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3.27.2023

Pequenos agricultores em respeito a natureza


 

A propósito das comunicações falsas que a imprensa vem fazendo contra o Movimento dos Sem Terra, devido a ocorrência de ocupações  legitimas e necessárias, foi compartilhado o artigo da jurista e professora da UFRJ,  Carol Proner

Ocupação não é invasão

por Carol Proner no MST on-line – Sociedade e Comunicações Fake New’s na Imprensa

 Foto na internet, MST_  Brasilia em 2014

Introdução

Para tratar de tema tão difícil e sensível à sociedade, e em homenagem às crianças que vivem em acampamentos e assentamentos por todo o país e que com as famílias de agricultores, buscam em conjunto a terra e por condições dignas de vida e de trabalho (sustento familiar), em homenagem às mulheres do campo e o direito a semear, plantar, colher e produzir, em homenagem aos homens pequenos agricultores do Brasil e sua força de trabalho em prol de uma sociedade livre da miséria e da fome e em direção à agroecologia ou o plantio com respeito a natureza, façamos um trato contra a ignorância e a estupidez nas formas arcaicas de comunicação social e digital quanto ao direito à terra e o plantio de alimentos saudáveis.

 Ocupação não é o mesmo que invasão. A Constituição Federal Brasileira de 1988 define o conceito de uso social da terra e os critérios para que seja legítimo, que não destrua o meio ambiente, que não se faça por meio de trabalho escravo ou parecido e que a terra seja produtiva ou ocupada para o bem coletivo. A ocupação de terras tem sido historicamente a forma pela qual os movimentos de agricultores rurais familiares chamam a atenção para este compromisso de direitos fundamentais e da necessidade, de que a propriedade venha acompanhada de uma função social que beneficie a todos. Confundir os dois conceitos propositalmente é uma forma de negar as ações de distribuição da terra e os legítimos direitos, assim reconhecidos pela Declaração da ONU sobre Direitos dos Agricultores Familiares.

A ocupação pode ser uma forma legítima de ter-se argumentos de negociação e chamar atenção para o descaso com a “reforma agrária” para a agricultura familiar. As ocupações que aconteceram no sul da Bahia no início de 2023 em terras da Suzano, maior empresa de celulose do mundo, trouxe ao conhecimento da sociedade um acordo descumprido desde 2011 entre a empresa e o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), termo mediado pelo INCRA (governo federal) e que afeta direitos de 750 famílias que aguardam há 12 anos, pela liberação das terras. Mostrar a realidade que acontece para o caso específico e também para a ativação das instituições de regulamentação fundiária é parte do papel das ocupações na “reforma agrária” brasileira.

Ocupação de terras no Sul da Bahia

As “ocupações” podem ser uma forma legítima de rediscutir o sentido social da terra. Também o caso da Suzano, já em processo de re-negociação, revela aspectos da produtividade da monocultura que devem ser objeto de revisão pela sociedade brasileira e pelos órgãos de controle e financiamento público. É o caso da monocultura do eucalipto, cultivo incrementado com o uso de agrotóxicos (venenos) aplicados inclusive por meio da pulverização aérea (avião), o que gera efeitos indiscriminados de envenenamento da floresta e águas.

Eis a razão pela quais florestas de eucalipto são chamadas de desertos verdes?

Essa foi uma expressão que surgiu no diálogo a respeito da legitimidade das ocupações. Para que o eucalipto prospere, a mata nativa precisa sair do lugar ou ser derruba, acarretando produção de uma só cultura utilizada para desenvolver a indústria moveleira e de celulose. Só a empresa Suzano cultiva 3 milhões de hectares de eucalipto, o que forçosamente acarreta brusca redução da bio-diversidade no território do sul da Bahia. Ao mesmo tempo, a cadeia de fauna e flora fica reduzida a uma única espécie exótica, uma vez que o eucalipto não é arvore nativa brasileira e, para agravar o problema específico do agronegócio associado à indústria de celulose, tanto a forma de cultivo como as substâncias utilizadas para intensificar a produção desgastam o solo e comprometem a recuperação de futuras florestas nativas. Existem soluções para aplacar efeitos nocivos aplicadas por povos tradicionais, saídas da ciência e da tecnologia, mas diante dos efeitos devastadores e da imposição rigida do agronegócio como única saída econômica, as ocupações de luta pela terra cumprem o papel de exclarecer e despertar a reflexão da sociedade, a respeito dos meios e métodos produtivos predominantes, incentivados (por renuncias fiscais ou financiamento de governos estaduais e federal) diante da realidade de 33 milhões de pessoas que passam fome no Brasil.

Em meio ao debate na imprensa, universidades e outros nichos humanos, cresce o entendimento do que seja “reforma agrária agroecológica”, ou sem o uso de venenos (agrotóxicos). Os movimentos pela terra, o MST em particular, têm defendido que a luta histórica pela “reforma agrária” seja substituída pela “reforma agrária agroecológica”, compreendida nas dimensões da produção do alimento saudável e sustentável para toda a sociedade brasileira, isso em contraposição ao agronegócio. O debate inclui, além do acesso à terra como um direito humano, também a produção de alimentos saudáveis e livres de agrotóxicos (venenos), a defesa das formas de vida e trabalho no campo tanto do ser humano, quanto dos animais e vegetais, o papel da mulher camponesa, a forma de organização em cooperativas da agroecologia, a riqueza da (bio)diversidade alimentar (variedades), a soberania alimentar, o combate à fome e tantos outros conceitos e efeitos de um diálogo responsável, consequente e principalmente humano.

O que esperar do temido “abril vermelho”?

É notável a desinformação provocada por vários setores da imprensa e meios especializados, que repercutem intolerância e preconceito contra agricultores familiares e sua sobrevivência. Mesmo involuntariamente, principalmente nas redes digitais, a desinformação estimula promessas de violência, atos potencialmente criminosos cogitados por fazendeiros com armas, uso de armas de fogo por milícias contratadas ilegalmente contra agricultores familiares.

No histórico mês de mobilização pela “reforma agrária”, conhecido como “abril vermelho”, em memória do Massacre de Eldorado dos Carajás, o Movimento dos Sem Terra atualiza as pautas de luta em 2023: repúdio aos agrotóxicos (venenos), fim do desmatamento, oposição à aprovação do novo “código florestal” em trâmite na Câmara dos Deputados e reconstituição dos canais estatais (Incra e outros) para finalmente, viabilizar o assentamento de mais de 100 mil famílias que aguardam pelo acesso à terra no Brasil.

Conhecer o contexto dos enfrentamentos e das ocupações é condição elementar de respeito à busca dos trabalhadores rurais do país por áreas de plantio, além de ser um dever legal e uma oportunidade de estimular a produção de alimentos saudáveis como alternativa ao envenenamento cotidiano ao qual estamos submetidos em nosso país.

*Carol Proner é doutora em direito, jurista e professora da UFRJ, membra da ABJD e do Grupo Prerrogativas.

Edição: Blog do Cachoeira

Publicado no MST: 27 de março de 2023

**SGeral MST:  sgeral1@mst.org.br

Fonte: https://mst.org.br/

 

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