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4.25.2021

Brasil: Um país tropical – e individualista?

Seminário debate pesquisa da Oxfam Brasil em 2017, que aponta preocupação dos brasileiras(as) com as desigualdades. Conclusão é que o Estado mínimo, defendido pelo governo Bolsonaro e os que o acompanham na aventura brasileira sem sentido, sendo rechaçado: o povo quer mais políticas públicas e justiça social

A economista Luana Passos ressaltou a importância de políticas públicas de cuidado para enfrentar as desigualdades interseccionais, o cruzamento de vulnerabilidades de classe, gênero e cor – que têm no centro as mulheres negras. “As mulheres têm menos tempo para dedicar ao trabalho assalariado, porque têm de cuidar das crianças e dos idosos, pois não há creches nem pré-escolas, nem políticas para os idosos. Os direitos igualitários não são cumpridos, daí a necessidade das políticas afirmativas”

por Inês Castilho no  OutrasPalavras – Sociedade e País das Desigualdades

 

  Imagem: Di Cavalcanti

“As coisas só mudam quando deixam de ser vistas como naturais. Assim foi com a escravidão, assim foi com a proibição do voto das mulheres”. E assim poderá ser agora com a desigualdade e a pandemia de coronavírus.

As afirmações entre aspas são do conselheiro Oded Grajew, da Oxfam Brasil, no seminário Nós e as Desigualdades, sobre pesquisa realizada pela organização internacional. A diretora executiva Katia Maia abriu o evento que debateu os resultados do estudo no Tucarena da PUC, em São Paulo, dirigindo-se a uma plateia de 300 pessoas e organizações sociais.

“Só avançaremos no combate às desigualdades se os temas do racismo, da discriminação de gênero e do respeito à diversidade, da discriminação pelo endereço de moradia, do assassinato de jovens de periferia, tiverem a mesma urgência que os temas econômicos e fiscais”, afirmou.

Conforme a pesquisa, a segunda realizada sobre o tema pela Oxfam Brasil em parceria com o Datafolha (a primeira foi em 2017), quase 9 em cada 10 brasileiros pensam que só haverá progresso no Brasil se houver redução da desigualdade entre muito pobres e muito ricos – e para isso é necessária a intervenção do Estado. A ideia de um Estado mínimo, defendida pelos que hoje ocupam o poder, é claramente rejeitada: brasileiras e brasileiros revelam grande senso de solidariedade social.

A consciência da desigualdade interseccional, de gênero, raça e classe aparece com força na pesquisa. A composição de debatedores nas mesas do seminário, com significativa maioria de mulheres negras, já sinaliza a mudança.

A mesa Desigualdades no Imaginário Brasileiro, mediada pela coordenadora de programas da Oxfam Brasil Tauá Pires, contou com a pesquisadora Esther Solano, o documentarista Henry Grazinolli e o professor Jailson de Souza e Silva, diretor da Universidade Internacional das Periferias. O debate sobre Políticas Públicas para Redução de Desigualdades deu voz à economista Luana Passos, à cientista política Marta Arretche e à jornalista Flávia de Oliveira, da Globonews e da rádio CBN, com mediação da jornalista Adriana Couto, da TV Cultura. Abrir caminho na mídia tradicional para as causas sociais foi um dos caminhos apontados para reduzir as desigualdades.

O seminário foi concluído com uma teatralização do candomblé encenada pelo grupo Acústica Periférica, formado por coletivos que integram o projeto Juventudes nas Cidades, da Oxfam Brasil. Deu lugar assim a outra linguagem na comunicação – e outra geografia da razão, como diz Djamila Ribeiro. A propósito, foi lembrada por Tauá Pires a presença na plateia de Richard, um dos autores do samba-enredo da Mangueira – política em forma de teatro monumental.

  Encenação do grupo Acústica Periférica, que encerrou o evento. Foto: Leu Britto

Imaginário brasileiro e desigualdade

Como aparecem as desigualdades no imaginário brasileiro, e quais suas consequências? Quais políticas públicas podem reduzi-las no Brasil, um dos 10 países mais desiguais do mundo? O que se espera do governo e do Estado na redução das desigualdades? Estas são as perguntas que estavam sobre a mesa.

“O simbólico institui o real”, observou de saída o educador Jailson de Souza e Silva, reafirmando a importância do campo das representações e da disputa de narrativas. “Não há pobres, mas pessoas empobrecidas e pessoas enriquecidas por um sistema que transfere riquezas da sociedade através de políticas tributárias e de crédito, alocação de equipamentos e serviços. Uma estrutura de reprodução sistemática da desigualdade pelo aparato do Estado e do mercado, que naturalizam as desigualdades e transferem as mudanças para os indivíduos”, afirma Jailson.

As pessoas têm mais consciência da pobreza do que da desigualdade, diz ele, e as soluções precisam vir também das periferias, onde os sujeitos são potentes e não somente vítimas. “Mostrar a favela como alegria, beleza e invenção, criatividade, vida e intensidade – além de dor e violência. Criar novas narrativas a partir dos protagonistas”, afirma.

A importância de dialogar com pessoas comuns, para além dos grupos convertidos, e para isso usar outras formas narrativas, tais como o audiovisual, foi lembrada pelo documentarista Henri. “Contar histórias é uma grande ferramenta no processo de comunicação”, disse ele, sobre a necessidade de transformar números em comunicação emocional. “Contar histórias individuais, sem contudo deixar de lado o estrutural politizado”, considerou Esther Solano.

Pesquisadora de grupos conservadores, Esther lembrou que a questão da linguagem é fundamental na ampliação do diálogo “Não pode ser simplista e infantilizadora, mas também não elitista”. Ressignificar conceitos como feminismo, falando em autonomia e direitos humanos, ou tratar o aborto como questão de saúde pública são exemplos de como isso pode ser feito. “O campo progressista tem estigmatizado, deslegitimado interlocutores válidos”, avalia.

O estudo revelou que uma maioria da população concorda que gênero (64%) e raça (52%) impactam na renda; que a cor da pele influencia na contratação por empresas (72%) e na decisão de uma abordagem policial (81%), e que a justiça é mais dura com negros (71%); e discorda que mulheres devam dedicar-se somente a cuidar da casa e dos filhos, e não trabalhar fora (86%).

A economista Luana Passos ressaltou a importância de políticas públicas de cuidado para enfrentar as desigualdades interseccionais, o cruzamento de vulnerabilidades de classe, gênero e cor – que têm no centro as mulheres negras. “As mulheres têm menos tempo para dedicar ao trabalho assalariado, porque têm de cuidar das crianças e dos idosos, pois não há creches nem pré-escolas, nem políticas para os idosos. Os direitos igualitários não são cumpridos, daí a necessidade das políticas afirmativas”.

Publicado em Outras Palavras: 16/abril/2019

Fonte:  https://outraspalavras.net/desigualdades-mundo/um-pais-tropical-e-individualista/

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