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10.05.2020

Fernando Francisco, o São Francisco Brasileiro

  É Fernando de Góis quem fala acima no vídeo um pouco de sua trajetória num diálogo com frei Gilvander Moreira.                                                                                                                                                                          

Fernando Francisco, o São Francisco Brasileiro
 
“Mas eu não vou ser um padre de paróquia. O meu altar será nas ruas, nos prostíbulos, no lixão, nos presídios. Quero ser um padre das causas sociais, ligado as populações marginalizadas. Celebrar a vida, levar o sacramento, lutar pela justiça”, afirma fr. Fernando Francisco de Góis

  Figura dos índios KRAHO na internet

por fr. Gilvander Moreira* na revista on-line IHU Unissínos – Sociedade e Doação
de Vida por Justiça, Paz e Amor ao Outro(a)

“Entre a Congregação e os pobres, fiquei com os pobres”

Filho de uma família de sete irmãos, de pais sergipanos, como ele mesmo conta, acabou no seminário dos frades Carmelitas em Curitiba (PR) pela influência religiosa da mãe. Não ficou, porém, muito tempo da Congregação. “Resolvi abraçar uma vida mais radical” ao comentar a sua opção em se dedicar as crianças e adolescentes moradoras de rua na fria Curitiba. Sobre o rompimento com a Ordem dos Carmelitas
comenta: “A Congregação não concordava com o meu trabalho nas ruas. Então eu
falei que se não fizesse isso estava negando o evangelho e para ser fiel ao
evangelho eu deveria estar no meio do povo. No meio de desavenças, entre a Ordem dos Carmelitas e os pobres, eu fiquei com os pobres”.
E foi assim. Saindo da Congregação foi morar em uma vila na periferia de Curitiba,
na comunidade Profeta Elias: “O profeta que lutou por terra e justiça, um profeta de luta, de resistência, que não se entregou ao poder capitalista”, diz ele.
O barraco na favela era apenas uma referência. A maior parte do tempo vivia com as crianças nas ruas e dessa convivência nasceu um projeto que se tornou uma referência no trabalho com crianças e adolescentes: a Chácara Meninos de Quatro Pinheiros.
Após 22 anos coordenando esse trabalho, Fernando se sentiu desafiado para novas missões e pôs o pé na estrada. No caso, pôs o pé literalmente mesmo. Fernando
sempre calçou a vida inteira sandálias de borracha, essas que conhecemos como
havaianas. Lembro que me impressionava muito quando o via, ainda jovem, mesmo
no rigoroso inverno curitibano sempre de sandálias. Foi até mesmo chamado por
um ex-governador de Estado de “monge pé-de-chinelo”, mas no caso o comentário
era depreciativo porque Fernando sempre incomodou os poderosos com suas denúncias.
Caminhou 600 km entre trecheiros, andarilhos, moradores nas estradas e prostitutas
Sobre essa nova opção de vida, Fernando comenta: “Fui fazer uma experiência de andarilho e morar nas ruas de São Paulo, na Cracolândia (...) porque Deus pede a nossa presença nos lugares aonde ninguém quer ir”.

Figura quilambolas em Ubaitaba, na internet

Caminhou 600 km entre trecheiros, andarilhos, moradores nas estradas e prostitutas

Nessa caminhada que posteriormente se estendeu de São Paulo até o Nordeste
levou pouca coisa. “A bagagem mede o tamanho da vaidade do viajante e eu só
tenho um corpo, pra que carregar um monte de coisa desnecessária (...) Fui
rezando, refletindo e me ‘alimentava’ com a história de vida dos trecheiros e
andarilhos”. Quando encontrava alguém na estrada “me perguntava, quanto tempo
faz que esse cidadão não recebe um abraço, dava um abraço, rezava um salmo e
fazia a escuta (...) Eu sempre fui evangelizado pela população de rua pela escuta pedagógica e amorosa”. Descreve a experiência de trecheiro e andarilho como um “momento forte de conversação e humanização”.

Na Cracolândia, cidade de São Paulo

Por quase dois anos conviveu com os moradores da Cracolândia em São Paulo. “Quando me deparei com a Cracolândia foi o momento mais difícil da minha vida, foi a experiência que mais me desafiou. Como vou rezar com um povo tão desumanizado, desvalido e judiado”? Mas respondeu a si mesmo: “Se você não consegue viver com
eles, você não tem o direito de rezar o Pai Nosso e receber a comunhão”.

Continua Fernando: “O que eu podia fazer era escutar, fazer silêncio, ficar vendo eles, um período de muitos desafios e muito aprendizado”.
Nessa caminhada desenvolveu a pedagogia dos sonhos que define como “uma forma de motivar as pessoas... se você tem sonho, tem esperança... e sonhar pequeno ou sonhar grande dá o mesmo trabalho, então vamos sonhar grande, enquanto se tem vida, tem esperança e o nosso Deus é o Deus da vida não quer ver ninguém sendo maltratado”.

“Quando cheguei a São Felix do Araguaia, o meu coração acelerou”

Depois de um tempo nas ruas de São Paulo pôs o pé na estrada novamente e foi para o Nordeste. Chegou a Barra (BA) para visitar e escutar Dom Luis Cappio (bispo profundamente místico e que ficou conhecido pela greve de fome contra a transposição do rio São Francisco). Sobre Dom Cappio comenta Fernando: “Comblin diz que a gente precisa morrer na sombra de um profeta”. Foi em Barra que Fernando amadureceu a sua ida à Prelazia de São Félix do Araguaia. Incentivada por uma amiga, pôs o pé na estrada de novo.
“Quando cheguei a São Félix, o meu coração acelerou”, diz ele. Em São Félix conheceu dom Pedro Casaldáliga e chegou a conviver com ele por quase quatro anos. “Você sente quando uma pessoa é profeta... Só de ver ele mexer os lábios, a força de seu testemunho, só de estar perto sentia a sua luz e a sua esperança. Ele pegava a mão das pessoas e demorava para soltar”.

“O meu altar será nas ruas”

A ideia da ordenação veio com a visita aos presídios. “Ninguém queria ir para os presídios”. Fernando foi e lá muitos pediam o perdão, os sacramentos. “Então
me senti provocado, o dever de levar o sacramento para essas pessoas”. Veio daí
a motivação para a ordenação. “Mas eu não vou ser um padre de paróquia. O meu altar será nas ruas, nos prostíbulos, no lixão, nos presídios. Quero ser um padre das causas sociais, ligado as populações marginalizadas. Celebrar a vida, levar o sacramento, lutar pela justiça”, diz ele.
Ainda sobre a ordenação comenta Fernando: “Eu não quero me tornar um ministro ordenado, mas um servo ordenado para servir melhor essa população desumanizada
e desfigurada. Levar vida, esperança e dar gás para que eles possam se unir, buscar caminhos alternativos de inclusão”.
Atualmente Fernando está em Confresa (MT), na diocese de São Felix do Araguaia. Lugar muito pobre. Foi para lá porque ninguém queria ir em meio a pandemia. “Deus me mandou nessa época... os caminhoneiros sem frete, as mulheres da prostituição sem programa pra fazer e em depressão, os presos em crise porque não podiam receber visitas, os hospitais abandonados pelos padres e pastores porque ficaram com medo da pandemia... Me chamaram e eu disse: eu vou, se eu morrer já tenho 62 anos e já vivi bastante e se Deus não me levar vou continuar trabalhando para Ele”. Em Confresa (MT) Fernando passou a cuidar dos mais pobres, sobretudo, indo atrás de comida. Segundo ele, “ninguém pode passar fome e quando a gente partilha, Deus multiplica”.
Sobre a sua ordenação que acontecerá no dia 01 de novembro em 2020, comenta que será no meio dos pobres “as pessoas preferidas de Jesus Cristo”: “Vou me ordenar no meio do povo simples e a população marginalizada vai se fazer presente na minha
ordenação, vai ser uma festa com o povo pobre e os pobres vão se sentar numa
mesa farta”.
Conclui afirmando: “Os ricos já tem muitos padres se dedicando a eles, o meu tempo é para dedicar as pessoas que mais precisam”.

Produção, edição e divulgação: *frei Gilvander Moreira, da CPT, das CEBs, do CEBI, do SAB e da assessoria de Movimentos Populares, em Minas Gerais. Acompanhe a luta pela terra e por Direitos também via www.gilvander.org.br – www.freigilvander.blogspot.com No Instagram: frei Gilvander Moreira (gilvanderluismoreira)

Publicação no IHU Unissinos:  05 Outubro 2020

Fonte:     http://www.ihu.unisinos.br/78-noticias/603443-um-santo-de-nossos-dias-arriscaria-dizer-um-sao-francisco-de-nosso-tempo
                                                 

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