (Media Ownership Monitor, ou “MOM”) no Brasil.
O estudo internacional, realizado em 2017 no Brasil pelas organizações Intervozes e Repórteres Sem Fronteiras, analisou os cinquenta veÃculos de comunicação brasileiros de maior audiência, investigando os grupos e pessoas por trás desses meios. A partir do estudo, foi publicado o site quemcontrolaamidia.org.br, que permite a navegação pelo banco de dados construÃdo ao longo da pesquisa. Ali, podem ser consultadas informações sobre os veÃculos de comunicação, os grupos econômicos e as pessoas que os controlam, além de análises sobre a mÃdia brasileira.
Nos próximos meses, publicaremos algumas análises desses dados neste especial do Le Monde Diplomatique Brasil. O cenário apontado pelo estudo é alarmante e se tornou ainda pior depois do golpe parlamentar de 2016.
Ameaças de longo prazo à democracia
A existência de uma mÃdia plural, com diversidade de informações e de narrativas em circulação, é condição indispensável para o funcionamento de um sistema polÃtico democrático. A concentração de propriedade e de audiência nos meios de comunicação, ao contrário, equivale a uma menor diversidade de conteúdo e a uma maior possibilidade de restrições à livre manifestação do pensamento. A concentração, portanto, coloca em risco os próprios fundamentos da democracia representativa liberal.
Infelizmente, entre todos os paÃses já analisados pelo estudo Media Ownership Monitor, o quadro de indicadores de riscos à pluralidade na mÃdia produzido no Brasil é o pior. No paÃs, destacam-se negativamente a elevada concentração de audiência – mais de 70% do mercado de televisão aberta está concentrada nos quatro principais grupos –, a grave propriedade cruzada dos meios – com os mesmos grupos concentrando mÃdias de diferentes tipos, como rádios, TVs aberta e paga, portais de internet, jornais e revistas –, e a ausência de proteções legais contra os monopólios formados por estes grandes grupos econômicos.
A concentração de audiência nos meios de comunicação é ainda mais significativa quando se considera a população do paÃs, a dimensão continental do seu território e a grande diversidade regional. Em um paÃs com tamanha pluralidade cultural e diversidade social, os efeitos de uma mÃdia concentrada nas mãos de poucos grupos econômicos são ainda mais terrÃveis, porque repercutem no subaproveitamento do potencial humano e no desrespeito à s diferenças e costumes regionais.
A concentração de audiência também se mostra elevadÃssima nos mercados impresso e online, se mostrando menos presente apenas no veÃculo rádio, dadas as caracterÃsticas de identidade local deste tipo de mÃdia. Contudo, a organização de redes nacionais também no rádio, com a produção de grande parte do conteúdo centralizada nas cabeças-de-rede e distribuÃdo pelas afiliadas, é um dado importante a ser avaliado.
Assim, entre as doze redes de rádio de maior abrangência no paÃs, duas pertencem ao Grupo Globo e três ao Grupo Bandeirantes, o que é uma demonstração do fenômeno da propriedade cruzada de meios presente no paÃs. Quando se leva em conta que há a formação de redes também a partir das emissoras afiliadas a estes grupos econômicos, a situação de concentração de propriedade e de audiência se torna ainda mais contundente e nociva à pluralidade.
A propriedade cruzada é uma dimensão central no fenômeno da concentração de mÃdia no Brasil. O Grupo Globo, especialmente, é proprietário de veÃculos e redes nos mercados de TV aberta (Rede Globo, lÃder de audiência), TV fechada (com conteúdos gerenciados pela subsidiária Globosat, incluindo o canal de notÃcias GloboNews), internet (Globo.com, maior portal de notÃcias do paÃs) e rádio (redes Globo AM/FM e CBN, que estão entre as dez maiores). Além disso, o Grupo Globo mantém atividades nos mercados fonográfico e editorial, entre outros. Uma campanha institucional do grupo lançada em outubro de 2017 afirmava que seus veÃculos de comunicação alcançam 100 milhões de brasileiros a cada dia, o que representa metade da população brasileira.
Tal concentração de propriedade cruzada também ocorre em outros grupos, como nos casos da Record, igualmente de alcance nacional, e da RBS, de abrangência regional. O primeiro tem veÃculos e redes na TV aberta (RecordTV e RecordNews); no meio impresso (jornal Correio do Povo) e no meio online (portal R7, entre os mais acessados do paÃs). A Rede Brasil Sul (RBS), por sua vez, com atuação no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina, possui emissoras de TV aberta, afiliadas à Rede Globo; dois jornais, Zero Hora e Diário Gaúcho, entre os de maior circulação do paÃs, além de outros tÃtulos impressos de circulação local; duas redes de rádio, a nacional Gaúcha Sat e a regional Atlântida; o portal ClicRBS, entre diversos outros investimentos em mÃdias digitais e na produção de eventos.
A esse quadro constatado de alta concentração de propriedade e de audiência somam-se outros fatores igualmente prejudiciais à pluralidade de vozes em circulação na sociedade e à própria democracia. Entre eles, a concentração geográfica dos veÃculos e grupos de comunicação – sediados majoritariamente na cidade de São Paulo –, a falta de transparência na divulgação de informações sobre a propriedade dos veÃculos e dos grupos e a interferência de interesses econômicos, polÃticos e religiosos mantidos pelas empresas proprietárias sobre o conteúdo editorial exibido.
O levantamento realizado pelo MOM no Brasil evidencia que os cinquenta veÃculos de maior audiência nas mÃdias televisão, rádio, impressa e online são controlados por 26 grupos e empresas. E que, entre esses 26 grupos e empresas, 19 (o que representa 73% do total) possuem sede na Região Metropolitana de São Paulo, a grande maioria delas localizadas na cidade de São Paulo. Por outro lado, o maior conglomerado de comunicação do paÃs, o Grupo Globo, está localizado na cidade do Rio de Janeiro, enquanto a capital polÃtica do paÃs, BrasÃlia, é sede de três outros grupos.
A chamada “Região Concentrada”, que correspondente à s regiões Sul e Sudeste, concentra 80% das sedes dos grupos e empresas controladores dos cinquenta veÃculos de mÃdia de maior audiência nacional. Já entre os cinquenta veÃculos, 62% estão sediados na cidade de São Paulo; 12%, no Rio de Janeiro; 10%, em Porto Alegre; 6%, em Belo Horizonte; e 4%, em BrasÃlia.
Cenário pós-golpe aponta para redução ainda maior da pluralidade
As medidas tomadas pelo governo Temer em relação à comunicação apontam para um aprofundamento dessa concentração midiática e, consequentemente, para uma redução da já limitada pluralidade existente nos meios de comunicação privados no Brasil.
O governo elaborou medidas que retiraram obrigações do empresariado da mÃdia, tem atacado sistematicamente a comunicação pública – em especial a Empresa Brasil de Comunicação (EBC) – e ampliado os usos seletivos da verba de publicidade estatal para inviabilizar financeiramente meios alternativos e comprar o apoio editorial da grande mÃdia à s ações governamentais. Esse tema será explorado no texto sobre as afiliações polÃticas da mÃdia brasileira (ver relação abaixo).
Esse quadro de grave concentração de propriedade e de audiência existente na mÃdia brasileira acompanha um alinhamento das linhas editoriais dos grupos de mÃdia aos discursos hegemônicos em circulação. Tais discursos se pautam pela construção de consenso a partir da sustentação de interesses econômicos e polÃticos de forças que historicamente concentraram o poder no paÃs.
Esse cenário aponta para ameaças à acanhada e ainda recente democracia representativa brasileira no que se refere ao médio e longo prazos. Isso porque há uma interdição, por parte dos grandes meios de comunicação, de diversos e importantes temas e perspectivas em prol do efetivo desenvolvimento da sociedade brasileira sobre bases mais justas e igualitárias. Analisamos várias dimensões desse problema neste especial.
*André Pasti é mestre em Geografia, professor do Cotuca/Unicamp, integrante do Conselho Diretor do Intervozes e coordenador da pesquisa MOM-Brasil; e Luciano Gallas é pesquisador do MOM-Brasil, jornalista, mestre comunicação e integrante do Intervozes.
O estudo internacional, realizado em 2017 no Brasil pelas organizações Intervozes e Repórteres Sem Fronteiras, analisou os cinquenta veÃculos de comunicação brasileiros de maior audiência, investigando os grupos e pessoas por trás desses meios. A partir do estudo, foi publicado o site quemcontrolaamidia.org.br, que permite a navegação pelo banco de dados construÃdo ao longo da pesquisa. Ali, podem ser consultadas informações sobre os veÃculos de comunicação, os grupos econômicos e as pessoas que os controlam, além de análises sobre a mÃdia brasileira.
Nos próximos meses, publicaremos algumas análises desses dados neste especial do Le Monde Diplomatique Brasil. O cenário apontado pelo estudo é alarmante e se tornou ainda pior depois do golpe parlamentar de 2016.
Ameaças de longo prazo à democracia
A existência de uma mÃdia plural, com diversidade de informações e de narrativas em circulação, é condição indispensável para o funcionamento de um sistema polÃtico democrático. A concentração de propriedade e de audiência nos meios de comunicação, ao contrário, equivale a uma menor diversidade de conteúdo e a uma maior possibilidade de restrições à livre manifestação do pensamento. A concentração, portanto, coloca em risco os próprios fundamentos da democracia representativa liberal.
Infelizmente, entre todos os paÃses já analisados pelo estudo Media Ownership Monitor, o quadro de indicadores de riscos à pluralidade na mÃdia produzido no Brasil é o pior. No paÃs, destacam-se negativamente a elevada concentração de audiência – mais de 70% do mercado de televisão aberta está concentrada nos quatro principais grupos –, a grave propriedade cruzada dos meios – com os mesmos grupos concentrando mÃdias de diferentes tipos, como rádios, TVs aberta e paga, portais de internet, jornais e revistas –, e a ausência de proteções legais contra os monopólios formados por estes grandes grupos econômicos.
A concentração de audiência nos meios de comunicação é ainda mais significativa quando se considera a população do paÃs, a dimensão continental do seu território e a grande diversidade regional. Em um paÃs com tamanha pluralidade cultural e diversidade social, os efeitos de uma mÃdia concentrada nas mãos de poucos grupos econômicos são ainda mais terrÃveis, porque repercutem no subaproveitamento do potencial humano e no desrespeito à s diferenças e costumes regionais.
A concentração de audiência também se mostra elevadÃssima nos mercados impresso e online, se mostrando menos presente apenas no veÃculo rádio, dadas as caracterÃsticas de identidade local deste tipo de mÃdia. Contudo, a organização de redes nacionais também no rádio, com a produção de grande parte do conteúdo centralizada nas cabeças-de-rede e distribuÃdo pelas afiliadas, é um dado importante a ser avaliado.
Assim, entre as doze redes de rádio de maior abrangência no paÃs, duas pertencem ao Grupo Globo e três ao Grupo Bandeirantes, o que é uma demonstração do fenômeno da propriedade cruzada de meios presente no paÃs. Quando se leva em conta que há a formação de redes também a partir das emissoras afiliadas a estes grupos econômicos, a situação de concentração de propriedade e de audiência se torna ainda mais contundente e nociva à pluralidade.
A propriedade cruzada é uma dimensão central no fenômeno da concentração de mÃdia no Brasil. O Grupo Globo, especialmente, é proprietário de veÃculos e redes nos mercados de TV aberta (Rede Globo, lÃder de audiência), TV fechada (com conteúdos gerenciados pela subsidiária Globosat, incluindo o canal de notÃcias GloboNews), internet (Globo.com, maior portal de notÃcias do paÃs) e rádio (redes Globo AM/FM e CBN, que estão entre as dez maiores). Além disso, o Grupo Globo mantém atividades nos mercados fonográfico e editorial, entre outros. Uma campanha institucional do grupo lançada em outubro de 2017 afirmava que seus veÃculos de comunicação alcançam 100 milhões de brasileiros a cada dia, o que representa metade da população brasileira.
Tal concentração de propriedade cruzada também ocorre em outros grupos, como nos casos da Record, igualmente de alcance nacional, e da RBS, de abrangência regional. O primeiro tem veÃculos e redes na TV aberta (RecordTV e RecordNews); no meio impresso (jornal Correio do Povo) e no meio online (portal R7, entre os mais acessados do paÃs). A Rede Brasil Sul (RBS), por sua vez, com atuação no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina, possui emissoras de TV aberta, afiliadas à Rede Globo; dois jornais, Zero Hora e Diário Gaúcho, entre os de maior circulação do paÃs, além de outros tÃtulos impressos de circulação local; duas redes de rádio, a nacional Gaúcha Sat e a regional Atlântida; o portal ClicRBS, entre diversos outros investimentos em mÃdias digitais e na produção de eventos.
A esse quadro constatado de alta concentração de propriedade e de audiência somam-se outros fatores igualmente prejudiciais à pluralidade de vozes em circulação na sociedade e à própria democracia. Entre eles, a concentração geográfica dos veÃculos e grupos de comunicação – sediados majoritariamente na cidade de São Paulo –, a falta de transparência na divulgação de informações sobre a propriedade dos veÃculos e dos grupos e a interferência de interesses econômicos, polÃticos e religiosos mantidos pelas empresas proprietárias sobre o conteúdo editorial exibido.
O levantamento realizado pelo MOM no Brasil evidencia que os cinquenta veÃculos de maior audiência nas mÃdias televisão, rádio, impressa e online são controlados por 26 grupos e empresas. E que, entre esses 26 grupos e empresas, 19 (o que representa 73% do total) possuem sede na Região Metropolitana de São Paulo, a grande maioria delas localizadas na cidade de São Paulo. Por outro lado, o maior conglomerado de comunicação do paÃs, o Grupo Globo, está localizado na cidade do Rio de Janeiro, enquanto a capital polÃtica do paÃs, BrasÃlia, é sede de três outros grupos.
A chamada “Região Concentrada”, que correspondente à s regiões Sul e Sudeste, concentra 80% das sedes dos grupos e empresas controladores dos cinquenta veÃculos de mÃdia de maior audiência nacional. Já entre os cinquenta veÃculos, 62% estão sediados na cidade de São Paulo; 12%, no Rio de Janeiro; 10%, em Porto Alegre; 6%, em Belo Horizonte; e 4%, em BrasÃlia.
Cenário pós-golpe aponta para redução ainda maior da pluralidade
As medidas tomadas pelo governo Temer em relação à comunicação apontam para um aprofundamento dessa concentração midiática e, consequentemente, para uma redução da já limitada pluralidade existente nos meios de comunicação privados no Brasil.
O governo elaborou medidas que retiraram obrigações do empresariado da mÃdia, tem atacado sistematicamente a comunicação pública – em especial a Empresa Brasil de Comunicação (EBC) – e ampliado os usos seletivos da verba de publicidade estatal para inviabilizar financeiramente meios alternativos e comprar o apoio editorial da grande mÃdia à s ações governamentais. Esse tema será explorado no texto sobre as afiliações polÃticas da mÃdia brasileira (ver relação abaixo).
Esse quadro de grave concentração de propriedade e de audiência existente na mÃdia brasileira acompanha um alinhamento das linhas editoriais dos grupos de mÃdia aos discursos hegemônicos em circulação. Tais discursos se pautam pela construção de consenso a partir da sustentação de interesses econômicos e polÃticos de forças que historicamente concentraram o poder no paÃs.
Esse cenário aponta para ameaças à acanhada e ainda recente democracia representativa brasileira no que se refere ao médio e longo prazos. Isso porque há uma interdição, por parte dos grandes meios de comunicação, de diversos e importantes temas e perspectivas em prol do efetivo desenvolvimento da sociedade brasileira sobre bases mais justas e igualitárias. Analisamos várias dimensões desse problema neste especial.
*André Pasti é mestre em Geografia, professor do Cotuca/Unicamp, integrante do Conselho Diretor do Intervozes e coordenador da pesquisa MOM-Brasil; e Luciano Gallas é pesquisador do MOM-Brasil, jornalista, mestre comunicação e integrante do Intervozes.
http://www.vermelho.org.br/noticia/310284-1
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